Foto: Vera Marmelo
O músico está de regresso com dois discos que arriscam o absolutismo da rendição e do nosso espanto. Bruno Pernadas encarece a posição POP sobre o jazz, parte desse relato para algo completamente isolado e novo. Conta ao mundo uma nova história numa só certeza profunda de que, aqui, há um letreiro onde se inscrevem as seguintes palavras: isto é mesmo para sempre.
Se em 2014 respondemos em Portugal como um dos anos mais complexos e esgotantes na ideia de nacionalidade e todos os seus derivados, quer em matérias sociais, quer económicas; também sobre esse mesmo ano poderíamos dar voz à dor da gente com um disco de um, então, aparentemente desconhecido que, aí, dava cara, nome e músculo orquestral a uma das maiores viagens do seu tempo. Bruno Pernadas assinava How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge e patrocinava-nos, num aparente desprendimento, o lugar do espaço todo com canções que nos encaminhavam tanto para uma descarada subjetividade literária, quanto para complexas e emaranhadas canções, em matéria de composição falando.
O desafio para os mais ambiciosos seria a transposição disso em realidade concreta de palco, ao vivo, e aconteceu por vezes quase contadas pelas mãos. O carácter de superbanda e dessa hipérbole de sentir traria um quase encriptamento dentro do já concreto mundo de Pernadas. Para os mais cépticos também a superação desse primeiro grande disco passaria, necessariamente, pelo processo tremendamente decisor na longevidade que seria a replicação ou o pós-primeiro disco, estaria nessa sucessão a resposta de um génio ao seu tempo, à sua geração, à capacidade de dar ao mundo algo completamente novo.
Those Who Throw Objects At Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them, a nova proposta editorial de Pernadas, e precisamente dois anos depois da estreia, não vem sozinha, traz consigo ainda outro disco – Worst Summer Ever – a que já nos faltariam mãos para aqui tratá-lo com fulgor.
Dirigido o foco para as novas dez canções, duas delas breviários poéticos militantes do surrealismo, Pernadas atira a guitarra para um filamento menos espacial, segue a batuta aqui e acolá encarnada por uma espécie de assinatura assumidamente estilizada do seu sujeito musical. Bruno entra em devido reptilário para mostrar que, do jazz, faz debochar um maravilhoso discurso POP que, ainda que não encontre tanto FM quanto mereça, tantos plays quanto de fulgor nos apresenta, é um disco esculpido à revolução criativa que pisca olhos ao desassossego, à surpresa, à felicidade de ver acontecer música assim neste país.
Continua acompanhado Bruno Pernadas, com ele uma orquestra que desbrava territórios da cabeça de um homem só. Com ele, também, a desmultiplicação dos seus vários pontos narrativos, as atmosferas televisivas dos anos 70, a folk, age e as gravidades rock propostas em canções que crescem sem parar, avançam e pulam distintamente entre si, samplam-se numa órbita de aparente caos poético; revelações extraordinariamente belas para conseguir fixar com precisão e suficiente pulmão literário o que, na volta, serão elas mesmas capazes de fazer por nós. Infinito jogo de resultado pré-fixado.
Those Who Throw Objects At Crocodiles Will Be Asked encontra relevo numa superfície criativa entusiasmante, perpassa essa ligação entre as fronteiras escrita-reunião-gravação-finalização. O ato de constituição deste trabalho discográfico é, em si, uma valente história de amor, tem a épica nas personagens e histórias expostas, a sorte de um acaso que é existirem canções assim. Música assim. Felicidade assim.
Bruno Pernadas apresenta ao vivo, esta terça-feira (13 de Setembro), no Teatro Maria Matos o seu primeiro disco. Uma semana depois, 20 Setembro, o seu segundo ato discográfico. Sete dias separam duas dezenas de canções que vão contar o que de mais entusiasmante há para saber em 2016.
Tiago Ribeiro
–
* Tradutor desencorajado, descrente no sistema solar e amante de picanha mal passada, Tiago Ribeiro circula com cartão-de-cidadão caducado e não acredita em nada do que não vê. Escreve invertebradamente e pensa com regularidade sobre coisa nenhuma. Na Antena3 desde 2015 e no mundo desde que se inventou o Holoceno.