“Nunca me tinha sentido tão vulnerável e livre a escrever”
Os Mini Mansions passaram por Portugal para um dos concertos de abertura para os Muse, no Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras. Vieram apresentar o seu terceiro álbum, Guy Walks into a Bar…, que foi motivo para a conversa entre o Daniel Belo e o vocalista, guitarrista e principal compositor dos Mini Mansions, Michael Shuman.
O também baixista dos Queens of the Stone Age apresenta-nos um álbum muito pessoal, que tem rotação alargada no Disconexo.
Guy Walks into a Bar… Tipo entra num bar. O título do terceiro álbum dos norte-americanos Mini Mansions é uma boa maneira de contar uma história, não necessariamente uma anedota. Esta história vai do início ao fim da última relação de Michael Shuman — vocalista e guitarrista nesta banda, mas também baixista dos Queens of the Stone Age.
Eu não gosto de o classificar como um disco conceptual, porque não o é. Acho que é um registo cronológico que foi sendo feito à medida que as coisas iam acontecendo. É a coisa mais real que já fizemos. Guy Walks into a Bar… Ao princípio, não gostava do título. Achava-o pateta, mas as reticências que estão no fim da frase são aquilo que o disco é. É sobre uma relação que tive que acabou por tomar conta da minha vida, do meu cérebro e que estava a acontecer enquanto fazíamos o disco. Não conseguia escrever sobre mais nada porque só pensava nisso.
Todo um pedaço difícil da vida mostrado assim, num disco, para todos ouvirem. O íntimo feito público. Foi um alívio, uma catarse?
As primeiras canções que escrevi… foi como se nada mais pudesse sair de mim e foi muito bom. Foi libertador. Nunca me tinha sentido tão vulnerável e livre a escrever letras. Era literalmente deitar cá para fora tudo o que tinha cá dentro. Cuspir tudo para um papel e depois para o disco. As músicas do fim, quando as coisas começaram a azedar … Foram mais difíceis de gravar e de escrever. Nem todos as vão achar divertidas. As canções sobre o fim da relação foram difíceis até para o resto da banda que não passou pelo que eu passei. Mas em última análise sim, especialmente quando toco as canções é muito catártico deitar tudo cá para fora.
A vida dos outros membros dos Mini Mansions pode ser coisa complicada. Zack Dawes, o baixista, também toca nos Last Shadow Puppets. Tyler Parkford andou em digressão com os Arctic Monkeys depois de ter gravado os teclados de Tranquility Base Hotel & Casino. Na bateria, está Jon Theodore, camarada nos Queens of the Stone Age. Foi difícil acertar estas agendas para fazer um disco?
Foi. Essa tem sido um pouco a história dos Mini Mansions nestes dez anos. Estamos a fazer outras coisas e é difícil juntar toda a gente. “Vamos passar um ano a gravar o disco no meio da floresta?” Não, é impossível. Acho que foi também por causa disso que sobrou mais para o meu lado. Não foi só por ter estas músicas e estas coisas para dizer, mas também porque eles estavam em digressão quando a maior parte do disco foi escrito. Sobrou para mim, o que foi duro para todos porque há ressentimento e inveja – o que é natural em todos nós e mais nos colegas de banda quando não podes estar lá, dares a tua opinião e fazeres tudo o que queres fazer no disco. Pode haver esse ressentimento, mas em última análise tudo isso permitiu que nos isolássemos e escrevêssemos as melhores canções que alguma vez escrevemos. Até as músicas que o Tyler fez, ele conseguiu estar sozinho, isolado… Foi tudo pensado e realizado.
E foi real. O disco mais real que esta banda alguma vez tinha feito. As letras são reais. E o resto do processo também foi mais real?
É uma boa pergunta. Acho que sim. Liricamente, é o mais real porque acho que tirámos a máscara que usávamos há muito tempo. No meu caso acho que houve alturas em que tive medo … Eu nunca gostei muito de redes sociais e essas coisas. Nunca gostei que as pessoas soubessem o que ando a fazer, que estou apaixonado por alguém, que estive a chorar … Não gosto que as pessoas saibam dessas coisas, mas este disco fez tudo desaparecer e eu agora já não me importo. Talvez por ter 33 anos e estar confortável na minha pele… Não quero saber. E musicalmente… o Jon Theodore entrou para a bateria e deixei de ser eu a ter de fazer essa parte o que nos permitiu fazer tudo o que queríamos. No passado, estávamos um pouco restringidos. Acho que, musicalmente, é o nosso disco mais real.
Vamos parar numa música. “Hey Lover” foi feita desde o início para ser um dueto. É uma das muitas conversas de Michael Shuman, ao telefone com a sua ex-companheira, longe um do outro. A canção tinha de ter uma voz feminina, e a escolha foi quase automática: Alison Mosshart, vocalista dos Kills e grande amiga.
Na demo que gravei, sou eu a cantar tudo, mas foi feita para ser uma conversa. Uma conversa que tive muitas vezes quando andava em digressão e ligava para casa. Sabia que queria uma voz feminina – todos queríamos muitas vozes femininas no disco, aqui e ali. A Alison é minha amiga há muito tempo, apoiou a banda desde o início, levou-nos em digressão com os Kills… Sempre a admirei muito, acho que ela é uma grande performer, cantora, poeta, artista. Quando lhe mostrei a música, ela adorou. Eu sabia que podia contar com ela para dar à música a energia que a música pedia. Se convidasse uma pessoa que não conheço… Sei lá, podia ter ligado à Taylor Swift para a convidar para cantar, mas acho que não íamos ter essa dinâmica. Nós já somos amigos, ela percebeu, e tivemos um ótimo diálogo em estúdio.
O novo álbum dos Mini Mansions acabou de sair, mas a banda já tem vindo a tocar as novas músicas ao vivo há algum tempo. Qual tem sido a reação dos fãs e do público?
A melhor de sempre. A primeira vez que tocámos as músicas novas para os nossos fãs e para outros, porque nós sempre fomos uma banda de suporte e temos aberto para muitas bandas incríveis. Quando andámos em tour com os Arctic Monkeys, tocámos alguns dos novos temas e foi completamente diferente daquilo a que estávamos habituados. Bem melhor. Termos o Jon na bateria fez-nos perceber que era isto que devíamos andar a fazer há muito tempo. Acho que estas canções estão a ser apreciadas por mais pessoas, não apenas pelos fãs da banda.
Foi precisamente como banda de suporte que os Mini Mansions vieram a Lisboa. Abriram para os Muse no Passeio Marítimo de Algés a meio da semana. Perguntei ao Michael Shuman se ele vê estes concertos como uma boa oportunidade para captar novo público e se fica mais nervoso com a responsabilidade de estar num palco tão grande.
Honestamente, não fico mais nervoso nestes concertos, mas há uma certa luta quando estás lá em cima. Estás a tentar ganhar novos fãs e ao mesmo tempo estás a tentar provar algo a todas aquelas pessoas. É dificil e só tens meia hora para o fazer. Meia hora em que as pessoas andam de um lado para o outro a beber cerveja e a comer cachorros…
Tipo speed dating.
Isso mesmo. É uma boa maneira de pôr as coisas. Nos teus concertos, é outra coisa. Relaxas, tocas hora e meia e consegues estabeler uma ligação com as pessoas que já te conhecem e que sentem e respeitam aquilo que fazes. Gosto das duas situações, mas estou entusiasmado com a perspetiva de fazermos a nossa própria digressão para tocarmos este disco e estas novas canções. É isso que quero fazer.