Sabemos lá nós o que é a guerra e ter que fugir da guerra para salvar o que mais prezamos. Não, Quim, felizmente, disso nada sabemos. Conhecemos histórias, lemos sobre tragédias, agora, a verdade é certamente outra coisa. Mas sabemos reconhecer o rosto da vitória, ou a da coragem que lança um olhar altivo sobre a barbárie. E vemos esse olhar nos Songhoy Blues. Nasceram da tragédia, quando foram obrigados a fugir no norte do seu país, o Mali, tomado pela cegueira e violência extrema de fundamentalistas islâmicos. Esconderam os instrumentos sob a roupa e partiram para poder continuar a tocar — o novo regime impedia os músicos de o fazerem.
Viajaram para o sul, para a capital Bamako, centro de um país em que a música faz parte do dia-a-dia, todos os dias. Foi aí que Garba Touré encontrou Aliou Touré, foi aí que Oumar Touré e Nathanael Dembelé encontraram os outros dois. Apesar dos apelidos, não se conheciam antes de se verem numa mesma sala a ouvir a música da região de que tinham fugido e a perceberem que, se um era guitarrista, se outro também o era, se aquele era baterista e o outro baixista, então a banda já estava completa. Pegaram na tradição musical riquíssima do seu país, naquilo a que chamamos o blues do deserto, juntaram-lhe o James Brown e o Jimi Hendrix que os pais ouviam em casa e de que eles tanto gostavam e nasceu um combo rock tuaregue que não tardou a saltar fronteiras.
Résistance é o segundo álbum. É o som de uma vitória. Uma vitória feliz e vibrante — a música não engana. Não, a barbárie não passará. Temos estas canções para o provar.
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.