Quando há uns anos o vi a tocar ali para os lados da Estação do Rossio, em Lisboa, fiquei entusiasmado com o rock’n’roll que era animado pela soul, senti que havia naquela voz e naquela postura algo de um dos grandes heróis malditos da história da música popular urbana, o senhor Arthur Lee, o dos Love. O álbum apresentado, o primeiro, até tinha título que podíamos ler como manifesto: Soul Power. Era uma frase batida, mas uma daquelas que, quando bem aplicada, fica sempre muito bem.
Este novo senhor, de seu nome Curtis Harding, cresceu a cantar o gospel com a mãe e a ouvir a irmã a tornar-se MC. Também quis ser MC, mas acabou a juntar-se a CeeLo Green, andou por perto dos OutKast (tudo óptima gente), mudou-se para Atlanta e tornou-se grande amigo de Cole Alexander, dos sempre admiráveis Black Lips. Percebeu como há tanto a unir o rock’n’roll, a soul, o rhythm’n’blues e o hip hop.
Soul Power foi o primeiro passo, ainda sem síntese, e chegou em 2014. Três anos depois, Quim, mostraste-me que havia algo de novo no universo do nosso Curtis. Em Face Your Fear, cordas sumptuosas, voz a exprimir soul à séria, baixo bem medido e psicadelismo à moda Temptations (por exemplo), quando eles decidiram armar a barraca com cores garridas (grande álbum, esse Psychedelic Shack, de 1970). Tudo certo quando um homem sabe o que quer e avança nessa direcção sem titubear. Parece ter sido isso que fez Curtis Harding. Bem lembrado, trazê-lo até nós, Quim. Tratemos de o mostrar ao resto da malta.
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.