Primeiro, o choque e, depois, em vez do horror, a entrega já sem resistência. Por vezes, é assim que funciona quando um disco se nos apresenta. Bem sabemos como funciona, Quim. Nisto da relação com a música, há o preto e o branco e há as mil matizes entre uma coisa e outra. Os canadianos Black Moutain e este Destroyer, o quinto álbum de uma carreira inaugurada em 2005 com um homónimo muito aliciante, são uma prova disso mesmo. Primeiro, o choque: mas que são estes sintetizadores a dar para o foleiro, estes arranjos e este som de guitarra a lembrar algumas coisas inenarráveis da parte inenarrável dos anos 1980? E, depois do choque, a entrega: o que parecia foleiro revela outra densidade, e as canções seguintes mostram que de muitas camadas se faz o rock’n’roll dos Black Mountain.
Começaram pelo psicadelismo, muito intenso, muito anos 1970, e foram avançando e alargando o alcance estético. Em Destroyer, álbum que, entre outras coisas, celebra o facto de o vocalista, guitarrista e líder Stephen McBean ter finalmente tirado a carta (o título alude a um modelo de automóvel, o Dodge Destroyer de 1985), os Black Mountain têm o peso e a majestosidade dos Black Sabbath e têm o travo sintético dos anos 1980 dos Cars. Fazem viagens espaciais movidas a bordão elétrico tonitruante e aceleram em road movie corrido a velocidade supersónica.
São muita coisa, muita história do rock, muito desejo de viagem em som, muito prazer no prazer que nos dá a eletricidade bem doseada e o headbanging terapêutico. Quando o álbum chega ao fim, já não nos lembramos do choque inicial. Mas é fixe passar por ele para isto fazer mesmo sentido. Sigam-nos então na viagem completa. Começa agora.
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.