Contam-se pelos dedos, os compositores de música para cinema em Portugal. Muitos são-no de ocasião. Alguns são mais conhecidos lá fora do que por cá (como Nuno Maló). Outros já eram estrelas pop em Portugal quando chegaram a Hollywood (que o diga Rodrigo Leão). E depois há outros que vão trilhando o seu caminho, pés no chão e mãos no piano, que o caminho faz-se tocando.
André Barros é um desses. Filho dos anos 80, compositor autodidata, trocou o Direito pela música e hoje compõe para si e para os filmes dos outros. Com pouco mais de três anos de carreira, leva já um par de mãos cheias de bandas sonoras e dois álbuns no currículo.
Lançado em 2013, Circustances (assim mesmo, sem “m”) foi prova de fogo e de talento. Gravado em Lisboa, masterizado em Reiquejavique (nos estúdios dos Sigur Rós), este primeiro deixava adivinhar algo de Yann Tiersen nas melodias, de Philip Glass no minimalismo, de Ólafur Arnalds na vastidão, mas sobretudo muito de si nos dedos de Barros.
Foi só em 2015 que ficámos a conhecer o André Barros compositor de música para cinema. Soundtracks, Vol. 1 é colecção disso mesmo: temas compostos para as bandas sonoras de alguns dos mais de dez filmes (e um espetáculo de dança) a que o compositor da Marinha Grande foi dando música. Alguns premiados, como Our Father — vencedor, curiosamente, do prémio de melhor banda sonora nos Los Angeles Independent Film Festival Awards.
Para breve, muito breve, espera-se novo álbum. Um terceiro que sabe a primeiro, como confessou André Barros à 3 no festival Bons Sons. Se os anteriores foram compilando temas dispersos, desta vez há todo um processo de composição e gravação com vista a um objetivo final — o tal novo álbum.
E, tal como no primeiro, a Islândia volta a soar no terceiro de André Barros: a cantora Myrra Rós (não consta que seja parente de Sigur…) dá voz a três novos temas, gravados no mesmo Sundlaugin Studio de Circustances. Há teasers na página do músico no Facebook, que disco só mesmo com as “Brisas de Outono”.
No entretanto, André Barros senta-se ao piano. Porque é sentado ao piano que se sente em casa. E foi sentado ao piano que conquistou Cem Soldos, a aldeia que, numa tarde absurdamente quente de Agosto, recebeu dois-concertos-dois do músico e compositor.
André Barros foi um dos muitos nomes no cartaz do festival Bons Sons. Cartaz eclético, sim… Mas, ainda assim, entre bombos e slide guitars, entre acordeões e sintetizadores, entre Chicks e DJ, André Barros era o elemento estranho, o “odd man out”. Afinal, não é todos os dias que um festival de rock e folk e outros fados recebe música clássica contemporânea. E logo para dois concertos na mesma tarde.
Mas não foi preciso muito para convencer Cem Soldos a abrigar-se do sol ao som do piano de André Barros e do violino de Otto Pereira. Tal como não foi preciso muito — aliás, pouco ou nada — para André e Otto conquistarem Cem Soldos. Logo à primeira das duas marcações, a sala cheia de gente deixava entender que ali não estava quem fugia para a sombra, mas quem queria ouvir.
E quem queria ouvir ficou e ouviu até ao fim, sala cheia de gente e de calor e de silêncio, que se toca o piano.
Não chegou ao palco principal nem ao rossio da aldeia, mas chegou aos muitos que abarrotaram o Auditório de Cem Soldos, ali tão longe do festival, mas tão cheio de festivaleiros.
E, duas horas depois, foi hora de repetir, que festival oblige. E foi esse segundo concerto que a Antena 3 gravou, que André Barros editou, que o Música sem Filme transmitiu no domingo, 27 de agosto. E que podem ouvir aqui.
Ricardo Sérgio
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*Ricardo Sérgio começou a fazer rádio na escola. Fez teatro, escreveu em jornais, revistas, sites e toalhas de mesa. Deu o trânsito e conseguiu manter um programa de música-tão-má-que-é-boa durante anos, sem ninguém o calar. Faz Só Fitas quando calha e Música sem Filme aos domingos, das 10h às 11h, na Antena 3.