Se eu fosse uma das milhares de pessoas (sonhar nunca fez mal) que vão ao Guitarras ao Alto em 18, 19 e 23 de Junho, este é o programa que eu sugeriria. Um roteiro escrito como um repositório emocional de algumas das experiências que tive a sorte de viver desde que, nascido e vindo de Lisboa, resido no Alentejo há 3 anos.
Tudo vai começar em Beirã-Marvão no dia 18 e chegar o mais cedo possível impõe-se. Quem vier do Sul de Portugal, pode correr a autoestrada até Estremoz e fazer uma primeira paragem para um café no Rossio, seja no clássico Águias d’Ouro ou no pós-moderno Alecrim, e respirar o ar histórico da cidade que me acolheu. Depois é seguir em direção a Portalegre, o ponto de encontro com quem vier do Norte, pela simples razão de que tudo deve começar com um almoço no Tomba Lobos, para conhecer e provar as iguarias do chef José Júlio Vintém, que prefere ser conhecido como cozinheiro. O restaurante fica no Bairro da Pedra Basta, já no interior da Serra de São Mamede, e estará para sempre ligado ao Guitarras ao Alto, como se pode ver e aguar no documentário que a RTP realizou na primeira edição do evento.
De barriga farta, é seguir serra fora em direção a Marvão, com passagem pela Barragem da Apartadura, onde filmámos o guitarrista Glenn Jones, aquando da sua vinda ao Alentejo em Maio. Em Marvão não há que enganar. É obrigatório subir ao castelo para espreitar o mundo inteiro e percorrer as ruas ancestrais que remontam à ocupação muçulmana.
Antes de descer até à antiga estação de comboios da Beirã, onde fica o Trainspot, palco do primeiro concerto do Guitarras ao Alto, porque no Alentejo é tudo já ali à escala de 30km, que tal dar um salto até à fronteira com Espanha para explorar a povoação fantasma, dos tempos do Estado Novo, onde há uns anos perdidos viviam os que serviam os serviços fronteiriços portugueses e um cenário ideal para um filme de inspiração lynchiana? Quem olhar para o topo da vertiginosa escarpa que se ergue por detrás da povoação, é possível que vislumbre a comunidade de grifos que nidifica por estas bandas.
Este primeiro dia já cheio vai transbordar na chegada à Beirã e ao Trainspot. Deliciem-se com os biscoitos da D. Belmira de Castelo de Vide. Bebam um copo (ou dois) de vinho Virgo. Saboreiem os outros petiscos que provavelmente vão andar por lá. Sentem-se ao longo do cais da estação. E quando cair a noite, o Norberto e o Luís vão levantar as suas guitarras ao alto sobre as linhas.
No dia 19, depois de uma noite abençoadamente dormida (todas as sugestões em guitarrasaoalto.pt), antes de rumar a sul a caminho de Sousel, impõe-se uma caminhada pela natureza agreste deste Alto Alentejo com sabor a Beira Baixa, onde se consegue perder de vista o elemento humano durante umas horas (no Trainspot dão-lhe todas as informações).
Uma passagem por Castelo de Vide para picar qualquer coisa na terra dos meus antepassados, conhecida como a Sintra do Alentejo, é uma boa hipótese. Mas não convém abusar da gula, porque em Sousel vamos ter comes e bebes para alegrar o corpo e a alma. A vila fica a escassos 15 km de Estremoz e é só seguir as indicações que apontam à Praça de Touros. Podem sempre perguntar a um local, que aqui é tudo gente de bem.
A Praça de Touros de Sousel é provavelmente uma das mais antigas de Portugal e fica a 3 km da terra, no topo de um monte banhado por um mar de oliveiras. O concerto tem início às 19h, mas a festa começa a meio da tarde com uma minifeira dos melhores sabores deste concelho: azeite, enchidos, grelhados, queijos, mel, biscoitos, pão e, quem sabe, caracóis. Sempre com Virgo a acompanhar, porque o Guitarras ao Alto também existe por culpa do néctar dos deuses. Parece que até vai ser possível levar umas lembranças para casa. Tudo com a hospitalidade da Confraria de Sousel. O melhor da garraiada é que vamos poder comer e beber antes e depois de pegar de caras com o Norberto e o Luís, o que vai tornar este final de tarde domingueiro ainda mais abençoado.
O fim de semana termina aqui, mas a festa só acaba na 5.ª feira seguinte. Estejam onde estiverem, venham de onde vierem, no dia 23 há mais Guitarras ao Alto, desta feita em grande formato. Vamos ter a honra de abrir as hostilidades da Feira de São João em Évora e seria inútil estar aqui a versar sobre as maravilhas que a capital do Alentejo tem para oferecer. A entrada é aberta todos os que vierem por bem e o Norberto Lobo e o Luís Martins já vão estar em plena sintonia para vos levar a um lugar que só eles conhecem.
Vasco Durão
Ideólogo do Guitarras ao Alto