Caramba, que já foi há tanto tempo. Estávamos em 2002 e aquilo apareceu-nos vindo do nada, ou melhor, apareceu-nos vindo de um apartamento anónimo perdido algures em Birmingham. Espaço aparentemente exíguo, mas, Quim, como era amplo aquilo que dali se via. Em 2002, Mike Skinner, ou seja, The Streets, ofereceu-nos ao mesmo tempo, em hip hop indiscutivelmente britânico, insuflado de garage e a antecipar o grime, uma panorâmica e uma visão microscópica do quotidiano, das ansiedades e das frustrações da vida em Inglaterra no início do século XXI — e as ansiedades e as frustrações daquele futuro que não se antevia com qualquer claridade eram, afinal, as mesmas que sentíamos mapa europeu fora.
Caramba, que isto é mesmo agora. Em 2019, vindo de uma terriola chamada Northampton, habitada por um certo Alan Moore (esse, o criador de, entre muitas outras coisas, V for Vendetta — a banda desenhada, que ele abomina o filme), chega Tyron Kaymone Frampton. Assina Slowthai e põe o dedo na ferida de uma sociedade fraturada. O hip hop, versão britânica, é a força motriz, mas Slowthai também cresceu a ouvir punk rock, e, assim sendo, há nele tanto de Mike Skinner e de Dizzee Rascal quanto de Johnny Rotten. Anda a tomar de assalto a Inglaterra do Brexit e, perante os discursos que se vão ouvindo de saudades do velho império e da suposta superioridade britânica, contrapõe uma afirmação que é, na verdade, um questionamento: Nothing Great About Britain. É o título do álbum de estreia, é a Inglaterra ao microscópio (outra vez). E claro que há algo de nós, habitantes do continente, naquilo que Slowthai diz. Para o confirmar, basta fazer o que fazemos. Ouvir do princípio ao fim. Vamos a isto.
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.