Os melhores filmes do TIFF – Toronto International Film Festival, um festival que marca o início da corrida da “awards season” e que, ao mesmo tempo, revela novas tendências do cinema arty do mundo. Uma edição de 2016 com um impacto espantoso e um grupo de filmes que nos próximos meses marcam o calendário cinematográfico. Na diversidade está o ganho.
Fica uma espécie de roteiro, por Rui Pedro Tendinha.
La La Land, de Damien Chazelle
Em Whiplash – Nos Limites, Damien Chazelle prometia mundos e fundos. No seu segundo filme, a promessa tornou-se realidade. La La Land é o filme mais eufórico e belo do cinema americano em muitos anos. Uma bonita homenagem ao género musical que nos conta a história de amor entre um pianista de jazz e uma aspirante a atriz na Los Angeles dos nossos dias.
Emma Stone e Ryan Gosling dançam, cantam e voam numa cidade de sonhos que tantos nos lembra Do Fundo do Coração, de Francis Ford Coppola ou o cinema de Demy, nomeadamente Os Chapéus d Chuva de Cherburgo. Uma parábola sobre a música que faz girar o mundo.
Pede ao espetador apenas uma coisa: que abrace esta exuberância mágica com fé e sem cinismos.
La La Land é mesmo para os românticos e “para os tolos que choram”, como alguém aqui diz. Obviamente que é já o favorito principal para os Óscares.
Manchester By The Sea, Kenneth Lonergan
O cinema de Lonergan nunca teve o reconhecimento que lhe era devido. Em Podes Contar Comigo conseguiu apenas uma legião de culto, no seguinte, Margaret, um nicho ainda mais minoritário. Agora, com esta tragédia americana, tudo vai mudar. A “gravitas” deste conto de identificação masculina tem algo que poderá reverter num carácter mais universal.
Casey Affleck (nunca esteve tão bem) regressa à cidade natal para cuidar do sobrinho mal o seu irmão morre. Um regresso traumático ao local onde perdeu a sua família num acidente terrível.
Ao som de Handel, somos puxados para um peça bergmaniana dilacerante. Uma tareia emocional que lembra algum do tom de Gente Vulgar, o oscarizado filme de Robert Redford.
Cinema grave e torturado que descobre novos pontos de realismo na construção de diálogos. Poderemos mesmo pensar num peso que se equivale ao da grande literatura.
The Bleeder, de Phillippe Falardeau
A vida de Chuck Wepner, pugilista de Nova Jérsia, serviu de inspiração a Stallone para escrever Rocky, a saga de boxe mais popular da história do cinema americano. A vida do verdadeiro Rocky dá agora um objeto a todos os títulos pungentes. O canadiano Falardeau filma-o como um adorável “looser” através de uma narrativa fragmentada e muito à base de imagens de arquivo (falsas, muitas vezes).
Está aqui uma credível recriação de uma certa América dos anos 70, onde o sonho americano dos heróis da “working class” passava por uma suspensão da realidade. Estão lá os maneirismos, o retrato de uma virilidade terna e até se convocam as canções que marcavam a América. E The Bleeder tem um casal com química a serio: Naomi Watts e Liev Schreiber, casados na vida real.
Nocturama, de Bertrand Bonello
Filmar o “fim dos tempos”. Jovens de diversas proveniências que atacam a cidade de Paris – querem uma renascença e uma nova revolução – são inconscientes, são crianças. Tudo é captado como uma experiência musical e uma proposta de sedução sensorial. O tal filme incendiário de Bonello.
Mas Nocturama é também um desafio de filmar esta juventude de hoje parisiense. Em França, claro que está a criar controvérsia. Há tanto de petardo de provocação como de reflexão social.
A sua noite não é terna nem bate na rima de Glamorama, o clássico romance de 1998 de Bret Easton Ellis. Tem ficção-científica, manequins de cinema de terror e uma sugestão de uma nova raça de thriller sonorizado com sons eletrónicos de John Barry e Shirley Bassey.
Lion – A Longa Viagem para Casa, de Garth Davis
O cinema de fazer chorar as pedras da calçada, o vulgo “tearjerker”, ainda pode surpreender. Lion, produção e aposta dos manos Weinstein, é o “crowdpleaser” deste festival.
Trata-se da história verdadeira Saroo Brickley, uma criança de 5 anos que, nos anos 1980, ficou perdido da sua família ao entrar inadvertidamente para um comboio que o transportou para Calcutá. Um caso de um órfão que, mais tarde, foi acolhido por uma família na Austrália e só 25 anos mais tarde, já em 2012, conseguiu descobrir o seu lar na Índia graças ao Google Earth. Um caso que se tornou célebre na Austrália e que agora serve como parábola sobre a imensidão do mundo.
Modelado com um equilíbrio sentimental exato e irresistível, trata-se de um belo exemplo de cinema de condição popular que parece inspirar-se na experiência sentimental de um outro filme australiano da mesma família, Shine- Simplesmente Genial, de Scott Hicks
Jackie, de Pablo Larraín
Olhar sob a Primeira Dama mais icónica dos americanos, Jackie Kennedy. O filme centra-se numa entrevista da viúva de Kennedy logo após a morte do marido. Jackie é um estranhíssimo “biopic”, um filme que, na sua hora e meia, finta as perceções do espetador sobre as iconografias americanas: o aparato do sistema, o peso do patriotismo e os vestidos de Jackie. Mas é sobretudo um objeto para fazer brilhar Natalie Portman, portentosa na pose.
A verdade é que Larraín nesta sua estreia americana está algo longe do fulgor de Não e Tony Manero.
As desilusões
Carrie Pilby, de Susan Johnson
A história de uma adolescente misantropa que tenta encontrar a felicidade. Comédia “teen” com pretensões literárias mas sem um humor honesto para dar.
American Pastoral – Uma História Americana, de Ewan McGregor
A estreia do ator escocês na realização foi um dos filmes mais odiados do festival. Uma adaptação quase sem cinema do romance icónico de Philip Roth.
La Fille de Brest, de Emmanuelle Bercot
O cinema francês do “meio” invadiu Toronto. Nada contra, mas Bercot já filmou melhor e esta história de tradição liberal é feita sem brilho e sentido de urgência.
Collossal, de Nacho Vilagongo
Anne Hathaway é uma alcoólica que regressa a casa e descobre que às 8:05 da manhã as suas ações têm um peso catastrófico em Seoul. O espanhol Nacho Vilagongo brinca com o cinema de género e os “monsters movies”. No início ficamos intrigados, a meio já estamos fartos…