@Super Bock Super Rock
Caroline Polachek é um nome que orbitra na atmosfera da pop experimental e alternativa. A Catarina Fernandes falou com a artista e produtora norte-americana sobre o seu mais recente trabalho, Desire I Want To Turn Into You, antes de Polachek subir ao palco no festival Super Bock, Super Rock no passado dia 14 de julho.
POLACHEK: Bem, antes de mais muito obrigada por me receberem. Acho que o disseste de uma maneira muito bonita quando utilizaste a palavra “ferida” para descrever o Pang. Para mim, é um disco muito emocional e introvertido, mas também é um álbum sobre tensão. Enquanto o Desire, I Want To Turn Into You é um álbum de libertação.
CATARINA:Sente-se mesmo isso ao ouvi-lo. Musicalmente é um disco muito bem construído e parece muito refrescante, algo novo vindo da Caroline Polachek.
POLACHEK:Obrigada… Eu nunca quis fazer o mesmo álbum duas vezes, por isso tento e esforço-me para me aventurar em território novo.
CATARINA: Também sei que querias experimentar outro modus operandis na lírica. Qual foi a tua intenção?
POLACHEK: Tive, definitivamente, uma intenção, mas estava mais relacionada com a forma do que propriamente com o conteúdo. O que eu quero dizer com isto é: eu não estava interessada em contar nenhuma história como fiz com o Pang. Eu sempre quis contar histórias mas com este novo álbum, eu queria que ele tivesse a sensação do ato de pensar. Queria que as letras fossem semelhantes ao modo como pensamos, ou seja, de maneira não-linear. Não pensamos de maneira necessariamente lógica e o disco não é definitivamente perfeito ou límpido. Queria que fosse muito abstrato, muito fragmentado e visual, muito orgânico.
CATARINA: Mas também tens muita experiência enquanto produtora. Ao longo do tempo, quais foram algumas das melhores lições que deste e, por outro lado, recebeste do Danny L Harle e do A.G. Cook?
POLACHEK: Bem, não faço ideia se dei grande lição a alguém, mas…. Recebi muitas, meu Deus. Bem, do Danny Harle… penso que a maior lição que aprendi a partir do Danny foi o facto da qualidade dos ingredientes não interessar. O que interessa mesmo é o sabor do produto final… Com isto quero dizer que ele e eu não estamos preocupados com o tipo de microfones que usamos ou com os plug-ins que podemos usar. Nós não queremos saber. É tudo sobre a cena final e como sentimos o produto final. Não somos fiéis a nenhum tipo de rotina de trabalho específica, somos muito flexíveis. E também não temos um sítio religioso para gravar. Podemos trabalhar em qualquer lugar, casualmente. E sabes, não tive oportunidade de trabalhar muito com o A.G. Cook e muita da experiência que tenho de trabalhar com ele é mais para a música dele do que para a minha, o que é sempre uma grande honra e algo entusiasmante/ entrar no mundo do A.G… Mas sabes, não sei até que ponto é possível ter alguma lição vinda dele porque o que ele faz é tão idiossincrático… é tão ele e ninguém conseguiria fazê-lo como ele. Ele tem uma sensação auditiva muito específica e harmoniosa e uma enorme claridade sonora, que acho que nem consegues emular. Acho que o legado do hyper-pop não chega se quer aos calcanhares da magia que ele é capaz de fazer sozinho…. Por isso, uma salva de palmas ao Danny L Harle, salva de palmas ao A.G. Cook e outra à PC Music.
CATARINA: Falando em PC music…. Sou uma grande fã do trabalho da Charli XCX. Gostava que me falasses um pouco sobre o remix que ela fez da tua canção [Welcome to my Island].
POLACHEK:Bem, a Charli fez um remix da definição de remix…! Tenho uma canção chamada “Welcome to my Island” que saiu o ano passado…
CATARINA: Somzaço…!
POLACHEK: [risos] Obrigada, rainha! Pedi à Charlie e ao George Daniel dos The 1975, – que também toca aqui hoje no festival Super Bock, Super Rock – se faziam um remix da música juuntos! Praticamente não usaram partes nenhumas da música original. Acho que a certa altura usaram a minha voz mas tornaram-na como uma voz secundária, tudo o resto fizeram desde o início. Eles fizeram uma espécie de remix ao conceito da música e não ao áudio. A Charlie usou a ideia do “Welcome to my Island” para descrever o início de uma relação amorosa, ao contrário de mim, que estava a usar o conceito para descrever a ideia de isolamento e a ironia de ser, tipo, uma espécie de monstro egocêntrico… já a Charli estava a utilizar o conceito para convidar alguém, de uma forma muito real, a entrar na sua ilha. Ela pegou na frase e deu-lhe a volta de uma maneira muito criativa. Isto é apenas um dos exemplos do porquê da Charli XCX ser um génio.
CATARINA: Tens a Grimes e a Dido juntas numa música tua, a “Fly To You”, o que me parece incrível. Como foi a dinâmica entre todas vocês?
POLACHEK: Foi incrível. Quem me dera que tivéssemos trabalhado as três juntas no mesmo quarto, mas já fui muito sortuda em trabalhar com elas na vida real. Separadamente, mas aconteceu. Isto porque moramos todas em Los Angeles. Pude estar com as duas a propósito da canção… Eu e a Grimes já falávamos há anos sobre ter uma música nossa. Depois comecei a “Fly to You” e eu disse a mim mesma, espera um minuto…. Este é finalmente o nosso momento. Eu e ela andamos sempre tão distraídas e ocupadas, mas de repente eu fiquei, AH-HA, temos algo por onde começar. Mandei-lhe a música e ela passou-se, adorou. Reservamos um tempo para eu ir a casa dela e trabalhar com ela no quarto, no seu pequeno estúdio. Depois escrevemos a parte dela e honestamente foi incrível ver a Grimes trabalhar como produtora porque ela estava a fazer a sua própria produção e engenharia vocal. É super rápida e sabe exatamente o que quer. Foi miraculoso ouvir o som vocal que associamos à música da Grimes. É mesmo assim que ela canta, ela soa assim – não é nenhum efeito. Tive a mesma sensação de choque do género a trabalhar com a Dido. Fui muito sortuda em ir para casa dela, e no seu caso, fui eu a gravar e a produzir a parte vocal dela, ainda não acredito que ela confiou em mim para isso. A Dido é uma lirista tão singular, sabes? E eu falei com ela não sabendo muito bem o quão ativa ela queria ser na música, se queria escrever a parte dela ou não…. Mas ela escreveu. E ouvi-la cantar, ali no quarto sem microfone, sem efeitos, foi mesmo… senti o corpo cheio de arrepios… só há uma Dido.
CATARINA: Isso é incrível. E a Weyes Blood? Cantaram juntas no outro dia. É uma pessoa com quem farias uma colaboração?
POLACHEK: Sabes, estamos as duas em “campanha” ao mesmo tempo. Lançámos ambas os nossos discos na mesma altura. Então quando és um artista e estás numa espécie de ciclo de promoção como outro artista, é como se estivéssemos a criar filhos juntos. Como se estivesses a ir buscar os teus filhos ao recreio. [risos] Vemo-nos uma à outra imenso nos festivais e queixamo-nos muito sobre as mesmas coisas. Mas pronto, de momento estamos as duas muito ocupadas com a tour, por isso, vamos ver. Ela é definitivamente alguém que eu adoro e pela qual tenho imensa admiração, por isso se colaborarmos um dia seria ótimo.
CATARINA: Trabalhando na rádio, ouvir uma entrevista tua onde dizes que a música é sempre algo físico, foi muito satisfatório. Como te sentes quando estás em palco?
POLACHEK: Uau… Isso é muito interessante… Quando eu disse isso estava a referir-me ao processo do álbum [Desire, I Want To Turn Into You] e como eu queria que ele soasse, escolhendo determinados sons e produzindo a minha voz de uma maneira que parecesse muito física. Curiosamente em palco sinto-me várias vezes como uma condutora numa pista de corridas, a jogar algum jogo ou a conduzir pelo próprio tempo. Sinto-me a conduzir pelo tempo e às vezes o tempo ultrapassa-me e eu tento chegar até ele e outras vezes sinto que estou à frente do tempo e tento puxá-lo para mim. A questão da performance tem uma dinâmica muito interessante, especialmente quando sabes muito bem as músicas e andas em tour o ano inteiro. Sim, em muitas formas, é algo muito não-físico, mas a relação com o público é algo muito entusiasmante e completamente inesperada para mim – nunca sei o que esperar. Todas as noites são diferentes.
CATARINA: E o que achas de Portugal, uma vez que já tens vindo cá algumas vezes?
POLACHEK: Eu acho que o ano passado no Primavera Sound foi a terceira vez que toquei no Porto. Aqui nunca toquei. Nunca toquei no Super Bock.
CATARINA: E falávamos há pouco, achas Sesimbra muito bonito, não é?
POLACHEK: Oh meu Deus? Eu nunca quero sair daqui……
CATARINA: Tenho uma última nota sobre a minha música favorita no teu novo álbum – a “Billions”. O que achas dela?
POLACHEK: A “Billions” foi uma das canções mais difíceis de terminar. Trabalhei nela de forma contínua, num espaço de um ano e meio. Há tanta experimentação envolvida, tinha tantas ideias que experimentei, mas depois não usei na música. Muito teve a ver com a estrutura que eu queria para a canção a sensação de um sentimento muito solto, repetitivo, mas sem ser cansativo e muito etéreo. Queria que quem a ouvisse se perdesse dentro dela. A típica canção pop impede-te de te sentires perdido. Eu não queria que a “Billions” fosse assim: queria mesmo que te perdesses dentro dela, sentires que não sabias há quanto tempo estavas a ouvir a música.
CATARINA: Nesse sentido acho que é uma das tuas músicas mais psicadélicas.
POLACHEK: Sim, é mesmo psicadélica. Há oito versos nessa canção, é mesmo muito pouco tradicional. E depois todo o clímax da música não tem se quer a minha voz. Foi tudo muito intencional. Também nunca quis um final muito triunfante. A verdade é que muitas estruturas e fórmulas pop típicas não resultaram para aquela canção. Daí sentir que a canção foi mesmo um desafio, uma vez que tinha uma noção muito clara e intencional no meu coração. Às vezes demora muito tempo até chegar lá.
CATARINA: Caroline, muito obrigada, foi um gosto enorme conhecer-te, obrigada.