Se há coisa que não muda, é a necessidade contínua de mudança. Os gregos chamavam-lhe a única constante e, mesmo sem internet, acertaram na mouche. Os ciclos não são circulares, a coisa parece avançar em espiral, como um groove que nos leva desde o primeiro som até encalhar na etiqueta e repetir a necessidade de virarmos o disco. Ouvir música juntos como nós fazemos, Mário, de quando em vez parece pôr-nos em sítios parecidos a ouvir refrães semelhantes. E há um refrão que a música ecoa e fotocopia e “sampla” desde sempre: “a change is gonna come”. Um refrão simples que une tudo o que está vivo. E estar vivo hoje é reconhecer que há uma pirâmide de privilégio que tem de ruir, e para isso, mais do que nunca, um bom refrão com uma voz sincera é preciso, é necessário.
Mavis Staples, aos 80 anos, relembra uma lição que o seu pai, Pops Staples, partilhou na gravação do seu primeiro disco: “what comes from the heart reaches the heart”. Mavis é uma das vozes da Stax, uma das vozes que deu corpo à combinação do sagrado e do profano, da soul que aprendeu tudo com o gospel, o blues e o R&B para criar um som duma época. Aos 80 anos, Mavis ainda acredita nesse som, nesse refrão e na mudança. Desta vez, juntou-se a Ben Harper, e fizeram um disco essencial, que em toda a sua simplicidade e verdade nos emociona enquanto nos mostra os retratos da vida dos desprivilegiados e oprimidos. We Get By é um exercício de voz e tradição afro-americana, que desarma e emociona porque no seu estado cru faz-nos acreditar na lição que Mavis aprendeu há muito tempo. We Get By é um disco de soul sem idade, só verdade. Acredita nisso.
Quim Albergaria é um pai e marido que toca nos PAUS e cantava nos Vicious Five. Fala e escreve por profissão, come e bebe por natureza. Moderado evangélico da Livreza e Bacanidão, conversa com Mário Lopes todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.