Olá, Quim
Conhecemos bem o prazer de ver os grandes mestres definirem uma linguagem, matéria nova, matéria só deles, inimitável mas disponível para ser aproveitada por quem quiser. É por isso que admiramos o Muddy Waters e o João Gilberto, o Fela Kuti ou o James Brown, o John Coltrane ou o Johnny Cash. E, no caso de muitos, admiramo-los pela capacidade de, linguagem definida, continuarem a falar nessa língua só deles, imutáveis, mas parecendo outros sempre que os ouvimos – os Rolling Stones são os Rolling Stones e não precisamos que mudem.
Mas também há o outro lado – há sempre o outro lado. O dos irrequietos, o daqueles para quem a transformação e a mudança constante é a própria linguagem, é a forma de serem eles mesmos, sendo sempre diferentes – David Bowie ligou, não foi? Os MGMT, que chegaram com estrondo há uma década, quando ofereceram singles como “Time to pretend” ou “Kids” aos miúdos da sua geração, capturando o sabor dos tempos com inspiração, agilidade pop e olhar clínico e bem humorado, pertencem à categoria dos irrequietos. Não o sabíamos quando lançaram “Oracular Spectacular” em 2007, mas começámos a suspeitar três anos depois, com o psicadelismo em glorioso “technicolor” de “Congratulations”. E depois chegou o álbum homónimo, “freakalhada” à séria, e as suspeitas confirmaram-se. Os MGMT só são verdadeiramente os MGMT se experimentarem, se mudarem, se se entregarem, felizes da vida, a uma metamorfose constante.
“Little Dark Age”, este álbum que ouvimos agora, é mais uma etapa da transformação. Venham daí os sintetizadores 80s, afine-se a veia pop, com indispensável ponto de fuga psicadelizada, e vamos nisto de comentar o mundo em volta com um pincelada de surrealismo. Vamos? Vão eles. Nós, Quim, sentamo-nos a ouvir os MGMT; os mesmos, novamente diferentes.
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.