A harmonia é um dos maiores mistérios do mundo e, ao mesmo tempo, um dos seus efeitos mais bonitos. Um cardume que se movimenta milhas e milhas sem perder o tino, centenas de pássaros que atravessam o nosso azul preferido e fazem uma curva perfeita, a equipa de futebol que joga de olhos fechados com passes em profundidade para o sítio certo e cruzamentos para o pé ideal. Coisas que batem certo.
Somos todos bem mais leves quando tudo bate certo mas, antes que pensem que vamos entrar num mundo de auto-ajuda que vai levar à paz no mundo ou ao equilíbrio de cabeça e corpo, tirem o cavalinho do sol. Não vamos por aí.
Mas vamos apanhar sol na mesma.
São voltas às voltas por querer sempre mais.
É uma frase roubada a David Santos, o maestro de Noiserv, o homem da orquestra, dos pormenores, o bom pastor que leva dezenas e dezenas de elementos pelo mesmo caminho ou pelo caminho que traçou no seu ideal. David Santos é um idealista. Na sua cabeça deve existir um sem fim de plantas para os edifícios que ergue em cada música, em cada disco. Devem existir planos para cidades inteiras, só assim se entende o porquê de tantos pormenores, tantos pequenos que fazem grandes coisas.
Só quem faz música sabe o que custa manter a harmonia em 25 pistas diferentes. Tons, sons, ecos, sombras, vozes que aparecem e desaparecem ou permanecem mas não damos por elas, ficam lá a acompanhar para que chegue salva ao fim, a viagem.
E fora de casa, da área de segurança, como se portam David Santos e o seu executante Noiserv?
Bem e recomendam-se.
Recomenda-se por exemplo o “Não canto porque sonho” – um original de Fausto e de AP Braga. A responsabilidade é grande porque AP Braga sempre desafiou o sono e a inércia, porque Fausto é um dos maiores, pelo que canta, pela forma como canta, pelo que escreve e sobretudo pelo que sonha dentro de uma realidade que nem sempre traz boas coisas. É preciso saber sonhar na realidade, no verdadeiro sentido.
Faz sempre falta quem saiba sonhar dentro dessa realidade, projete a voz com os pés no chão e um satélite na cabeça (como diria Chico Science), seja dono para sempre dessa sabedoria que os “especiais” têm.
Já era aliciante ver ou ouvir Noiserv mostrar a sua musica, levantar muros. Só isso seria suficiente, mas não vai ser só isso. O novo disco está quase a sair e desta vez o desafio não é nem mais nem menos complicado – é novo.
Desta vez, David Santos idealizou um parque de diversões gigante, uma coisa do outro mundo. Planeou uma área vasta cheia de sítios para pousar os olhos e a cabeça.
Desta vez, para construir toda uma cidade, Noiserv usou “apenas” piano e voz. Desculpem, usou pianos e vozes. Multiplicar é um verbo difícil, não é associado a milagres por acaso.
Pianos e vozes multiplicados são os elementos que compõem esta cidade, este parque, este novo sítio para onde Noiserv nos leva. Sou uma pessoa com sorte, já lá fui e é uma bela viagem.
Amanhã (15/09), vamos ter as primeiras fotografias deste sítio novo em NO AR na Antena 3 (12h10) e na madrugada de quinta para sexta (00h40) na RTP 2.
É o primeiro postal de um admirável sítio novo.
Rui Estêvão
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* Rui Estêvão é ouvinte profissional de música, caçador e coleccionador de pormenores. Durante o fim de semana, percorre caminhos escondidos, da meia noite às duas, no programa Física e Química da Antena 3.