Foto de Emanuel Canoilas
Depois de muita chuva e muito sol na cidade do Porto, chegou o arco-íris Julia Holter. Chamou a atenção do público depois de Have You in My Wilderness, lançado em 2015, onde se afirmou como um nome singular na música pop, género que desafia, combinando-o com uma sonoridade experimental progressiva, para criar uma atmosfera intensa e etérea, muito característica sua.
A cantora e compositora norte-americana tocou no último dia do Primavera Sound, festival do qual nutre já carinho. Antes de pisar o palco, Daniel Belo conversou com Julia Holter.
(Transcrição da entrevista)
[DANIEL] Nos teus últimos trabalhos discográficos tens feito música que podemos chamar de mais íntima, mas aqui no Primavera Sound vais estar num grande palco, num grande festival de verão….
[JULIA] Sim, já tocámos muito no Primavera. Gosto sempre de tocar aqui. O som é ótimo, está tudo muito bem organizado e sinto que ainda há aquele tipo de… bom, ainda há quem se importe com os pormenores sónicos e todas essas coisas. Nós somos quatro em palco. É uma banda um pouco mais compacta do que no passado . Eu adoro ter uma banda grande, mas assim também é muito bom. É o Devin Hoff no baixo, a Beth Goodfellow na percussão e a cantar comigo e o Tashi WADA no sintetizador e na gaita de foles. O Kenny Gilmore, que gravou o disco comigo, está a fazer o som. Por isso, é muito divertido e soa muito bem, Eu gosto muito, muito de o fazer.
[DANIEL] Quando eras muito nova, eras mais tímida e cantavas em segredo para que ninguém te ouvisse. Agora estás a tocar em grandes palcos e grandes festivais. Foi difícil aprender a lidar com toda esta exposição?
[JULIA] Não sei. Acho que já passou algum tempo. Acho que eu nunca cantei a sério até ter… era mais uma compositora que estava nos bastidores, e só depois comecei a cantar. Mas isso foi há muito tempo, quando eu tinha uns 20 anos. Acho que nunca senti que fosse realmente tímida. Sou tímida quando estou a tocar a música de outras pessoas, porque tenho muito medo de destruir a música. isso era verdade quando eu era miúda e tocava em recitais de piano clássico e coisas do género. Eu não era uma pianista espetacular. Adorava piano, mas não era nada de extraordinário, não era assim tão boa como. Havia uma razão para ter medo, porque há muita pressão na música clássica para fazer as coisas na perfeição. Quando comecei a fazer a minha própria música, atuar deixou de ser assustador. Por vezes, quanto mais pessoas, menos assustador é, de uma forma estranha… mas acho que é fixe fazer pequenos espetáculos. E eu fiz muitos pequenos espetáculos durante anos.
[DANIEL] Olhando para alguns dos teus últimos lançamentos, “Behind the Wallpaper” é um disco muito interessante. O entrelaçar do teu canto com os arranjos clássicos criou algo muito diferente e marcante. Como é que esse disco surgiu?
[JULIA] O álbum foi composto por Alex Temple. É muito divertido porque ela o escreveu para a minha voz. Andámos juntas na faculdade e nessa altura ela escreveu uma peça para eu cantar. Foi muito difícil para mim fazê-lo, porque era um estilo clássico e eu não tinha formação vocal. Não sou uma vocalista treinada, por isso não consegui fazê-lo. Apesar disso, ela estudou as minhas gravações e usou isso como base para escrever a música, o que foi muito fixe. Nunca ninguém tinha feito isso, por isso foi um projeto muito invulgar para mim. Começou em 2013 ou 2014, por isso já lá vai muito tempo.
Não gosto de fazer apenas uma coisa, sabes? Gosto de estar envolvida em diferentes projetos. Gosto de mudar e experimentar coisas novas e, definitivamente, gosto de cantar a música de outras pessoas. Como te disse, às vezes tenho medo de o fazer, mas quando consigo aprender… e foi difícil de aprender! Foi muito bem escrita para a minha voz, mas na música clássica cada nota é bastante específica. Não é demasiado complexa como a música de vanguarda. É bastante tonal nalgumas partes, mas continua a ser bastante desafiante para mim cantar, conhecer cada tom, o tom certo e todas essas coisas.
[DANIEL] Há também uma nova faixa que fizeste com Call Super em que preenches as lacunas e os espaços negativos da música com as tuas vocalizações, o que é muito diferente de outros trabalhos recentes que fizeste. Estás a transformar-te mais uma vez, para te adaptares a essa colaboração em particular?
[JULIA] Sem dúvida. Adoro fazer isso! Quis fazer essa faixa porque ela era divertida, percussiva… era diferente, e adoro quando as pessoas me mandam coisas. Não o faço muitas vezes, mas se alguém, como o Call Super, me manda alguma coisa para cantar, é muito divertido para mim deixar-me ir e improvisar coisas. Normalmente uso improvisações. São divertidas e gosto da rapidez com que são feitas. Por vezes é um processo muito fresco. Não quer dizer que não edite as coisas, mas acho que é um processo refrescante trabalhar com a música de outra pessoa. Cantar sobre ela, ou tocar sobre ela… não necessariamente cantar.
[DANIEL] O que é que podemos esperar a seguir? Estás a trabalhar em algo novo?
[JULIA] Sem dúvida. Estou a trabalhar em coisas diferentes neste momento, por isso teremos coisas novas de certeza. A certa altura vão aparecer algumas coisas.