Os Phoenix estão de volta.
A banda francesa lançou Alpha Zulu, o sétimo álbum de originais que foi gravado no Museu do Louvre, durante a pandemia.
O Daniel Belo falou com o vocalista dos Phoenix, Thomas Mars, para perceber como foi o processo de criação e tentar descobrir o segredo da banda para continuar junta e feliz, 25 anos depois de terem começado a fazer música.
Podes escutar, em cima, a entrevista na versão original.
(Entrevista com dobragens)
DANIEL: Começando com o nome do álbum… li que surgiu de um vôo num pequeno avião em que seguias, que enfrentou uma forte turbulência e onde os pilotos começarama a gritar “Alpha Zulu”. Porquê escolher essa memória traumática como nome do álbum e do primeiro single?
THOMAS: Sim, é verdade. Mas tu não escolhes. Quando estás no estúdio, não escolhes realmente. Nós os quatro trabalhamos muito com o fluxo de consciência quando estamos na mesa a escrever juntos. Por isso, traumas, boas memórias, o bom e o mau juntam-se e os meus colegas da banda estavam curiosos sobre o nome Alpha Zulu, estavam do género, “o que é isto?”, “de onde vem?”. Habituamo-nos ao nome, ficou connosco. Gostamos tanto do nome que chamamos o álbum assim. Mas, este álbum em concreto, foi feito enquanto o mundo estava numa pandemia – o que foi duro – e também tivemos algumas perdas… O Alpha Zulu e essa experiência não foi a única coisa má que aconteceu… (risos) Por isso também podia ter escolhido outras coisas.
DANIEL: De alguma maneira simboliza uma emergência que estava a acontecer quando estavam a tentar fazer este disco?
THOMAS: Sim! E também o facto de no fim ter corrido tudo bem. Toda a gente naquele voo temeu pela vida, mas no fim o avião aterrou e nós estávamos bem. Temos de ver a luz ao fundo do túnel e saber que haverá um mundo onde vamos tocar ao vivo outra vez e em que o álbum vai sair, onde podemos ser músicos. Claro que o mundo mudou, mas ainda há possibilidades e outras maneiras de fazer aquilo que adoramos e isso também é aquilo que o Alpha Zulu simboliza.
DANIEL: Falaste da pandemia, que fez com que a criação deste disco acabasse por ser muito diferente do que aconteceu nos seis álbuns anteriores. A separação foi talvez a maior diferença, porque vocês são amigos há muitos anos e nunca tinham passado tanto tempo longe uns dos outros. De repente, a pandemia deixou-te isolado em Nova Iorque com o resto da banda em Paris. Foi difícil tentar criar algo nessas circunstâncias?
THOMAS: Sim, de início é difícil encontrar significado quando fazes algo que não é essencial. Sentes que… acredito que muita gente se sente assim. Depois apercebes-te que é nisso que és bom e torna-se mesmo a tua única opção (risos). Foi difícil encontrar interesse naquilo que estávamos a fazer, mas percebemos que a música foi mesmo a melhor maneira para comunicarmos. Em vez de mandarmos mensagens, nós mandávamos músicas uns aos outros porque sentíamos muita falta dos momentos no estúdio. Daí que haja uma canção no álbum chamada “Winter Solstice” que, por exemplo, nasceu desta forma, foi criada de forma remota…
DANIEL: E que gravaste em circunstâncias extremas… enrolado no chão, em posição fetal, no meio de um incêndio florestal.
THOMAS: Sim, isso foi o auge da pandemia. Estava no norte da Califórnia e as pessoas estavam a usar máscara, mas não tinhas a certeza se estavam a usar máscara por causa da pandemia ou devido ao fumo dos fogos. Houve uma semana em que o céu estava laranja, mas houve um dia em que o sol nunca apareceu, encoberto pelas nuvens. Foi uma noite que durou, talvez, setenta horas… dois dias? E foi quando fizemos essa música, não no que foi o pico do inverno verdadeiro, mas do nosso inverno, os dias mais escuros.
DANIEL: É interessante haver um momento tão angustiante num álbum que tem um tom mais alegre. Tudo isto provocou uma explosão de criatividade quando finalmente pudeste viajar para Paris. Fizeram quase tudo em três semanas. Como foi esse período?
THOMAS: Sim, tínhamos tantas saudades uns dos outros o que levou a alguma frustração… E também estávamos no Museu do Louvre, que era um sítio incrível… e o meu medo de ficar de fora estava ao rubro porque pela primeira vez tínhamos um estúdio incrível – o que não acontece sempre porque às vezes os estúdios são longe da cidade – e não podíamos fazer música. Estava mesmo muito entusiasmado, mas não podia ir. E quando nós finalmente nos encontrámos no estúdio, decidimos não conversar, tínhamos que fazer música. O tempo era precioso e não sabias por quanto tempo podias ficar lá. Não somos só nós em particular, mas muitos álbuns gravados durante a pandemia têm mais profundida e emoção, dá para perceber que as pessoas passaram por algo e sente-se que já não tomam a música como uma garantia, como faziam antes.
DANIEL: Terá sido muito interessante fazer este disco no Museu das Artes Decorativas no Louvre. Como é que isso aconteceu? Vocês estavam sozinhos no Museu, que estava fechado por causa da pandemia
THOMAS: Sim, fazê-lo naquele lugar já é especial porque é a primeira vez que deixaram alguém gravar lá. Sentimo-nos muito gratos por ter sido convidados. Depois o museu fechou e estava completamente vazio, o que foi muito estranho e distópico às vezes… outras vezes parecia que o tempo tinha parado e estávamos apenas a testemunhar tudo aquilo. Foi muito inspirador, o facto de termos gravado lá e estarmos sozinhos fez a diferença, tornou-o algo muito único.
DANIEL: Deve ter sido inspirador, estando rodeados de tantas obras de arte magníficas… mas também vos fez sentir inseguros? Acredito que criar no meio destas obras de arte pode, em comparação, diminuir o que estão a fazer?
THOMAS: Diria que quando vamos a um estúdio de música, onde tens discos de platina na parede, sentes-te intimidado e leva a música a um mundo competitivo, o que não faz muito sentido. Mas ao estar rodeado pelo legado do Louvre foi tão espetacular, sabes? Sentes-te mais em paz do que intimidado. A arte também é tão antiga que de alguma forma não sentimos nenhuma pressão. Foi mais libertador do que stressante. E também talvez porque o museu estava vazio, tirou qualquer tipo de pressão, porque sentimo-nos tipo: “por quanto tempo mais ficará assim?”. As circunstâncias tornaram-no mais libertador.
DANIEL: E isso, de alguma maneira, fez-vos criar um álbum que não tem um tema definido? O “Ti Amo”, por exemplo, foi muito inspirado pela Itália, mas o “Alpha Zulu” parece ser mais uma coleção de diferentes canções, à semelhança do que fizeram no álbum de estreia “United”.
THOMAS: Sim, exato. De alguma maneira, “United” está muito ligado a este álbum. “Ti Amo” foi mais um álbum conceptual, tinha um tema muito forte. Cada álbum que nós fazemos é, de alguma forma, uma reação ao anterior. Neste queríamos mesmo “esticar a tela” o máximo possível. Metemos as músicas que tinham menos em comum neste álbum juntas. Isto foi o que fizemos no “United”, no nosso primeiro álbum, onde as inspirações eram muito amplas e, quando somos adolescentes, ficamos frustrados por termos de nos restringir a apenas um estilo de música. A música viveu em categorias mais do que nunca. Se fosses a uma loja de discos, havia uma odisseia de subgéneros e categorias, que ainda existe, mas nessa altura tinhas que te comprometer a uma categoria para encontrares o teu estilo, algo que nós não queríamos fazer. Músicas como “Funky Squaredance, Pt. 1/2/3 (Medley)“ do nosso primeiro álbum, tem três estilos diferentes na mesma canção, o que se tornou algo muito divertido para nós. Tornou-se uma espécie de experimentação pessoal da nossa identidade ao passar por todos estes estilos.
DANIEL: Falavas sobre perda… consigo sentir a presença de uma pessoa que já não está connosco. Há sugestões do “United”, sugestões do “Wolfgang Amadeus Phoenix”… álbuns que foram fortemente influenciados por Phillipe Zdar, que co-produziu estes discos, e que teve grande influência na banda. De algum modo ele esteve presente na produção deste disco?
THOMAS: Sim, porque ele é uma espécie de guru, na melhor maneira possível. Tem uma visão muito explícita das coisas. Ao longo do tempo, ao trabalhar na sua música e noutros estilos diferentes, trabalhou com música techno e também gravou o MC Soolar. Ele fez um pouco de tudo. Pensou em vários conceitos possíveis de aplicar em qualquer circunstância ou estilos de música, por isso mantivemos sempre os seus conselhos quando pensávamos na estrutura de uma música, escolher a ordem da música ou o título. Ele foi muito prestável. Também fomos sortudos o suficiente para que o Thomas Bangalter dos Daft Punk nos viesse visitar algumas vezes e… porque não tínhamos o Phillipe e precisávamos de alguém que soubesse de música e soubesse quando uma demo ainda é uma demo e como vai soar depois, porque quando estás no estúdio estás um pouco vulnerável. Tens de partilhar a tua música com alguém que saiba como se cria uma música e como vai ser mixada e masterizada, por isso o Thomas veio algumas vezes para nos orientar.
DANIEL: Olhando para o primeiro single, “Alpha Zulu”. É uma das canções que os meus filhos, de seis e nove anos, mais pediram para tocar este ano, e a reação das crianças é uma boa maneira de perceber se uma canção funciona. Quando estavam a criar este tema, tiveram essa noção? Perceberam que estava a surgir uma daquelas canções que ia bater forte?
THOMAS: (risos) Nem por isso. Mesmo que tenhas um bom pressentimento, não queres acreditar muito. Não te queres desiludir. Normalmente nós vemos o entusiasmo nas outras pessoas. É verdade que as crianças reagem muito bem à música (risos). Quando convidávamos amigos ou famílias para ir lá a casa, tocávamos três ou quatro músicas e depois pediam para ouvi-la de novo, diziam: “não me vou embora sem a ouvir mais uma vez!”. Sabes que criaste algo que as pessoas precisam, o que é muito satisfatório, quando querem ouvir a música uma e outra vez. Geralmente, quando fazes um álbum, fazes um disco que queres ouvir sozinho, mas quando está feito, não o ouves. Seria uma atitude bastante narcisista. (risos) Vive através das outras pessoas. Nós sabíamos que tinha algo que as pessoas gostavam, mas nós não sabíamos o que era nem até que ponto. Mesmo no estúdio não é nada claro, só mesmo quando tocas ao vivo várias vezes para as pessoas.
DANIEL: E o vídeo? Os meus filhos chamam-lhe “a canção dos quadros”, por causa do vídeo, que os impressionou muito. Também foi inspirado pelo facto de estarem no Louvre?
THOMAS: Sim! A pessoa que realizou o vídeo estava connosco quando gravamos o “Wolgang Amadeus Phoenix”. Na altura, era uma criança no estúdio, tinha oito anos, era filho de um amigo do Phillipe Zdar e ele vinha ao estúdio. Os seus pais estavam a divorciar-se e ele passou imenso tempo connosco no estúdio durante a gravação do Wolfgang. Ele agora é engenheiro de som por isso nós ficámos do tipo “ficas connosco, vamos fazer este disco juntos” e ele teve a ideia para o vídeo e como fazê-lo, porque ele sabia as aplicações certas e tudo mais. Ele acabou por fazer o vídeo, com outro rapaz chamado Pascal Teixeira e pareceu lógico fazê-lo. Sentimo-nos mesmo assim no Louvre. Sentimos que a arte nos via. E ficas algo louco depois de passares tanto tempo no museu, sabes? Chamam-lhe o efeito Stendhal, quando estás assoberbado com tanta beleza. Quando passas tanto tempo lá, sentes que a arte está a falar contigo a certa altura. O pessoal que trabalha no museu acredita em fantasmas, o que é sintoma de passar lá muito tempo (risos).
DANIEL: Neste álbum, também tiveram a vossa primeira colaboração, com o Ezra Koening dos Vampire Weekend a cantar em “Tonight”. Porquê só agora, e porquê o Ezra?
THOMAS: Bem, a música “Tonight”… Quando escrevemos uma música, temos uma tela branca e escrevemos o nome das partes. E tentamos dar-lhe nomes. Aliás, há alguns nomes portugueses e espanhóis. Havia um chamado “Porto”! E a dada altura havia uma data de referências…. No “Ti Amo” havia muitas referências italianas, mas neste fomos mais ecléticos. Tínhamos referências portuguesas, brasileiras, hispânicas… Uma parte chamava-se Ezra e eu pensei que, como somos amigos, em vez de o emular vou pedir-lhe para cantar. E o que é importante é que o conheço bem o suficiente para que ele me possa dizer “não”, sabes? Se ele achasse que era uma má ideia ou no fim não gostássemos do resultado, juntos decidi-lo-íamos. Isso é a maior vantagem e o motivo para o qual demoramos tanto tempo. Quando juntamos duas coisas não quer dizer que seja melhor, por isso estávamos conscientes em relação a isso.
DANIEL: Sendo uma banda francesa, que canta em inglês, não deixam de colocar algumas palavras em francês nas letras das canções. É uma forma de recordarem às pessoas de qual é a vossa origem?
THOMAS: Sim, exato… desculpa voltar atrás, mas lembrei-me agora do porquê de termos chamado um monte de coisas em português. Temos um amigo nosso francês que é filósofo e vive no Porto. Ele mandava-nos poemas e coisas relacionadas com escritores portugueses. Por isso também abraçamos esse mundo e foi assim que começou. Sobre a tua pergunta: nós criamos a nossa própria linguagem, essa é a parte mais divertida sobre escrever músicas. Às vezes inventas coisas muito crípticas (risos) e às vezes a linguagem aeronáutica é muito… codificada! Mas ao mesmo tempo muito universal. Fico sempre maravilhado quando toda a gente consegue compreender a mesma palavra em todo o mundo. A música também é um pouco assim, tem essa universalidade. Para mim é divertido trazer uma herança europeia nas canções porque não é apenas aquilo que já se fez no passado e não é muito esperado, por isso quanto mais algo é inconformado mais interessante é para nós tocar. Também é algo com o qual crescemos, sendo de Versailles.
DANIEL: Uma última questão, tem que ver com a vossa relação enquanto banda. Vocês estão junto há 25 anos, e depois de todos estes anos continuam a ser grandes amigos, como eram antes de formarem a banda. Não é uma situação muito habitual, porque com o tempo costumam surgir tensões entre os elementos da banda, que por vezes fazem as coisas azedar. Têm algum segredo para conseguirem manter esta relação durante tanto tempo?
THOMAS: Sabes o que é engraçado? (risos) Neste álbum é a pergunta que as pessoas perguntam e nunca nos perguntaram antes, o nosso segredo… É interessante porque eu não tenho propriamente uma resposta. Isto é a nossa primeira banda e nós começamos juntos e crescemos juntos, ouvimos música juntos… é uma atmosfera familiar. Gostamos tanto dos momentos maus como dos bons, o que é importante. Para mim, ao ver que há agora tantos artistas a solo, parece algo raro… As bandas são coisa rara estes dias. Quando vejo um artista a solo, fico tão ansioso. Sei que passam pelas coisas sozinho, deve ser muito difícil, não sei como conseguem. Para nós, partilhar esta experiência todos juntos é o mais importante, é a cola que nos une. É o mais divertido de fazer música, não sei como a faria sem este fator.