Começaram a experimentar com música eletrónica antes de haver punk, tornaram-se numa das bandas mais importantes do pós-punk e abriram caminho para a cena de dança. Cabaret Voltaire ao vivo no primeiro dia do Festival FORTE.
No dia 5 de fevereiro de 1916, em Zurique, na Suíça, um grupo de artistas/agitadores fundou o Cabaret Voltaire, um clube noturno aberto a novas ideias estéticas e políticas que iria servir de berço ao movimento Dada.
Quase 60 anos depois, em 1973, três rapazes de Sheffield, no Reino Unido, usavam o nome Cabaret Voltaire para as suas aventuras sónicas com gravadores de bobines e corte e colagem de fita. Os Cabaret Voltaire surgiram antes do punk, mas notabilizaram-se como uma das bandas mais importantes da fase pós-punk em Inglaterra. Arrumados na prateleira do industrial (eram da região mais industrial de Inglaterra, de facto, e também gravaram para a mítica Industrial Records, dos Throbbing Gristle), a vontade de experimentar sempre foi mais forte do que as regras de estilo, e acabariam por ser pioneiros da cena eletrónica de dança. Este ano, são um dos cabeças de cartaz do Festival FORTE, em Montemor-o-Velho. É a estreia em Portugal de Cabaret Voltaire, agora reduzidos a Richard H. Kirk.
Quando Kirk, Chris Watson e Sephen Mallinder começaram a brincar com gravadores de fita, no início dos anos 70, não havia propriamente uma cena em que pudessem encaixar-se. Os ideais dadaístas e situacionistas, o cut-up de William S. Burroughs e até o exemplo de compositores como Pierre Henry e Stockhausen davam algum contexto às suas experiências de manipulação sonora, mas não havia manifesto para os defender nem movimento que os envolvesse. Eram revolucionários, mas ninguém sabia. Ainda.
O primeiro concerto de Cabaret Voltaire só aconteceu em 1975, e o contrato com uma editora (Rough Trade), apenas em 1978. Demorou um pouco até a sua eletrónica austera e dissonante começar a ser percebida, mas, uma vez aberto o caminho, o culto acelerou (os Joy Division chegaram a fazer a primeira parte em concertos de Cabaret Voltaire). Podemos dizer que a fase trio dos Cabaret Voltaire, que durou até à saída de Chris Watson (saiu em 1981 para ir para a BBC trabalhar em field recordings para documentários) corresponde à fase mais cerebral da banda, quando o noise, uma certa paranóia existencialista, mensagens políticas de contracultura e ritmo marcial dominam as experiências sónicas da banda. Mix Up (1979), The Voice of America (1980) e Red Mecca (1981) são os álbuns fundamentais dessa fase mais “difícil” de Cabaret Voltaire. A partir de “2×45” (1982), um duplo maxi-single, começa a esbater-se o sentido de guerrilha mais punk e emerge um genuíno interesse por uma maior organização do ritmo. Microphonies (1984), álbum de “Do Right”, “James Brown” e “Sensoria”, mostra uma clara aproximação ao eletro-funk e ao tecno e aponta a direcção futura dos Cabaret Voltaire. Enquanto precursores da música eletrónica na Grã-Bretanha, ao lado de nomes como Human League (também de Sheffield) ou Throbbing Gristle, os Cabaret Voltaire encontraram na cultura rave do final dos anos 80 a sua descendência natural, e todas as suas experiências vanguardistas com gravadores, sintetizadores e outras máquinas de fazer música se transmutaram na pista de dança.
Nos últimos anos, Richard H. Kirk tem-se dedicado à recuperação de material perdido de Cabaret Voltaire, libertando gravações de arquivo que já vão no 5.º volume. Na prática, Kirk é o único elemento ativo desde os anos 90 e, recentemente, também retomou as atuações ao vivo como Cabaret Voltaire. Atua pela primeira vez em Portugal no primeiro dia do Festival FORTE, o mesmo em que toca outra histórico da musica eletrónica: Daniel Miller, o patrão da Mute Records, editora que lançou Depeche Mode, Fad Gadget, Nitzer Ebb ou Nick Cave.
Do cartaz do FORTE 2016, fazem ainda parte nomes proeminentes da cena tecno como Ben Klock, Marcell Detmann, Michael Mayer ou Apparat.
Isilda Sanches