FKA Twigs e Róisin Murphy foram a confirmação de dois belíssimos concertos. Azealia Banks, felizmente, foi uma ótima supresa. E Scissor Sisters uma boa viagem na memória.
Na segunda noite de Kalorama, no Parque da Bela Vista, em Lisboa, tivemos que esperar até ao último concerto para termos o principal destaque da noite. Era esperado e cumpriu: FKA Twigs regressou a Portugal, no ano em que lançou o novo disco “Eusexua”, e não desiludiu. Um espetáculo tremendo, em todos os sentidos: som, luz, coreografias e voz imaculada da britânica, bem à medida do palco MEO no gigante parque da Bela Vista que voltou a ter muita dificuldade para ficar bem composto de público.
Nas caminhadas colina acima-colina abaixo reencontram-se as mesmas caras, constantemente. O espaço é tremendo, mas, de facto, grande demais para a dimensão do cartaz deste ano. Sim, é óbvio que nomes como Pet Shop Boys na primeira noite, Scissor Sisters na segunda noite, acabam por trazer muita gente que vem à procura de dançar. E se pensarmos na segunda noite, sexta-feira, dia 21 de junho (olá verão!) foi o que tivemos no menu: do início ao fim do dia.
Mesmo que, em certas alturas, os ritmos dançantes tenham vindo de onde (para alguns) menos se esperava: os lisboetas MAQUINA ou Model/Actriz (já lá vamos). Os primeiros, com o seu krautrock dançante – com linhas de baixo pulsadas a puxar pela bateria superdinâmica que não deixa os joelhos ficarem quietos. Seguiram-se os portugueses Best Youth, a apresentar o mais recente “Everywhen”, mas que acabaram por percorrer todos os sucessos bastante reconhecidos. Sim, Ed Rocha Gonçalves e Catarina Salinas são super competentes na entrega das canções – que tão bem conhecemos na Antena 3 – mas fica sempre a sensação que está a faltar um pouco mais de músculo sonoro nas atuações.
Seguimos então para Model/Actriz – os norte-americanos de Boston que vieram com um disco novo “Pirouette” – que talvez tenha sido a banda que mais alto tocou na história da Bela Vista. Quer dizer: não temos certezas quânticas sobre isso, mas temos os ouvidos a zumbir desde as 20h54: suor, velocidade, potência nos riffs e feedbacks. Sim, tiveram tudo isso no palco, ainda que, por vezes, os desafios à dança não tenham sido os mais apelativos, com um mosh-pit muito calminho durante mais de metade do concerto – quando nada o faria prever, tal a potência de som. Os últimos quatro temas lá acabaram por abanar jangadas, fizeram rodopiar muitos festivaleiros e toca a seguir para Azealia Banks.
E para quem vinha à espera de polémica – sim, toda a gente sabe que a rapper de Detroit diz aquilo que tem a dizer nas redes sociais e nunca deixa nada nem ninguém sem resposta – deu um belíssimo concerto. A desfilar canções que soam sempre a conhecidas (para lá da mítica “212”), muito por culpa dos instrumentais que tão bem escolheu para cuspir o seu rap veloz e assertivo: beats à moda dos SNAP!, nos idos anos 80, ao estilo 808 drum machine que, sejamos sincero, funciona muito bem numa noite que se prometia muita dança. Vestida como uma bailarina de alterne, Azealia Banks apareceu solta, divertida, a percorrer o palco de ponta a ponta, com o seu DJ (“my boyfriend!”, apresentou a meio do concerto) a dar-lhe força e confiança para rimar por cima das pistas.
Os também norte-americanos Boy Harsher foram como que uma pequena pausa para petiscar e refrescar. Às 22h45 de sábado à noite atiraram-se a batidas que fizeram lembrar muitas vezes uns Chormatics de pitch acelerado; outros festivaleiros falavam da série “Stranger Things” na pista de dança: a verdade é que não se escutaram muitas canções das quais tivéssemos guardado memória. Serviram, isso sim, para dar um bom mote de arranque para mais uma descida da colina da Bela Vista até ao Palco MEO onde os Scissor Sisters deram o primeiro concerto na Europa desde há 12 anos.
Sem a companheira de sempre, Ana Matronic, Jake Shears trouxe duas vocalistas convidadas para uma hora de regresso às memórias: os norte-americanos fizeram verdadeiros hinos dançantes no início da década de 2000 e foi o que, literalmente, desfilaram. Jake Shears, com os falsetes quase impecáveis, e uma energia de João Baião, foi o catalisador da festa que, muitas vezes, fez lembrar um… musical ou teatro de revista. Para muitos – os mais velhinhos – terá sido emocionante. Para quem deixou passar 12 anos sem conhecer os Scissor Sisters talvez tenha sido só um momento de sorrisos nos lábios.
E já faltavam cinco minutos para a uma da manhã quando a irlandesa Róisín Murphy voltou a subir ao palco da Bela Vista. Sempre igual a si própria: confiante e empolgante, Róisín – que tinha estado no Kalorama em 2022 – voltou em 2025, desta feita com um disco que está prestes a celebrar um ano de vida, “Hit Parade”.
Róisín Murphy faz do palco uma espécie de catwalk, um espaço de desfile: troca de roupa em cada tema, põe ou tira acessórios à medida do feeling da canção; sentimento esse que é dado por cinco músicos (de percussionistas a programadores) que a acompanham. Sim, os temas ganham vida nova neste palco, mesmo os clássicos imperdíveis dos saudosos Moloko, num verdadeiro live set que flutua por vários espectros: é íntimo, é meditativo, é dançante e, com Róisín, com a garantia de ser muito cool. Longa vida a esta grande senhora.