Podemos ser pobres em ouro, mas seremos ricos em concertos na próxima edição do festival Milhões de Festa, entre os dias 20 e 23 de Julho, em Barcelos.
Contra a corrente dos grandes festivais, o Milhões de Festa aposta numa curadoria arriscada de tão ecléctica. No entanto, o risco é ao mesmo tempo a garantia de que há muita música para descobrir neste décimo aniversário do festival de Barcelos. O ideal é experimentar um pouco de tudo – mas, se não houver vagar, aqui fica um roteiro para as mais variadas idiossincrasias e vicissitudes.
Gostava de ver os Beatles, mas diz que já não dá.
Não faz mal: os Faust estiveram quase para ser os Beatles alemães, mas não foram. Pelo menos, foi o que a editora Polydor pensou quando os contratou na esperança de parirem o Sargent Peppers’s do krautrock. Apesar do fiasco comercial, a banda ficou para a história e da formação original restam dois elementos – pois, como nos Beatles -, que sobem ao Palco Milhões no dia 21, às 23h, para um concerto com os britânicos Gnod.
Mais um conselho para quem quer ver bandas que achava que já não ia ver: os Pop Dell Arte também não são os Beatles portugueses, mas estão de volta aos palcos em grande forma e fecham o Palco Milhões no domingo, às 21h.
Estou aqui indeciso entre ver um concerto da Ana Malhoa ou poupar para a próxima edição do SWR Barroselas Metalfest.
É um dilema perfeitamente compreensível, que pode ser resolvido neste Milhões de Festa. Para começar, no dia 23, às 00h20, actuam no Palco Lovers os colombianos Chúpame El Dedo, capazes de misturar na mesma música géneros como o grindcore e o reggaeton. Se dispensam o azucar, fiquem-se pelos mais puristas Systemic Violence ou Vai-te Foder, no final da tarde de sexta, no Palco Taina – com a curadoria do próprio SWR Barroselas Metalfest.
Raios, gastei o meu orçamento num bilhete para o Milhões de Festa e agora não posso ir a Sines.
Não há espiga: o Milhões de Festa anda há dez anos a derreter fronteiras. Este ano, vamos ao Gana com o DJ Katapila (sábado, às 4h), passamos pela Serra Leoa com Janka Nabay & the Bubu Gang (sábado, 1h40) e encontramos uma Síria perdida nos teclados de Rizan Said (quinta-feira, 00h30). Tudo isto, entre visitas à Colômbia, à Tunísia e ainda à vizinha região da Galiza, onde decorre o Festival Sinsal, parceiro desta edição do Milhões de Festa.
A minha cena é mais poesia e performance.
Essa snobeira será bem-vinda no Milhões de Festa, porque também há um testo para essa panela: os californianos Enablers vão acompanhar as palavras do autor Pete Simonelli com tensão, explosão e contenção rock – é na quinta-feira, às 21h, no Palco Milhões. Há ainda o híbrido entre rap e spoken word da afrofuturista Moor Mother, para ouvir e reflectir no sábado, às 2h50, no Palco Lovers.
Ouvi dizer que há uma piscina. É para lá que eu vou.
E é verdade. Não só há uma piscina, como há concertos na piscina. E não só há concertos na piscina como, este ano, até há colunas debaixo de água. O que significa que vamos poder praticar curtição sincronizada ao som do psicadelismo caseiro dos neozelandeses Orchestra of Spheres (sexta-feira, às 17h) ou do surf rock dos portugueses O Bom, o Mau e o Azevedo (sábado, às 15h45), entre muitas outras bandas e DJs. Este menu pode ser acompanhado por um mojito no relvado das piscinas municipais de Barcelos.
Pá, não sei, surpreendam-me.
Ok, também se arranja. Os concertos de Bitchin Bajas (sábado, às 16h) e de Riding Pânico (domingo, às 16h) serão em palcos secretos, cuja localização só será revelada na altura.
Música não puxa carroça, eu gosto é de comer.
As expectativas não serão defraudadas, ou não fosse este o único festival com um palco chamado Taina – expressão que designa o acto prazeroso de passar horas a comer e beber. O palco apresenta uma curadoria diferente a cada dia: na sexta, a cargo do SWR Barroselas Metalfest; no sábado, há bandas galegas vindas do festival Sinsal; e, no domingo, uma programação que junta os curadores DJ Quesadilla e Dedos Biónicos. E, se não vos interessa o cartaz e querem mas é comer, saibam que o menu vai do arroz de cabidela até à cozinha vegetariana.
E o rock, morreu?
Se George A. Romero fosse vivo, discordaria. O rock nunca morre. Várias décadas da sua história surgem ressuscitadas e revisitadas por novas gerações neste Milhões de Festa: Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs (quinta-feira, Palco Milhões, 01h45), Graveyard (Palco Milhões, sábado, 23h10), Meatbodies (Palco Lovers, domingo, 22h00) ou Shame (Palco Piscina) são apenas alguns exemplos disso.
Só vou pela cerâmica.
E vai bem, sobretudo se conseguir estar sábado, às 22h, no Palco Lovers para ver o concerto conjunto de Duquesa e Ra-fa-el com Cave Story: os dois primeiros são da terra dos galos de Barcelos e os últimos são das Caldas da Rainha. Insiram aqui o trocadilho que quiserem.
Ana Markl