Depois de 50 anos de carreira, os Sparks continuam cheios de energia e fulgor. Lançaram em maio The Girl Is Crying in Her Latte, o mais recente trabalho da banda cuja música também se estreou na tela de cinema, no musical Annette de Leos Carax, que lhes valeu uma entrada em Cannes, um sonho tornado realidade para uma banda tão cinéfila como Sparks.
Os Sparks atuaram no dia 10 de junho, no último dia do Primavera Sound Porto, que juntou uma maré de gente para ver uma banda que desafia a pop já há algum tempo. Daniel Belo conversou com os irmãos Ron e Russell Mael sobre o passado, presente e futuro de Sparks, um grupo tão versátil como determinado, sempre pronto para começar de novo.
(Transcrição da entrevista)
[DANIEL] Quando os artistas chegam a uma determinada fase da carreira, abrandam e começam a fazer digressões de grandes êxitos, mas a vossa capacidade e output criativos não diminuem. Qual é o segredo? O que vos faz continuar?
[RON] Bem, sempre estivemos muito motivados, mas agora sentimos que há um novo interesse no que estamos a fazer, em parte através do documentário de Edward Wright “The Sparks Brothers”, mas também fizemos o filme musical “Anette” com Leos Carax. Mas não sei! Às vezes chega a nossa hora, e está a chegar numa altura estranha para nós, sabes? A nossa energia vem de dentro, sempre, mas ajuda muito quando há outras pessoas, especialmente pessoas mais jovens, que nos estão a descobrir. Os artistas que estão nesta altura da sua carreira, estão normalmente a tentar acalmar-se e a refletir sobre o que fizeram e todas essas coisas. Nós rejeitamos tudo isso. Só queremos continuar a fazer o máximo que pudermos.
[DANIEL] E estão a ir além da música. Falaste de “Anette”, por exemplo. Deve ter sido muito libertador, não só por terem conseguido fazer o que fizeram no filme, mas também pelo reconhecimento que obtiveram.
[ROB] Isso foi fantástico, porque do ponto de vista musical foi muito libertador. Foi emocionante para nós trabalharmos numa narrativa musical mais longa do que costumamos fazer nos álbuns tradicionais – seja lá o que isso signifique – dos Sparks, com canções de três e quatro minutos. Mas também o facto de ter sido o filme de abertura do Festival de Cinema de Cannes… somos grandes cinéfilos e isso foi um sonho tornado realidade. E depois também, como americanos, receber um César, o equivalente francês de um Óscar pela música de “Anette”, é como… pensámos mesmo que devia ter sido um erro, mas foi incrível. Estamos tão satisfeitos que estamos a trabalhar num outro filme musical neste momento. Chama-se Excrucior. É suposto eu manter as ideias e outras coisas em segredo, mas a empresa com a qual estamos a trabalhar descreve-o como um musical épico. Não sei se com isso consegues criar uma imagem mental do que poderá ser…
[DANIEL] Nas últimas cinco décadas foram apontados como grande influência para vários artistas de diferentes épocas e proveniências, e estiveram sempre na vanguarda, alargando os horizontes de vários estilos de música. Sentem o peso dessa responsabilidade?
[RUSSELL] Não pensamos nisso de todo. E talvez o que vai mantendo freso o que vamos fazendo, é estamos como que dentro nossa própria bolha, tentando desafiar-nos e forçar-nos a fazer coisas que achamos que sejam música pop realmente progressiva e desafiadora. Falavas anteriormente sobre grupos que quando estão na mesma situação… não são muitos, mas os que estão numa situação em que têm tantos álbuns quanto nós, tendem a seguir o caminho mais fácil. Nós somos muito determinados. Se como subproduto houver outros artistas, como descobrimos mais tarde no documentário, que estão realmente a ouvir o que estamos a fazer…
[DANIEL] Ficaram surpreendidos por verem alguns dos artistas a apontar-vos como uma grande influência?
[RUSSELL] Sim, ficámos muito surpreendidos porque não sabíamos. Conhecemo-los a todos, obviamente, mas não sabíamos que tantos eram fãs de Sparks… e vindos de tantos estilos diferentes de música pop, desde os Duran Duran a Steve Jones dos Sex Pistols e tudo o resto. Sentimos isso como um grnade elogio, e foi fascinante ver como se inspiraram em diferentes períodos doa Sparks. Alguns do lado mais electrónico, como os New Order, mas outros da versão com mais guitarras. Por isso, foi muito interessante ver em que períodos os diferentes artistas estavam a encontrar inspiração em Sparks.
[DANIEL] Há anos que ouvem e fazem música. Acompanharam a evolução dos estilos musicais e do negócio da música. Como é que olham para a produção musical hoje em dia? Sentes que é mais conservadora agora do que era no tempo em que começaram a fazer música? Ainda há lugar hoje para artistas disruptores como vocês?
[ROB] Acho que há uma falta de paciência com artistas assim. Nós tivemos muita sorte no início, porque mesmo nas alturas em que não estávamos a vender muitos discos, as pessoas das editoras gostavam do que fazíamos e achavam que estávamos a trazer algo à editora que a tornava mais completa. Depois mudámo-nos para Inglaterra e tivemos um grande sucesso comercial. Agora tudo parece mais desafiante, porque se algo não acontece muito rapidamente… tenho pena dessas pessoas, mas se as editoras discográficas e as rádios ou o que quer que seja perdem o interesse, passam para o próximo objeto brilhante. A única coisa que descobrimos, no que diz respeito a facilitar as coisas para uma banda como nós, é a revolução nas técnicas de gravação, onde podemos gravar por conta própria. O Russell tem um estúdio na casa dele, por isso não temos de receber um orçamento enorme de uma mega editora para fazer coisas interessantes. Na verdade, sentimos que estamos a fazer coisas mais interessantes por não termos de olhar para o relógio, sabendo o caro que é gravar dessa forma. Fazemos coisas que talvez acabem por soar estúpidas, mas só nós é que as ouvimos. As coisas boas estão andam por aí. Acho que essa parte é uma coisa positiva.
[DANIEL] A vida na estrada não é fácil, e as dificuldades vão aumentando com a idade. Tens alguma estratégia secreta para te manteres em forma?
[RUSSELL] Acho que é apenas estar motivado para não ser como muitos artistas que tiveram uma longa carreira, sabes? Eles tendem a ficar… a voz humana, depois de anos e anos, tende a deteriorar-se um pouco, e uma das nossas grandes motivações é não cair nessa categoria. Fazemos tudo o que podemos para que tudo possa soar parecido com o que era quando começamos, para não termos que mudar o tom das músicas e por tudo mais grave para que seja mais fácil de cantar, como fazem muitos artistas que tiveram uma longa carreira. Acho que tudo se resume à motivação de não querermos soar como uma banda que tem 26 álbuns, e soarmos como uma banda que é atual.
[DANIEL] Novo álbum lançado este ano, turnês, grandes concertos e um novo filme em preparação. Não mostram sinais de quererem abrandar o ritmo.
[RON] Até chegar o momento em que deixarmos de ficar entusiasmados com as coisas, continuaremos a insistir. Temos muita sorte, porque tanto em tempos melhores como em tempos mais difíceis, termos tido sempre pessoas muito apaixonadas pelo que estamos a fazer, e por percebermos a natureza especial do que estamos a fazer. Isso é algo que continua a motivar-nos e, neste período, parece que… foi realmente uma altura em que houve uma espécie de renascimento do interesse por nós e definitivamente não o tomamos como garantido. Queremos ir o mais longe possível, porque as pessoas que gostam mesmo de Sparks esperam ser desafiadas, e nós queremos corresponder a essa expectativa.
[RUSSELL] Estamos muito entusiasmados com o facto de sentirmos que o novo álbum é um álbum muito desafiante, que nos entusiama. Descobrimos que é possível fazer coisas desafiantes e ter público interessado nisso. O álbum foi o número um em vendas físicas no Reino Unido na primeira semana, por isso sabemos que há um público que quer ser desafiado e experimentar coisas que não são apenas música pop inócua. Isso também nos deixa mais motivados e mais entusiasmados.