Este fim de semana foi transmitido para todo o mundo em streaming o último concerto da residência de Bad Bunny em Porto Rico. Foi o trigésimo primeiro concerto do músico…em casa. A residência chamou-se “no me quiero ir daqui”, e esta noite foi apelidada de “una más”, porque era suposto serem “só” 30 datas, e esta foi um presente extra. As primeiras nove foram mesmo exclusivas para residentes, com vendas reservadas para locais físicos em nove cidades de Porto Rico.
Já não dá para ver o concerto, mas ainda assim eu quero falar dele, porque marca um momento cultural importante na música, e sobretudo em Porto Rico. Antes de ir ao concerto em si, um pouco de contexto: o mais recente álbum de Bad Bunny foi editado a 5 de janeiro, quando se celebra a festa dos Reis em Porto Rico, uma festa muito importante para o estado, e é uma homenagem a esta que é a terra natal de Benito. Porto Rico é um estado, sim, mas tem a sua própria constituição, um governo próprio, aliás, os porto-riquenhos não votam para o presidente dos Estados Unidos. Há quem lhes chame, aliás, a mais antiga colónia do mundo. Este disco, Debí tirar más fotos, é uma homenagem, e uma celebração da cultura de Porto Rico. Uma celebração tal, que até estreou uma música nova com a estreia da tour, chamada “Alambre Pua”. Uma música inspirada na cultura de Porto Rico, como aliás, são todas as deste novo trabalho de Bad Bunny, e que tem uma dança em palco inspirada na bomba, ou na plena, que são movimentos musicais também de Porto Rico.
Mas vamos lá ao concerto em si, a Una Mas, essa última noite. Ora, se ao longo dessas trinta datas a cultura de Porto Rico, e o orgulho de ser de lá reinou, no último dia…ainda mais. Bad Bunny fez um favor à cultura, e mostrou o orgulho de uma identidade que se fortalece pela inclusão. A inclusão, por exemplo de muitos estilos musicais, e muitos artistas que o representam. Fomos da Plena e da bomba, ao reggaeton, e em vez de Benito concentrar na sua voz tudo isto, encheu o concerto com dezenas de convidados. Não vou conseguir passar excertos de tudo, mas tenho de começar por Reinao, a mulher que Bad Bunny diz ser a sua artista preferida de PR.
Reinao foi cantar “Perfumito nuevo”, uma das canções de Debí tirar mas fotos. Já há quem diga que pode haver ali um romance, mas enfim, o que trazemos aqui são factos. E vamos a eles, que o spotify tem números para nos dar. Esta primeira residência de Bad Bunny em casa aumentou em 7% os streams nos Estados Unidos. 60% dos streams vieram de pessoas entre os 13 e os 27 anos. Foram criadas aproximadamente VINTE E CINCO MIL PLAYLISTS com o nome “Bad Bunny e Puerto Rico” durante a residência. E se Benito subiu nos streams, as pessoas que ele levou ao palco também. ReiNao, que acabámos de ouvir, subiu 26%, Chuwi 18%, e Los Pleneros de La Cresta 46%. Os Pleneros de la cresta que tocaram Cafe Con Ron, tal como no álbum, mas que se mantiveram em palco ao longo de grande parte do concerto. Tiveram também este muito comovente no concerto, em que levantaram os tamborins, e outros instrumentos, enquanto fizeram um discurso sobre Porto Rico, sobre as pessoas de Porto Rico. Disseram que nesta noite, o tambor transformava-se em escudo para exaltar as pessoas que se levantam todos os dias naquele que chamam de seu país, em busca de melhor saúde, de melhor educação. Para exaltar os porto-riquenhos que saíram do país em busca de algo melhor, e para motivar os boricuas, termo popular para porto-riquenhos. Este discurso, e o Cafe Con Ron apareceram durante o momento na “casita”, e o que é a casita? É isso mesmo, uma casa. Uma casa que foi colocada no meio do Coliseu de Porto Rico, e que serve de palco durante uma grande parte do concerto. A outra parte, é numa paisagem bucólica, um mogote, uma colina típica da região, cheia de verde, e que no seu habitat natural, está normalmente isolada. Bad Bunny cantou dentro da casita, no mogote…e também EM CIMA da Casita, e aí foi o momento reggaeton.
Foi no momento reggaeton que Bad Bunny descansou um bocadinho, e deixou Jowell e Randy tomar conta da casa, vá, da casita, para um acto dedicado ao reggaeton, até porque, como diz Benito numa letra: ali nasceu ele, e o reggaeton, para que se saiba. Don Omar, Daddy Yankee, sim a “Gasolina”, mas também Raw Alejandro, são todos de Porto Rico. É como dizia, esteve quase toda a cultura musical de Porto Rico em palco com Bad Bunny. Se não nesta, nas outras noites desta residência. Foram quase quatro horas de concerto, por isso é que este texto já vai longo. Há muitos detalhes que não vou explorar a fundo, mas não posso deixar de falar da participação que comoveu muitos porto-riquenhos: Marc Anthony, que tem pais porto-riquenhos, juntou-se a Bad Bunny para juntos cantarem “Preciosa”, uma canção de 1937 dedicada à ilha de Porto Rico.
Chegamos ao final do concerto, e a “DtMf” – Debí Tirar Mas Fotos – a canção que dá nome a este álbum que está a marcar o ano desde que começou, em janeiro, e cujo título dá esta ideia de estar presente, no momento, e não esquecer que estes momentos de agora podem muito bem ser muito importantes no futuro. Houve muita choradeira neste momento do concerto, um momento de exaltação do amor como o mais importante de tudo, de agradecimento a quem está connosco em todos os momentos, à família, presente, e que já não está cá. Foi antes deste debí tirar mas fotos, e mesmo a terminar o espetáculo que marca claramente uma viragem cultural de um artista que vai andar em tour por vários países do mundo já a partir de novembro. Começa pela América Latina, e segue por aí fora, até chegar a Portugal em maio, onde atua nos dias 26 e 27 no Estádio da Luz, em Lisboa. Fora da digressão, ficam os Estados Unidos. Bad Bunny diz que foi deliberado, porque teme que quem vá aos concertos possa vir a ser deportado.
Foram aproximadamente 60 mil pessoas em cada concerto. Eram para ser 30, foram 31, e estima-se que com esta carta de amor a Porto Rico, Bad Bunny tenha arrecadado 73 milhões de dólares para a economia deste estado-país a quem Donald Trump há uns tempos chamou de “ilha de lixo flutuante”. Esperamos que tenha tirado muitas fotos nestes 31 concertos de residência em Porto Rico porque foi, claramente, histórico.