Thurston Moore esteve no festival Sonic Blast, onde tocou com o seu Thurston Moore Group. Antes do concerto, o fundador dos Sonic Youth deu um passeio com o Daniel Belo até à Praia da Duna dos Caldeirões, onde conversaram sobre streaming, os novos paradigmas da música e sobre uma eventual reunião dos Sonic Youth – uma hipótese que Thurston Moore admite, mas só se tudo for grátis.
Transcrição da entrevista:
DANIEL: Muito obrigado por te encontrares connosco aqui, podemos dizer, sítio bom, sabes… isto é muito típico do norte de Portugal. Estou habituado a ver-te participar em várias aventuras musicais ao longo de toda a tua carreira, do mais concreto ao mais abstrato: que lugar tem o Thurston Moore Group no meio de tudo o que fazes?
MOORE: Bem, está no meio de tudo. Quer dizer, é basicamente um grupo que não quer chamar muita atenção para si mesmo sobretudo por causa da nossa idade. Eu tenho 65 anos. A Debbie Gouge vai fazer 60. John Leideker que toca música connosco está na casa dos 50. Somos velhos e olhamos para isto como já tivéssemos combatido juntos em várias guerras nos Sonic Youth e nos My Bloody Valentine ao longo dos 80 e 90, nós tivemos isso – tivemos aqueles momentos que foram incríveis, e então para nós, estarmos juntos e tocar juntos e criar música é como uma verdadeira bênção, sabes? Mas eu nunca pensei nisso como algo que tinha um fim. Não há parâmetros para isto, para mim era do género, faço-o até decidir o contrário ou morres. De qualquer das formas, essas são as duas decisões. Mas eu… quando me mudei para Londres há 12 anos, eu sabia que a certa altura talvez viesse a formar um grupo, mas andava a fazer música sobretudo com artistas de improvisação da cena londrina, vários músicos experimentais e depois finalmente comecei a tocar com um guitarrista chamado James Sedwards que já não se encontra entre nós, infelizmente sofreu um AVC o ano passado…- então agora temos o Alex Ward que é um bom amigo dele,e que é reconhecido por ser um maravilhoso guitarrista e clarinetista da cena experimental inglesa. Ele está a tocar connosco agora, mas continuamos a ser a Deb e eu e um baterista chamado Jem Doulton que é de Londres e fantástico, com quem o Alex tocou por muito tempo e este rapaz californiano chamado John Leitker, conhecido por “Wobbly” que tocou muito com os Matmos e pessoal da cena do kraut dos últimos 40 anos e então, o que estamos a fazer para mim é, estamos ainda a fazer é rock n’roll sónico e experimental que é fiel a tudo e a nada. Mas também trazer ideias que possam mesmo desafiar os formatos que por aí andam. É a única maneira de ir acompanhado, certo?
DANIEL: Tu tens de sentir que estás sempre a ser desafiado pela música?
MOORE: Suponho que sim. Bem, para mim é mais uma questão de querer…
DANIEL: Porque tu já fizeste tudo!
MOORE: Quer dizer, eu não sinto que precisa de desafiar ou sentir-me desafiado. Eu sinto que… Eu sei que a música de alguma maneira é muito desafiadora para o ouvinte casual, sabes? Por isso mesmo numa situação como esta aqui no Sonic Blast onde há muita música metal ou muito punk – e o que nós tocamos não é metal nem punk – mas nós fazemos música sónica explosiva.
DANIEL: Sim.
MOORE: É a sua própria cena. Por isso… Eu sinto-me sempre em casa. É muito engraçado, eu podia tocar num festival de folk ou de metal…
DANIEL: É isso mesmo! Tu podes ter uma plateia sentada de pessoas muito interessadas, intelectuais talvez, e consegues estar aqui num festival doom e stoner… e ter uma festa.
MOORE: Oh, exatamente… porque eu sou um grande amante dessa música e sempre fui. Estou sempre, tipo, é como quando o Thelonious Monk foi questionado na Time Magazine.. Um jornalista no fim da década de 50, perguntou: “Thelonius, gostas de Country & Western?”, como se fosse uma piada, porque ele era um músico de jazz modernista e ele disse: “Sim, eu gosto de todo o tipo de música.” E ele estava a falar a sério. É do género “eu não quero saber como lhe chamas, eu gosto de todos os géneros de música”. O que eu toco não importa, eu só gosto de estar conectado com o universo musical. Por isso parti-lo em frações, o que seja, eu não.. Eu não penso nisso. Tem que existir no seu próprio espaço e como eu já disse não é como estivéssemos a procurar um espaço para ser aceites. Não procuramos aceitação.
DANIEL: Sim, claro, estão muito além disso.
MOORE: Sabes mas não há nada de errado com isso, eu sei que uma banda, quando está nos seus primeiros anos, é disso que precisa. Precisam. Olha, lá vai uma t-shirt de Sonic Youth.
DANIEL: Sim, vês? Vais ver muitas daquelas.
MOORE: Estamos a admirar a tua t-shirt. Isso sabe muito bem nesta idade, no sentido em que não sei por quanto mais tempo eu o conseguirei fazer. Não estou a ficar mais novo. Eu gosto muito de compor e gravar música. Ir para a estrada estes dias…é cansativo… Já o fiz por tanto tempo… E já sei todas as manhas da coisa. Fisicamente eu sinto-me, fico do tipo…
DANIEL: Não há glamour…
MOORE: Sim, e há muito poucas bandas da minha época que são realmente capazes de existir num espalo muito facilitado tipo os [Red Hot] Chilli Peppers ou os Foo Fighters. Estes tipos têm tipo quatro ou cinco autocarros, e não fazem nada mais que subir ao palco, ligar os instrumentos e tocar. O que é ótimo, mas é raro. E a maioria das bandas que conheço não tem esse luxo, mas mereceram-no. Se toda a gente tivesse isso, seria irreal.
DANIEL: Pois.
MOORE: Quem me dera que fôssemos todos ricos. Não, não é verdade…
DANIEL: Mas podes resistir? Porque eu vejo várias bandas que quando têm uma grande carreira como os Sonic Youth, às vezes não resistem ao chamamento de fazer, eu chamo-lhes “digressões dos best of ” pelo mundo, a vender a música antiga para a capitalizar. Podemos dizer que os Sonic Youth não o fazem?
MOORE: Somos uma marca comercial, da mesma maneira que os Dinosaur Jr… ou os red Hot Chilli Peppers….
DANIEL: Mas o J Mascis ainda o faz.
MOORE: O J pode ir com os Dinosaur Jr e fazer tipo 400 vezes mais negócio do que se for como J Mascis a tocar a mesma música. A mesma guitarra… É uma questão de reconhecimento. E eu entendo isso e de alguma maneira não me sinto confortável a transacionar com o nome da banda e fazer essa cena da nostalgia. Eu sei que pagaria a hipoteca.
DANIEL: Tiraria alguns dividendos….
MOORE: Isso é bom. Não tenho nada contra ganhar algum dinheiro, mas sabes, perguntam-me isso a toda a hora, e eu às vezes respondo do tipo: “Eu faço-o se o fizermos de borla, sim.”
DANIEL: Sim. Tirá-lo da equação.
MOORE: Concerto gratuito. Tirar todo o dinheiro da equação.
DANIEL: Sim. Mais fãs a olhar para ti… És uma figura imponente.
MOORE: Mas não recebo feedback por isso. Toda a gente fica tipo: “Não, não é bem isso que estamos à procura.
DANIEL: Deixa-me fazer-te uma pergunta: viste quase tudo, viste muitas transformações na música, muitas ondas vieram e foram e mudaram o panorama, mas hoje em dia o que eu vejo com o streaming por exemplo é a maneira diferente de conectar com a música… E gerações mais novas, ouvem canções e não álbuns e às vezes ouvem músicas muito dispersas no estilo, vão de música clássica a heavy metal… O que achas disto? Eu acho-o algo libertador porque eles não têm essas barreiras.
MOORE: É libertador. É como se fosse uma biblioteca a abarrotar e não podes subestimar a inteligência de uma pessoa que goste de música… Eles vão encontrá-la da maneira que a tiverem de encontrar. Acho que os jovens sabem que havia uma cultura de procurar um produto físico e os discos e há um certo j ene sais quoi.
DANIEL: E a escassez dos discos de antes, certo? Tinhas um disco e era ótimo!
MOORE: Esse é um aspeto muito real e tátil da música. Eu gosto de poder tocar no disco, tocar na cassete, tocar no CD, tocar nas máquinas… Eu não tenho nenhum problema com o streaming ou o digital, é o que é… Mas eu não o faço. Eu não tenho Spotify, não tenho, não está no meu telemóvel. Não está no meu computador. Eu nunca o uso. E eu sei que as pessoas passam a vida a usá-lo… “Ah, tu tens uma playlist muito boa de curadoria que fizeste no Spotify!”. Eu disse: “Não, não o fiz, o Spotify fez.”
DANIEL: Sim, é o algoritmo. DJ Algoritmo.
MOORE: Usam o meu nome… Isto era o que ele gostaria… Por isso, nesse sentido, tenho sido mais resistente, mais reacionário em relação a esse tipo de situações. Também sinto que não tenho assim tanto tempo, minutos do dia, porque estou a escrever música e também escrevo peças literárias, livros e poesia, e coisas assim… Então para procurar música não sinto que tenha muito tempo… Preferia investir nalgum silêncio.
DANIEL: Sim.
MOORE: Possivelmente… Ouvir a natureza. E eu sei o que por aí anda, e sinto que tive os meus anos de investigação musical e de saber tudo sobre todas as bandas do mundo. Tipo, qualquer banda de garagem ou de noise e tudo o resto. Sinto que sabia… que sabia tudo. Mas isto ultrapassou completamente a minha esfera de conhecimento e estou conformado com isso.
DANIEL: É demasiado, às vezes?
MOORE: Às vezes eu vejo espaços enormes esgotados por algum artista com nome e eu pergunto sobre isso às pessoas, “Quem é esta pessoa que está a esgotar três noites?” Respondem-me do tipo: “É uma sensação da internet.” Sabes, é tipo, uau… isso até é fixe.Não é como se estivessem a vender muitos discos, mas estão a vender muitos downloads. Simplesmente é um mundo diferente.
DANIEL: O mundo imaterial e estranho. Importaste ou preocupaste com a relação, com a relação digital que possas ter com os teus fãs ou nem por isso?
MOORE: Nem por isso .
DANIEL: Porque para toda a gente, é esse o caminho! Assim diz toda a gente.
MOORE: Eu gosto, por exemplo, de uma plataforma como o Bandcamp, que é muito amiga dos artistas, e podes vender um produto físico ou digital. Eu acho que isso é bem fixe. Gosto de como isso funciona. Então, tenho-me relacionado com isso, mas sabes eu acho sempre que não interessa qual é o paradigma, a certa altura, entretenimento, cultura musical, o que seja, as pessoas vão ter um impulso criativo e vão segui-lo e vão fazer o que tiverem de fazer. Mesmo que façam filmes nos Iphones, não interessa.
DANIEL: Consegues fazer um disco neste tipo de gravador.
MOORE: Se tiveres a visão para criares algo que chame alguém ou toda a gente, vai em frente. E é do tipo as pessoas vão aceitá-lo se gostarem, se não gostarem vão-se afastar disso. A Lydia Lunch costumava dizer sempre que: “Lá porque podes, não quer dizer que deves.”
DANIEL:… isso é sabedoria!
MOORE: Chateada por toda a gente ter uma banda agora, é do tipo, é algo só para os visionários, mas não, lá está, se toda a gente fosse visionária, depois seria muito aborrecido. Precisas de separar o trigo do joio. Tens de procurar entre as ervas daninhas até encontrares a tua jóia.
DANIEL: O ouro só é ouro porque é raro.
MOORE: Precisamente.
DANIEL: E odeio fazer esta pergunta, então para ti, planos para o futuro é uma certeza, eu sei que tens planos para o futuro, mas eu sei que me vais dizer que vais fazer tudo aquilo a que te propuseres.
MOORE: Eu ainda sou um aprendiz…
DANIEL: Oh meu Deus, não..
MOORE: Bem, eu tenho um disco novo já gravado que é muito diferente porque tem muito piano.
DANIEL: Álbum a solo?
MOORE: Com o grupo. Foi a última sessão de gravação em que o James Sedwards, o guitarrista original, tocou, mas ele também toca muito teclado porque é um ótimo teclista. Está gravado, misturado e pronto a ser lançado, mas só para o próximo ano, porque vou lançar um livro de memórias de Sonic Youth chamado “Sonic Life In October” por isso vou estar muito ocupado a promover o livro, a viajar e a fazer entrevistas – o que é fixe. Nesta altura eu sinto-me muito zen sobre isto e com o que acontece.
DANIEL: Tenho de perguntar: esse livro remodelou de alguma maneira a relação que tens com Sonic Youth, com a banda, a marca, o que seja?
MOORE: Bem, certamente que me colocou numa posição em que precisei de revisitar a história, que é muito extensa. São mais de 30 anos… E eu queria muito escrever… queria acertar nos detalhes, na cronologia, e em alguns dados. Até mesmo quando tinha pessoas a ler, elas ficavam do tipo: “Essa banda era escocesa, não era inglesa.” O que é algo importante em Inglaterra… uma banda escocesa, os ingleses vão ficar chateados! Eu digo: “claro, tens razão!”. Pequenas coisas do género. Mas eu fiz muita pesquisa e não apenas sobre o dia a dia em Sonic Youth, é sobre a ideia do que foi conhecer pessoas com mentalidades semelhantes, quando somos jovens, numa cidade tão gigantesca como Nova Iorque, na baixa, que muitas vezes era um mundo muito pequeno para nós, mas nós conhecíamo-nos todos, víamo-nos todos e estávamos todos a viver num espaço empobrecido, e queríamos continuar aquilo que víamos e ouvíamos no CBGB’s, no Max’s Kansas City ou no The Kitchen Center e tudo isto. E encontrarmo-nos os uns aos outros… O livro revela os detalhes da forma como nos encontrámos e como os Sonic Youth surgiram. E vai a partir daí, pelos anos 90 fora e depois… Porque depois torna-se um bocado disco-digressão, disco-digressão….
DANIEL: Rápido, rápido, rápido…
MOORE: E depois sabes, eu parei quando os Sonic Youth pararam.
DANIEL: Vês-te a ti mesmo como tanta gente te vê, como um ícone, um revolucionário sónico ou não queres saber?
MOORE: Não quero, não penso muito sobre isso, nem sobre o que as pessoas pensam sobre mim.
DANIEL: Ótimo para ti!
MOORE: Para mim, por vezes, só vir a andar até aqui, até a esta praia hoje para fazermos esta entrevista, e ser abordado por um metaleiro que me diz: “Meu, tu mudaste a minha vida!”. Não espero isso, mas quando acontece isso, é muito fixe. É muito fixe dizeres isso.
DANIEL: Cá estamos.
MOORE: Sim, cá estamos. E estou só feliz por estar aqui em Portugal, na praia, oh meu Deus, nem toda a gente tem a oportunidade de fazer isto.
DANIEL: E nós estamos muito felizes por te ter aqui.
MOORE: Muito obrigada.
DANIEL: Obrigado eu.