É com tranquilidade e vista para o mar que começa a contagem: a canção serena com que o alter ego do londrino Archy Marshall se lançou a 2023.
Nota: Foram contempladas as edições entre 16 de novembro de 2022 e 30 de novembro de 2023.
As pequenas coisas que a britânica cantou com voz de mel revelaram-se uma das grandes canções do ano. E uma das mais doces.
Mais um brit a encher-nos a alma de soul e de saudades de Marvin e Otis. O Guardian chamou-lhe revelação. Para nós, é uma certeza.
Ao fim de seis anos de silêncio, a canadiana voltou para expiar sarilhos emprestados ao longo de uma vida… em quatro minutos vibrantes. E viciantes.
No enganador Hit Parade da eterna voz dos Moloko, escondia-se esta celebração do amor e do humor, para quem não está nada preocupado em ser… cool.
Veio de 1982, esta espécie de tributo a Jean-Michel Basquiat e aos pioneiros do graffiti, que marcou o regresso dos veteranos do pós-punk de Manchester.
Aconchegante e acolhedora: a primeira canção do britânico em seis anos, uma ode cheia de espiritualidade à amizade e à partilha.
Na estreia a solo, o vocalista dos Fontaines D.C. ofereceu-nos os mais inspirados versos do ano e confirmou que no punk também há poesia.
Não mentimos se dissermos que o inesperado encontro entre o superbaixista de Los Angeles e o músico e produtor australiano foi dos mais felizes do ano.
Entre as Voice Notes da cantora de Nottingham, destacaram-se estes cinco minutos de soul temperado a jazz, ode aos criadores e às criaturas da noite.
Foi da Soft Machine da britânica que saíram, afiadas, as lâminas que rasgaram a mais festiva das canções de Anaís Marinho.
É ténue, a linha que separa o desejo de reconciliação da sede de vingança, neste regresso cheio de Guts da caçula californiana.
Chegou a 2023 a flutuar, mas foi com esta celebração da sua autodescoberta e libertação sexual que a cantora e atriz entrou na Era do Prazer.
Canção escrita a seis mãos e cantada a três vozes. Lucy, Julien e Phoebe trouxeram-nos um dos riffs mais roufenhos do ano, para ouvir estrada fora.
No ano da morte de Bacharach, a rapper de L.A. celebra o génio da canção popular americana, apontando aos detratores e comentadores de bancada.
No ano passado, levou-nos ao seu paraíso; este ano, a Mestre dos Bala Desejo encarnou Rita Lee e os anos 80 neste grito de liberdade.
Já nos tinha deixado de orelhas no ar nos palcos de outros verões, mas foi com este olhar de ébano que Sean Lee Bowie nos conquistou de vez.
Há sete anos, deixaram-nos rendidos. Este ano, a trupe de Toronto confirmou a máxima “em equipa que ganha não se mexe”. E deixaram-nos rendidos… de novo.
Não há lista de melhores do ano sem uma ida à pista com os senhores de Londres. Soul train para os novos anos 20 com groove à anos 70. Let it go!
No ano passado, ofereceu-nos liberdade. Desta vez, atirou-nos pérolas para a pista e mandou-nos abanar até cair. Ainda bem.
O top 10 começa, curiosamente, com alguém que repete a mesma posição de há dois anos — na altura, com “Life Is Not the Same”, do álbum anterior, Friends That Break Your Heart.
Dois anos e um disco depois, James Blake está de volta, com um som diferente e uma atitude mais leve. A melancolia do confinamento deu agora lugar à eletrónica mais atrevida de Playing Robots into Heaven.
E foi assim, a brincar aos robôs, que o músico britânico nos encantou. Assim, e com este segundo single do álbum. Saído a meio do ano, deixou-nos meio ano agarrados à sua dança magnetizante, que, entre beats ondulantes, melodia cativante e versos simples, fala de algo tão importante: o amor é mesmo o melhor remédio para o coração… e para a cabeça.
“Loading” é canção para nos deixar ligados ao carregador, para ouvir a caminho da festa, para desatar nós na cabeça.
Atravessemos o Atlântico e toquemos à campainha de Marquês 256, bairro da Gávea, Rio de Janeiro, Brasil. Quem nos abre a porta é Zé Ibarra, mais um Bala Desejo a deixar um postal entre os melhores do ano. Depois de Julia Mestre, foi este Zé carioca quem se lançou a solo, com um álbum gravado na escadaria do prédio onde cresceu, feita estúdio de gravação da estreia promissora de um músico jovem a querer a todo o custo fazer a sua própria sorte.
Logo a abrir, cartão de visita, uma canção de encher a alma. Um adeus sem festa, pessoal, intransmissível, com ecos da adolescência na voz e memórias da infância nas cordas da guitarra.
Chegou a dizer “Vou-me Embora”… mas daqui não sai, e daqui ninguém o tira. Pois encontrou, sem custo, a sorte de morar entre as que mais nos adocicaram o amargo ano.
A história que SZA nos canta não é a de um doce encontro. Bem pelo contrário: é o relato de uma despedida amarga, azeda mesmo.
Quentin Tarantino deu-lhe o título da canção. Um certo ex-namorado ter-lhe-á dado ganas de o esganar — ou, pelo menos, de cantar sobre isso e até de fazer disso single, lançado logo nos primeiros dias do ano.
Direta, sem subtilezas, “Kill Bill” é uma verdadeira ode à vingança depois do fim abrupto de uma relação amorosa. Uma vingança em jeito de desabafo afiado, com refrão meloso e sarcástico.
Calma, embainhem as espadas: não é para matar; é para cantar… até cair.
Little Simz traz-nos a eterna questão do peso da fama, da pressão do sucesso, do poderio da indústria da música.
Normalmente, uma questão de que muitos falam ao segundo disco, mas que a rapper de Londres só começou a sentir depois do terceiro e, sobretudo, do quarto álbum, Sometimes I Might Be Introvert — que também por aqui andou, entre os nossos melhores de 2021.
Dois anos depois, a pequena grande Simbi regressa às nossas escolhas de fim de ano com um portento de canção escondido a meio do álbum lançado nos últimos dias do ano passado: um épico antifama de arrepiar, meio confissão, meio manifesto de intenções, com coro gospel e orquestra e tudo…
Uma bênção sob a forma de canção que nos ajudou a aliviar o stress durante o ano inteiro.
E não é que a pista de dança também é lugar para o punk-rock roufenho dos IDLES?
Ao raiar do outono, a banda de Bristol voltou que nem um relâmpago, com a mais possante canção da rentrée. E a mais surpreendente: não só pela participação de James Murphy e Nancy Whang, dos LCD Soundsystem, mas também pela direção do superprodutor Nigel Godrich e do DJ Kenny Beats e, sobretudo, pela subtil referência a “Cheek to Cheek”, o clássico que Ella Fitzgerald e Louis Armstrong celebrizaram. Por esta, não estávamos à espera.
“Dancer” vem abrir caminho para Tangk, álbum que há-de chegar em 2024. É canção visceral para furar tímpanos, é punk para dançar cheek to cheek…
Em outubro, quatro anos depois da estreia, os Black Pumas lançaram Chronicles of a Diamond. E, ao segundo álbum, a dupla de Austin, Texas, elevou a fasquia: pôs mais soul no seu rock, encheu de cor os seus blues e ofereceu-nos um groove polvilhado de riffs robustos, cordas clássicas e coro gospel, guiado pelo vozeirão de Burton.
Mais do que um hino motivacional, mais do que uma canção de amor, um caso de amor nestes últimos meses do ano.
Foi um dos acontecimentos do ano e deu-nos uma das canções do ano: “Now and Then”, a última canção dos Beatles, a primeira em décadas dos Fab Four (que já são só dois), a nova (velha) canção que John Lennon deixou cantada, com a guitarrada que George Harrison deixou gravada. E, desta vez, o quinto Beatle foi a inteligência artificial.
Os detratores chamaram-lhe uma “canção artificial” de uma banda “que já não existe”. Mas a verdade é que regresso mais esperado de que ninguém estava à espera se revelou o melhor exemplo de como, afinal, a inteligência artificial até pode vir por bem.
E, feitas as contas, deixa os Beatles à beira do pódio.
No primeiro degrau do nosso top 3, está uma canção saída de um lançador de mísseis doces e singelos chamado Javelin, o novo álbum de Sufjan Stevens.
“Will Anybody Ever Love Me?” é dúvida tão pungente quanto adolescente… e de resposta simples e óbvia, como suspeitámos ao longo do ano: sim, Sufjan, toda a gente. Porque é difícil não ficar comovido com esta canção de coração partido em crescendo apoteótico, mais longe dos últimos discos do músico de Detroit, mais cheia de calor humano, mais aconchegante.
De um álbum inteiro dedicado ao companheiro de sempre, uma das mais tocantes canções do ano.
Oito anos depois de Honeymoon, o reencontro de Lizzy Grant com Joshua Tillman deu em canção sedutora como raio de sol a entrar pela janela. Mas aquilo que aqui se canta é a história de um amor às escondidas, às escuras, prestes a desabar, prestes a ficar a descoberto. Afinal, tal como o túnel debaixo da Ocean Boulevard, também este é um segredo mal guardado…
Como acontece com tantas das canções de Lana del Rey, também esta nos faz lembrar qualquer coisa. Talvez por isso nos seja tão familiar, que não hesitámos em abrir-lhe a porta e oferecer-lhe o segundo degrau do nosso pódio.
A melhor canção internacional de 2023, a preferida da equipa da 3, a mais votada por todos nós é música nova de um outro quarteto britânico que, tal como os Beatles, também não lançava novidades há tempo demais e que protagonizou, por isso, um dos regressos — se não mesmo o regresso — do ano.
Se 2023 começou com disco novo dos Gorillaz, o verão ficou marcado pelo novo álbum dos Blur. E é desse primeiro disco em oito anos da banda de Londres que vem a nossa Canção Internacional do Ano: “Barbaric”.
Feito de desamor e melancolia, o capítulo mais catchy da Balada de Darren é, curiosamente, uma das mais pessoais das que Damon Albarn tinha na gaveta. Relato de um Natal particularmente triste da vida do músico, “Barbaric” é não só a melhor canção do álbum como uma das melhores dos Blur.
E marca o regresso mais que perfeito da banda que definiu o britpop… e 2023. It is barbaric.