São aqueles efeitos primários e secundários de gostar tanto de música e tê-la como medida de tanta coisa na vida, não é, Quim? Metemo-nos a ouvir uma canção e ficamos a apreciar todos os sons que a fazem, românticos entregues às sensações, mas, algures, o nosso cérebro fica a fazer das suas, a criar mapas imaginários que ligam aquilo que ouvimos a tudo aquilo que ouvimos antes, quais cartógrafos da melomania. É inevitável, não temos como escapar. Um som de bateria guia-nos a um produtor que muito apreciamos, um riff de guitarra reabre a porta para aquela banda que guardamos com carinho no coração, uma entoação da voz diz-nos que há sempre outra vozes dentro das vozes que ouvimos.
Ouvir o segundo álbum a solo do Dan Auerbach, Waiting on a Song, é entregarmo-nos sem pruridos a esse exercício duplo, o ouvir romântico e o esmiuçar científico, chamemos-lhe assim. O vocalista e guitarrista dos Black Keys gravou-o no seu estúdio de Nashville, rodeado de grandes músicos de sessão de ontem e de hoje, e cada canção leva-nos a outras: o country-rock de Muscle Shoals, a soul de Filadélfia, a folk no alpendre com vista ampla pela frente, o voodoo de Nova Orleães praticado por Dr. John. É o Dan a brincar aos seus heróis e a ser muito sério na brincadeira. E nós a sentir os efeitos primários e secundários. Todos entusiasmados e muito sérios nesse entusiasmo.
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.