Ainda o disco Capitão Fausto Têm Os Dias Contados não estava cá fora e já este “Amanhã Tou Melhor” se ouvia, a dar o mote para o que haveria de chegar. É uma espécie de esperança resignada, esta que os Capitão Fausto cantam. A pequena angústia diária de um recém-chegado à vida adulta e se vê forçado a decidir o que quer parecer ainda antes de saber se o quer ser percorre a letra. Quanto à música, “Amanhã Tou Melhor” ajuda a mostrar que os Capitão Fausto aterraram depois da viagem ao espaço de Pesar o Sol. A melodia pop de outros tempos vem acompanhada de sopros, violinos e refrão com harmonias. São uns Capitão Fausto aos quais não estávamos habituados (mas que não achamos estranhos) e uma canção que soa tão atual quanto clássica. Tão inteligente quanto eficaz na sua aparente simplicidade. É, para nós, a canção do ano.
“É preciso que eu diminua”, diz Samuel Úria em tom de resolução, enquanto se lamenta que “só sabe crescer”. O segundo single do álbum Carga de Ombro leva o músico por caminhos sonoros que nem sempre trilhou. Ouvimos África e balançamo-nos com ela e juramos que pelo refrão há um bocadinho de Fausto Bordalo Dias. Se o som é então diferente do que Samuel Úria nos tem vindo a habituar, a letra também, embora essa diferença já se torne, na verdade, um hábito. Ao refletir sobre a necessidade de se diminuir para deixar entrar a influência positiva de outros, Úria usa expressões como “fermento em massa de autismo” e continua a levar mais longe o manuseamento da língua portuguesa nas canções. Resta saber se consegue cumprir a resolução que o título implica.
Chegados ao podium, encontramos “Quim”, nome de música e da personagem principal de música dos Pro’Seeds. Do álbum Softpower Sagrado, surge em formato canção-biografia de um personagem imaginado, mas que cada um de nós jura conhecer. As referências que se ouvem (e quase se vêem) no tema são do Porto, cidade do trio, mas são facilmente adaptáveis a qualquer local do país e a qualquer outro “Quim”. A história não tem pontas soltas, o flow também não. “Quim” é então uma espécie de super-herói do desenrasque que transforma este tema num clássico instantâneo. Quim está no meio de nós.
Pode juntar-se psicadelismo e congas? Sim, dizem os Marvel Lima. Para o comprovar apresentam “Fever”, primeiro single do álbum homónimo dos rapazes de Beja. São então os ritmos calientes que viajam por guitarras elétricas e sintetizadores e levam a palavra “alternativo” mais longe, até chegar a uma galáxia dançante. Segundo os próprios, é “uma viagem temporal entre os anos originais do rock psicadélico e a música contemporânea de hoje, com um forte tempero mediterrâneo e assumida influência latina”. Não conseguiríamos descrever “Fever” melhor.
“Reserva pra dois” abre Atlas Expanded, álbum de remisturas para o registo a solo de Branko. Escrito com a colaboração de Kalaf, o tema é um diamante que tinha acabado por ficar de fora da versão original de Atlas. “Reserva pra dois” junta Branko e Mayra Andrade em diálogo feliz e harmonioso entre voz e batida, fusão entre o picante do jindungo e o doce do quindim de que a letra fala. Os vários mundos que Branko gosta de misturar são aqui postos à mesa em canção hipnotizante e sedutora.
Há quem diga que o início deste “Above The Wall” é de influência dos LCD Soundsystem, eles garantem que o foram buscar a Beck. A verdade é que aquele “tururururu” inicial da canção se cola à pele e à mente de quem ouve, que o passa a repetir infinitamente. Este foi o primeiro single de Marrow, o novo álbum dos You Can’t Win, Charlie Brown e apresenta o sexteto mais ligado à corrente elétrica e mais pronto para a dança. A identidade, essa, mantém-se firme e sublinha-se nas harmonias vocais que os caracterizam desde sempre.
“Greetings” foi o segundo single a assinalar o regresso de Sean Riley & The Slowriders aos discos, depois de três anos de pausa sabática. Feita a reunião e limadas as arestas, a banda chega com este “Greetings”, mais rock do que folk, em viagem acelerada e de teclados icónicos. Ao ouvir a canção, sente-se que Sean Riley & The Slowriders continuam a trazer com electricidade, e via Coimbra, os ventos poeirentos do deserto dos EUA.
Quando começava o ano, os Orelha Negra apresentavam ao vivo, no Centro Cultural de Belém esgotado, algumas das músicas de um novo álbum, ainda não editado. Ao cair do ano, os fãs continuam a ansiar pela edição do novo trabalho – a ser aprimorado pela banda – mas vão matando a fome com novas canções. A primeira de todas foi esta “Sombra”, canção que se move, precisamente entre luz e escuridão. “A Sombra” é força bruta entre beats e breaks de bateria, que deixam quem ouve em suspenso e a pedir por mais.
Rock + Kuduro. É esta a soma vencedora dos Throes + The Shine, que volta a ser aplicada para este “Guerreros”. Desta vez, acrescenta-se à receita uma pitada de salero com a voz da Argentina de La Yegros. O resultado é aquele a que já nos têm vindo a habituar: suor, dança e uma energia infindável para uma canção capaz de tirar o fôlego ao mais preparado dos guerreiros. “Guerreros” faz parte de Wanga, álbum editado pelos Throes + The Shine neste 2016.
Com “Greatest Hits”, White Haus vai ao passado para inventar o futuro. João Vieira pega nas influências eletro e hip hop dos anos 80 para o som e para a imagem retro do videoclipe (realizado por Vasco Mendes). O tema deu o mote para novo álbum do projeto: Modern Dancing. “Greatest Hits” apresenta-nos então uns White Haus mais festivos, menos sombrios e mais leves na dança, mas nem por isso com menos detalhe e camadas sonoras.
Quando em 1998 os Santa Maria lançavam e tornavam um sucesso o single “Eu Sei, Tu És”, dificilmente alguém pensaria que em 2016 um rapper o desconstruiria para criar uma das melhores canções desse ano. Na altura não conhecíamos Mike El Nite, mestre na reinterpretação de referências, mais ou menos óbvias, a levar o sample por mares raramente por cá navegados. A relação tempestuosa contada no tema original ganha novas e maiores proporções e nasce uma canção pronta a esbater barreiras entre o que é ou não bem visto.
O ano de 2016 foi de confirmação para Marta Ren, que editou o muito aclamado álbum Stop, Look, Listen. “Release Me” é um dos singles e mostra a cantora em formato tempestade funk, em pose clássica de diva soul. No vídeo oficial da canção, que conta com a participação de Adolfo Luxúria Canibal, Marta Ren pede que a soltem com a voz e com o corpo, mas e acaba por ser presa. Na vida real, duvida-se que isso fosse possível.
É uma canção de gratidão, este “Amor pela vida”, de Ace. O rapper e produtor dos Mind Da Gap lançou este ano o single, dedicado à filha e inspirado na paternidade. O tema, sobre beat feliz e solarengo, é um hino à superação e incita à luta pela ultrapassagem dos obstáculos que vão surgindo ao longo da vida. “Amor pela vida” deverá fazer parte de um novo álbum a solo de Ace, mas não há ainda nome ou data de lançamento previstos.
Pratica(mente) foi o último álbum de Sam The Kid em nome próprio e saiu há dez anos. Desde essa altura que os fãs salivam e imploram por um há muito prometido novo álbum, seja ou não de beats. Este “Caravana” inaugurou com estrondo a TV Chelas, novo projeto audiovisual do rapper. O tema junta-o a Boss AC traz de volta a velha escola do hip hop nacional. No vídeo, essa velha escola junta-se à nova, precisamente em Chelas. Se por um lado esta “Caravana” matou a saudade, aumentou ainda mais a vontade e expectativa dos fãs para ouvir mais. Sabe a “clássico tipo o pitéu da tua avó”? Sim. Sabe a fresco? Também.
“New Messiah” é uma das mais agitadas canções da doce folk de Margarida e Catarina Falcão. Com uma vibração country, “New Messiah” faz bater o pé e torna-se quase uma surpresa no meio da doçura introvertida de outras canções da dupla. O tema salienta as harmonias vocais semi-celestes entre as irmãs, que fazem tudo isto parecer fácil. É precisamente esta canção “New Messiah” que dá nome ao álbum editado pelas Golden Slumbers neste ano de 2016.
“Barbara” foi o ponto de partida para Língua, o mais recente álbum da dupla Octa Push. Com voz de Cátia Sá e colaborações de Pedro Coquenão, Alex Terrakota e Ary, “Barbara” é uma homenagem à mistura lusófona entre Portugal e os Países de Língua Oficial Portuguesa. África e Portugal juntam ritmos e ficam assim debaixo da mesma língua a lutar pela liberdade, inspirados pelo poema “Endechas à Bárbara Escrava”, de Luís Vaz de Camões.
Seguimos no tema do vício dos pequenos ecrãs. “Hydrogen Bonds” é o primeiro dos Thunder and Co. depois do álbum de estreia, Nociceraptor e fala, através de um vídeo criado através do Snapchat, sobre a “solidão, das profundezas do universo aos pixéis dos nossos ecrãs”. A dicotomia entre o digital e orgânico também se dança e os Thunder & Co. dão a lição sobre como o fazer. “Hydrogen Bonds” deverá fazer parte do próximo álbum da banda, que tem edição prevista para 2017.
“Youth” é o primeiro single dos Brass Wires Orchestra depois da edição do álbum de estreia, Cornerstone, e antecipa o lançamento do próximo álbum da banda: Icarus. O tema leva os Brass Wires Orchestra por novos caminhos. Uma folk menos expansiva, com menos sopros, ainda que mantenha o crescente de intensidade a apontar para a luz. A letra, dizem os próprios, diz tudo, e esse tudo é a história de uma geração agarrada ao telemóvel e que fica “paralisada sem wi-fi”.
Alek Rein – Alexandre Rendeiro quando não está a fazer canções – podia ter composto este “River of Doom” nos Estados Unidos da América, onde nasceu. A faixa que serviu de apresentação ao álbum Mirror Lane vai buscar inspiração ao rock e à folk norte-americana e viaja por um universo surrealista, de “abracadabras”a serem atirados “ao longo da noite”.
Depois de, em 2015, editar o álbum Quarenta, Carlão decidiu lançar um novo EP chamado, Na Batalha. É precisamente de lá que saiu este “Hardcore”, com produção de Moullinex e voz de Bruno Ribeiro. A música, como o EP, segue o tom autobiográfico que Quarenta já avançava. Das quatro faixas de “Na Batalha”, “Hardcore” é a que corre mais devagar, em ritmo lento sobre letra sexual.
Sirumba é nome de jogo infantil de rua e do mais recente álbum dos Linda Martini. A temática da infância nos títulos parece estender-se até ao interior do álbum com este “Putos Bons”. Claro que, com os Linda Martini, o significado vai muito além da primeira impressão e a impressão digital da banda está bem presente nesta canção. Tensão constante, letra raramente literal, quase declamada até ser coberta por uma descarga sonora equiparável à descarga emocional dos “putos bons” das primeiras filas dos concertos de Linda Martini, retratados no videoclipe para a faixa, filmado em VHS durante o concerto da banda no Coliseu de Lisboa.
A mensagem de “Acorda” é clara e está no título da canção. O primeiro single do álbum Toda a Gente Pode Ser Tudo, o mais recente de NBC, é precisamente o mote para a mensagem de um homem renascido que atravessa o álbum. Aquele que canta “eu fiz parte do padrão, acreditei no cifrão / foi aí que eu aprendi a ver um homem na prisão” é o mesmo que, no ano passado, se despediu para se dedicar por completo à música que alimentou toda a vida, esticando os limites e barreiras do hip-hop. No vídeo para este “Acorda” NBC (ou Timóteo Santos) surge em tronco nu, com asas e sublinha a importância de tomar conta da própria vida, usando a experiência própria para espalhar a mensagem em que acredita.
Seguimos pela tabela em família. Bruno Pernadas é um dos membros da nova formação de Minta & The Brooktrout e lançou este ano dois álbuns: Worst Summer Ever e Those Who Throw Objects At Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them. É precisamente deste segundo álbum que saiu “Spaceway 70”. Sendo difícil retirar uma canção de um álbum que pretende ir além das mesmas, esta parece representá-lo no seu todo: cheia de vozes em harmonias, sopros, sintetizadores espaciais… mais de sete minutos de uma odisseia tropical detalhada, refinada e irrequieta, que não olha a estilos onde se encaixar.
“I Can’t Handle The Summer” foi escrito num dia de chuva, diz Francisca Cortesão, a Minta, que lhe dá voz. Ouvindo-a, percebe-se o tom melancólico de quem olha pela janela nos dias cinzentos, ou pelo vidro do carro nas viagens pelos Estados Unidos da América que Francisca Cortesão e Mariana Ricardo fizeram antes da edição do álbum Slow, do qual este tema faz parte. “I Can’t Handle The Summer” corre, como o nome do álbum, devagarinho, mas acaba rápido, como se tivesse derretido ao sol. Quem disse que a melancolia não pode trazer luz lá dentro?
Este 2016 foi atarefado para DJ Ride. Entre o trabalho e a digressão a solo e com Stereossauro, em formato Beatbombers, as competições e colaborações, ainda teve tempo para, juntamente com Stereossauro, voltar a sagrar-se campeão do mundo de scratch. Pelo meio, surgiu este terceiro single do álbum From Scratch, em colaboração com Mia Holiday. Aqui, Ride deixa respirar o beat para dar espaço à voz, sem a punchline do hip-hop que caracteriza outros temas. Todos os temas retirados de From Scratch são uma coordenada dança a dois e este além de não ser exceção, torna-se também uma dança para muitos.
Sabemos que seria demasiado fácil associar o sabor a água salgada de “Don’t Wanna Be In Love”, às ondas que dão nome aos Los Waves. Entre o surf rock dos anos 50, 60 e 70 e o Mac DeMarco de hoje em dia, “Don’t Wanna Be In Love” transborda verão. Saber que o tema foi um dos últimos a ser editado pela banda antes de anunciar o seu fim enquanto se vê o videoclipe em formato vídeo caseiro familiar, acrescenta à canção um tom de fim de verão, de pôr do sol alaranjado em melancolia de Setembro.
“Together” move-se entre a cadência lenta, que galopa como um thriller até chegar ao refrão imperativo. A canção dos Lotus Fever encaixa na perfeição na gaveta larga do “rock alternativo”, com vozes a cheirar a Alt-J. O tempero é todo deles, banda sem vergonha de misturar os ritmos e as influências. Todos juntos. Não seria justo falar de “Together” sem referir o belo vídeo oficial, gravado em plano sequência no bar O Bom, o Mau e o Vilão, em Lisboa.
Soul, Sweat and Cut the Crap é o nome do álbum dos Cais Sodré Funk Connection de onde este “Like No Other” foi retirado e pode também ser um resumo da receita para este tema. Soul cheia, mas direta ao assunto, música de amor a soar intemporal na voz plena de vida e poder soul de Tamin, que puxa até os mais distraídos para dentro da teia da canção.
“Nada mais parece ser igual”. É esta uma das frases essenciais de “Miragem”. Segundo single de Peso Morto, álbum editado pelos peixe : avião em 2016. A solidão e a rotina são aqui apresentadas cobertas por camadas sonoras obscuras, em que a voz se mistura com os restantes elementos da canção, sem deles se querer destacar. O vídeo surge como sequência de “Quebra”, primeiro single a ser retirado de Peso Morto.
“8” foi o primeiro single de Isaura depois do primeiro EP Serindipity, e é produzida por Ben Monteiro (D’Alva). Uma canção sobre “fé” e sobre “corações cheios, realizados e de bem com as suas escolhas”. “8” leva Isaura pelo caminho da pop cristalina em voz delicada, mas não frágil, qual fortaleza sussurrada. A canção foi a única lançada por Isaura em 2016 e há um novo álbum prometido para o ano que se aproxima.