Lembro-me de ver há uns anos um documentário sobre uma digressão dos velhos Crosby, Stills, Nash & Young. Instigados pelo sempre irrequieto Neil Young, meteram-se à estrada para protestar contra George W. Bush e contra os restantes criminosos que inventaram uma guerra no Iraque e no Afeganistão. Atenta então nisto que aconteceu, Quim. Uma série de gente que pagara para ver o concerto e que, portanto, presume-se que sabia quem ia ver abandona os concertos, indignadíssima, reclamando “vim aqui para ouvir música, e eles têm é que tocar e não estar a fazer política”. É curioso, não é? Como se a música fossem só as notas musicais do contentamento de quem ouve, desligadas do mundo em volta, desligadas daquilo que são aqueles que as tocam.
Como sabemos, pelo menos, desde que o Elvis abanou as ancas na TV — e foi uma escandaleira porque aquele jovem ia levar toda a juventude ao pecado —, a música popular urbana é sempre mais do que simplesmente as notas tocadas e o ritmo marcado. É por isso que Hunter, o novo de Anna Calvi, o terceiro álbum da guitarrista inglesa, é tão interessante. Porque tem a genealogia musical que ela absorveu e tornou sua — de PJ Harvey aos Talking Heads ou a Nick Cave — e porque é ela a colocar-se totalmente nas canções. Ela, Anna Calvi, lésbica, mulher, caçadora e objeto de desejo, ser humano que habita a Terra neste ano 18 do século XXI.
Hunter é só música e, portanto, também é mais do que simplesmente notas musicais bem encadeadas e ritmos na cadência certa. É por isso que é tão fixe de ouvir. É isto, não é, Quim?
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.