Diz-se do Natal que é da família. Que começa à volta da mesa e segue depois para frente da televisão, para a digestão. Ora, para ocupar as horas entre o consoada e a chegada do Pai Natal, ou para manter a família acordada enquanto o avô ressona no sofá depois do almoço de 25, eis uma dúzia de filmes que sabem a Natal.
O APARTAMENTO (1960)
Não sendo propriamente um filme natalício, no sentido clássico no termo, o clássico de Billy Wilder passa-se entre o Natal e o fim de ano, entre as festas da empresa e – lá está – o tal apartamento que dá nome ao filme. Uma das comédias mais calorosas de um dos realizadores mais respeitados de sempre, com um par de protagonistas mais que perfeito (Jack Lemmon e Shirley MacLaine), O APARTAMENTO é filme para agradar aos avós, aos netos e ao primo emo, enquanto esperam pelo Pai Natal. E uma das mais cute histórias de amor made in Hollywood, daquelas que aquecem o coração como cacau quente em noite fria.
DIE HARD – ASSALTO AO ARRANHA CÉUS (1988)
Não venham cá com o SOZINHO EM CASA nem com o DO CÉU CAIU UMA ESTRELA. Clássico mais clássico do que este clássico não há. E Natal sem ASSALTO AO ARRANHA-CÉUS também não. O filme de John McTiernan que fez de Bruce Willis uma estrela e mudou o template dos filmes de acção é ainda hoje estudado em escolas de cinema e um dos entreténs mais confiáveis para a quadra. Não há ninguém que fique indiferente ao charme de John McClane, que passa meio filme descalço, cheio de sangue e farto de tudo, enquanto dispara bocas, piadas e trocadilhos mais rápido do que a própria sombra.
8 MULHERES (2002)
Se só der para ver um filme francês de Natal protagonizado por Catherine Deneuve, este é uma boa opção. Uma das mais curiosas e divertidas comédias de François Ozon, um thriller musical passado na véspera de Natal – noite em que o patriarca da família é encontrado morto. E se todas são suspeitas, todas suspeitam de todas. Com um elenco de luxo (a Catherine Deneuve juntam-se Isabelle Huppert, Emmanuelle Béart, Fanny Ardant, Virgine Ledoyen e Ludivine Sagnier) e cantoria a condizer, 8 MULHERES deixa à mostra aquilo que todos os Natais têm em comum: quanto a família se junta, há sempre alguém que acaba com uma faca espetada nas costas.
BAD SANTA – O ANTI-PAI NATAL (2003)
O melhor pior Pai Natal de sempre é este a que Billy Bob Thornton deu corpo: um trapaceiro desgraçado vestido de encarnado que, com o seu “duende verde”, se entretém a roubar, a beber e a maltratar as criancinhas que lhe apareçam à frente. Pelo menos até lhe aparecer à frente certa criancinha maltratada que vê na figura deste traste travestido de bom velhinho um verdadeiro anjo e lhe dá oportunidade de redenção – vá, mais ou menos. Realizada por Terry Zwigoff (GHOST WORLD) e escrita pela dupla que mais tarde criaria a série THIS IS US, este BAD SANTA está cheio de luzinhas de Natal mas é uma comédia tão negra que talvez seja melhor não ver em família…
CAROL (2015)
Não sendo propriamente de Natal, o filme de Todd Haynes tem tanto espírito natalício que, mesmo depois de deixarmos de ver Cate Blanchett e Rooney Mara de chapéu de Pai Natal, continuamos a cheirar o azevinho. Baseado no romance de Patricia Highsmith, CAROL é uma história de amor proibido entre duas mulheres na década de 1950, contada de forma sofisticada e sóbria, sem subterfúgios nem subtilezas. Depois de CAROL, o Natal tornou-se mais inclusivo – em casa, mas também no cinema (ou não tivesse aberto caminho para filmes como, por exemplo, HAPPIEST SEASON).
ANNA E O APOCALIPSE (2017)
Uma pérola alienígena que passou despercebida pelos cinemas mas que tem tudo o que um filme de Natal para ver em família pede: música, luz e cor, muita piada e… zombies! Isso mesmo, zombies… Esta deliciosa comédia musical britânica de terror leva-nos a uma pequena cidade inglesa assolada por zombies em vésperas do Natal, que vê Anna e os amigos a lutar por sobreviver à adolescência e aos seus ex-amigos, ex-professores e ex-familiares, mais mortos que vivos. Pode ser uma crítica ao consumismo demoníaco de Dezembro ou uma ode ao inferno que é ser adolescente. Ou talvez seja só uma loucura endiabrada para nos divertir e pôr a família a cantar outras cantigas, que o Natal não é só “Silent night”.
TRISTEZA E ALEGRIA NA VIDA DAS GIRAFAS (2019)
Não é de todo um filme de Natal – não é sobre o Natal, não se passa no Natal, nem sequer estreou em altura de Natal. Mas se o que o Natal pede são filmes para ver em família, filmes que nos aqueçam o coração e nos deixem de lágrima no canto do olho e sorriso na cara, este é o filme certo. Ainda por cima, é português. Realizado por Tiago Guedes a partir de uma peça de Tiago Rodrigues, segue a aventura de uma menina de 10 anos, orfã de mãe, que parte em busca de respostas – ou de dinheiro para ver o Discovery Channel – ao lado do seu melhor amigo: um urso de peluche asneirento chamado Judy Garland. Com música de Manel Cruz, TRISTEZA E ALEGRIA NA VIDA DAS GIRAFAS é uma comédia dramática de chorar a rir e de rir para não chorar.
O NATAL DO BRUNO ALEIXO (2022)
Nem toda a gente gosta do Natal. O Bruno Aleixo definitivamente não gosta. Mas – verdade seja dita – o Bruno Aleixo não gosta de nada, por isso não é de estranhar que passe um filme inteiro de coma, a revisitar em sonhos Natais passados, só para evitar ter que ir passar o Natal com alguém (que horror!). O segundo filme do Universo Mediático Aleixo é uma alegre tonteria, divertida e desbragada, para ver depois de abrir as prendas e da família se ter ido deitar.
SILENT NIGHT – VINGANÇA SILENCIOSA (2023)
Para os fãs de filmes de acção que, apesar de tudo, já estejam cansados de ver sempre o mesmo Bruce Willis e fartos de tanta boca, eis a mais recente variação sobre o tema “Natal aos tiros”. Ainda por cima, sem palavras! O último filme de John Woo, mestre da porrada feita arte, é uma história de vingança para consolar a consoada, uma verdadeira metralhadora de socos e pontapés em que o protagonista, ao contrário do John McClane lá de cima, passa o filme em silêncio – não pode falar e não precisa, que a pancadaria diz tudo. Por aqui só há “bang-bang” e nem sequer um “ho-ho-ho”.
INVENTÁRIO DE NATAL (2000) + PAPEL DE NATAL (2014) + FELIZ NATAL, SR. MONSTRO (2019)
Por fim, três filmes de uma só vez: três curtas-metragens portuguesas de Natal, todas muito diferentes.
A primeira é um retrato caseiro, o INVENTÁRIO de um jantar de Natal em família, uma das primeiras obras de Miguel Gomes, muitos anos antes de GRAND TOUR e de TABU e d’AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO.
PAPEL DE NATAL é uma animação de José Miguel Ribeiro (realizador d’A SUSPEITA e NAYOLA) sobre um menino de cartão que quer salvar o Natal do Monstro Desperdício.
Finalmente, o SR. MONSTRO é uma curta de terror estreada no MOTELX, em que uma menina sozinha num centro comercial abandonado encontra um Pai Natal perdido que talvez não seja quem parece…
Três curtas portuguesas para digerir o Natal em doses curtas, que às vezes o espírito natalício precisa de descanso.
Texto e sugestões de Ricardo Sérgio