Depois de várias colaborações, Noah Lennox (ou Panda Bear) e Pete Kember (ou Sonic Boom) juntaram-se para fazer um disco onde os dois são protagonistas e onde se notam as influências de Portugal, país que ambos escolheram para viver, e onde passaram os difíceis tempos da pandemia.
Reset parte de samples retirados de músicas das décadas de 1950 e 1960, a partir dos quais foram construídas canções que nos trazem a alegria e melancolia desses tempos. Em contrapartida, as letras abordam angústias e problemas de agora.
Nesta entrevista, que apresentamos na íntegra e sem dobragens, Panda Bear e Sonic Boom explicam ao Daniel Belo o processo de construção deste disco, fortemente influenciado pela vivência no nosso país.
O processo de criação deste álbum, foi muito diferente das outras colaborações que foram tendo desde 2011?
PANDA BEAR — Não senti que houvesse grandes diferenças, mas talvez seja porque nos fomos tornando cada vez mais próximos na nossa relação de trabalho. Se eu comparar com a primeira vez que trabalhamos juntos, talvez seja muito diferente… mas o que eu recordo da altura em que estávamos a misturar o Tom Boy, eram os vários e-mails que todos os dias trocávamos um com o outro. Já nessa altura havia muita comunicação e colaboração. Acho que no global não sinto assim tantas diferenças.
A vossa relação começou em 2011, quando Sonic Boom produziu Tom Boy, disco de Panda Bear… voltaram a colaborar mais vezes e criaram uma amizade que evoluiu para uma espécie de laço fraternal. Será uma boa maneira de definir a vossa relação agora? Foi a partir daí que surgiu a vontade de fazer este disco?
SONIC BOOM — Sim. Acho que não entrámos nisto para fazer um disco, começando por fazer maquetes e assim… foi crescendo. Como parte foi feita durante a pandemia onde, como o resto do mundo, estávamos a dar em doidos e a perguntar que raio estava a acontecer, não parecia fácil fazê-lo, mas tudo aconteceu com muita facilidade. De alguma forma foi como a energia dos loops originais… as canções que o Noah escreveu em cima deles inspiraram uma certa energia. Algumas canções são assim mesmo, nem todas nascem iguais. Algumas tens de lutar para as criar e há outras em que parece impossível fazermos algo de errado. Acho que tivemos muitos desses momentos de sorte.
No processo de recolha de samples, focaram-se em canções das décadas de 50 e 60 para construir os loops que serviram de base para as canções. Há pedaços de Everly Brothers, Eddy Cochran, The Troggs, Randy & The Rainbows… quase sempre pedaços retirados do início dessas canções. Porquê?
SB — Quase sempre porque não havia ninguém a cantar. Muito êxitos dessa era têm voz do princípio ao fim, estão a cantar durante toda a música. Nas que escolhi não havia cantores, apesar da canção de Randy & The Rainbows ter voz, mas não há palavras, só fazem uma melodia. Também aproveitei pausas das canções, como na faixa Living in The After. Também aproveitei esses momentos. Dependia muito do que estava nos samples, mas queríamos pedaços onde não houvesse pessoas a cantar.
Musicalmente, Reset tem uma alegria e uma leveza características da música de tempos passados, mas quando escutamos as letras, encontramos coisas pesadas e escuras. Problemas e ansiedades dos nossos dias. Como chegaram a este balanço entre a leveza da música e o peso de algumas letras?
PB — Não posso dizer que tenha sido planeado. Era algo que andava a pairar. A maior parte dos temas das letras vieram de conversas que eu e o Pete tínhamos, não necessariamente durante a pandemia, mas nos últimos anos. Nós juntamo-nos pelo menos uma vez a cada duas semanas, para jantar… por isso tem havido muitas conversas. Parece-me que pandemia dar outro foco a estas conversas, porque quando as tivemos…
SB — Estavam em fogo lento e levantaram fervura…
PB — Isso mesmo. Sabíamos que estas coisas estavam a acontecer, mas não eram muito óbvias. A pandemia tornou muito claro que tudo isto estava ali, por baixo da superfície. Acho que por causa de tudo nos ser apresentado desta forma assertiva, por causa da pandemia, foi difícil falar de outras coisas na altura.
E com boa parte do disco feito em tempo de pandemia, também tentaram ganhar algum ânimo ao fazer canções com estas melodias mais alegres?
SB — Falámos sobre isso quando as canções começaram a aparecer. Falámos sobre a música jmaicana de meados da década de 1960, quando tudo estava a correr mal no país. Eles falavam disso e cantavam sobre isso, mas de uma forma muito alegre. Os Israelites, por exemplo.
PB — E a música é tão bonita, cheia de groove e energia positiva
SB — Definitivamente tentámos isso. Sei que nas coisas que estava a fazer tentei carregar em todos os botões de alegria que descobri ao longo dos anos. Coisas como o apito… coisas que tinha há anos e nunca tinha encontrado o lugar certo para elas. Percebi que tinha chegado a altura.
Uma dessas coisas foi uma caixa que fazia sons e que Sonic Boom já tinha querido usar quando produziu os discos de MGMT e de Beach House… mas que eles não apreciaram muito.
SB — Não detestaram. Só não a quiseram nos discos deles (risos) É um brinquedo, certamente feito na China, mas que durante um curto período de tempo foi fabricado por uma empresa inglesa. Chama-se Music Modem, tem uma série de botões e tem todos os sons que os modems dos anos 90 faziam. Aquela era onde podíamos ouvir os computadores a ligarem-se à internet. Eu gostava muito desses sons, por isso quando encontrei a caixa achei altamente… todo aquele desenrolar de informação… gosto muito.
Um dos destaques deste disco é a simbiose entre as vozes de ambos. Panda Bear no seu registo melódico mais habitual, mas Sonic Boom mudou a forma de estar, e passou a cantar mais cá em baixo.
SB — Sim. Eu não costumo cantar num tom tão grave, mas decidi fazê-lo, para haver algum contraste. Foi algo em que concordámos, porque cada uma das vozes faz a outra soar melhor por causa deste contraste… aumenta a energia. Mesmo nos meus discos, ponho sempre as faixas mais escuras ao lado das mais alegres, porque acabam por ficar exageradas por esse efeito. Fiquei surpreendido. Não foi algo que fiz facilmente… foi tipo “a sério? Cantar assim? Oh meu deus!”
PB — A mim soou-me logo bem. Não pensei que esta era uma maneira nova do Pete cantar… não estava a pensar em nada disso. Soava bem e continuámos a seguir nessa direção. Há uma espécie de simetria na forma como as pessoas cantam. Geralmente acontece com irmãos… há um nome para isso, mas não me lembro nesta altura… mas sinto que há uma vibração comum quando as pessoas se aproximam, e talvez seja isso que aconteceu comigo e com o Pete.
E o sítio em que o disco foi feito, influenciou o resultado final? O Noah é praticamente português, porque já cá vive há quase 20 anos, Pete mudou-se para cá em 2018. Foi por cá que eles passaram os tempos da pandemia. Há influências de Portugal neste disco?
SB — Muitas coisas, todos os dias. Há coisas que são tão diferentes… nesta altura já é muito difícil para qualquer um dos dois regressar aos nossos países de origem. É difícil. Há uma razão pela qual vivemos aqui. Ninguém ficou imune à pandemia, mesmo que vivesse numa ilha deserta. A única maneira de ficar imune era não saber nada sobre isso, mas a partir do momento em toda a gente tinha essa informação, é impossível. Foi um período muito interessante e fico feliz por temos conseguido fazer algo com uma energia positiva, o que é parte da nossa missão. O disco foi medicinal para nós nessa altura, e talvez possa ser também para quem o ouve.
E esta forma portuguesa de ser onde a tristeza está presente, mas onde também há alegria e vontade de ultrapassar os momentos piores. Foi uma ajuda durante este tempo de pandemia?
PB — Acho que sim. Parece-me que sim. Quando os meus amigos dos Estados Unidos me perguntaram como tinha sido enfrentar a pandemia aqui em Portugal, falei sempre naquilo que porventura terá tornado as coisas mais fáceis do que noutros sítios: o facto de toda a gente ter seguido o plano proposto, mesmo que por vezes pudesse não ser o melhor plano. Isso pode ser discutido, mas o facto de todos caminharem na mesma direção fez com que as coisas fossem tão fáceis quanto seria possível serem.
SB — E os políticos daqui… eu não sou grande fã de políticos, mas quando fazemos comparações com Donald Trump ou Boris Johnson, aqui havia muito mais sanidade, sensibilidade e inteligência, comparando com a loucura de outros sítios. Tenho a certeza que isso tornou as coisas mais fáceis. Preferia estar aqui do que em qualquer outro sítio onde isto estivesse a acontecer. Mesmo que não pudéssemos escapar, aqui foi melhor.
Até mesmo quando recebeste cá os Iceage para gravar o disco deles, mostraram-se encantados com isto…
SB — Sim. Eles adoram estar em Lisboa. Acho que todas as pessoas que conheço adoram Portugal.
PB — Sim. Ninguém que eu conheça que tenha cá vindo diz “este sítio é estranho, não gosto disto”.
Tendo este disco corrido tão bem, é de esperar que voltem a fazer mais trabalhos como este?
PB — Penso que sim. Ninguém sabe o que o futuro tem reservado, mas acho que ambos gostaríamos de continuar a imaginar coisas em conjunto.