Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
John Cooper Clarke – “Gimmix! Play Loud”
Topper Headon, o baterista dos Clash, lembra-se bem dele. Era o tipo muito magro, de cabelo comprido desgrenhado e óculos escuros, que fez algumas primeiras partes dos autores de “London Calling”. Mas ele, John Cooper Clarke, não tinha banda. Era só ele em palco, sem nada mais que umas folhas de papel à frente dos olhos. Topper Headon lembra-se bem disso e de o achar, para além de muito magro, um homem muito corajoso. O público queria riffalhada e ritmo acelerado, queria punk-rock, e John Copper Clarke oferecia-lhes a sua voz a recitar poemas num sotaque cockney cerrado.
Uma das maiores qualidade do punk foi ter sido expressão nascida na música mas que a extravasou rapidamente, inspirando cineastas, fotógrafos, artistas plásticos, designers. Com ele, nasceu uma vontade de olhar o mundo de forma diferente, uma pulsão vital que procurava derrubar o que de velho e gasto existia numa sociedade caduca e injusta para criar algo novo no seu lugar. Isso podia fazer-se com uma guitarra, com uma câmara de filmar ou com pincéis e uma tela. “Punk é atitude”, diz-se. É cliché e é totalmente verdade. Temos John Cooper Clarke como prova.
Vindo de Salford, no noroeste inglês, começou por actuar nos clubes folk de Manchester. Porém, foi com a chegada do punk que encontrou verdadeiro lugar para a sua poesia, que detalhava com vivacidade a vida inglesa do seu tempo, a das ruas, dos pubs, das casas sem aquecimento, das férias em Maiorca, a relatada na imprensa tablóide e a vivida nas festas onde a erva rodava de mão em mão.
John Cooper Clarke era realmente um homem corajoso. Enfrentava público que reproduzia o que vira os Sex Pistols fazer e que lhe cuspia enquanto actuava e enfrentava o ruído de quem não queria ouvir os versos que recitava. No fim ganhava sempre. Impunha-se pela postura e pela poesia dita com humor e ritmo marcado. Impôs-se tanto que passou a ser um deles, passou a uma das figuras do punk. E, como tal, pôs a sua poesia em disco com música a acompanhar. O responsável foi Martin Hannett, o genial produtor dos Joy Division.
Hoje é adorado pelos Arctic Monkeys ou pelo rapper Plan B, tem nos Sleaford Mods uns dos seus seguidores e continua a ser respeitado pelos seus companheiros de geração. É o “poeta punk”, o “bardo de Salford” ou, nas suas próprias palavras, “a voz por trás do corte de cabelo”. Em 1979 foi também (quase) uma estrela pop. Nesse ano, a figura de culto chegou ao Top 40 com o single“Gimix Play Loud”, construído com batida e guitarras pós-punk e ruídos salteados a rodearem os versos. Era John Cooper Clarke a mostrar-se a toda a gente e, a partir dali, tornou-se impossível não reparar no punk sem banda e sem guitarra. O punk que nunca cantou.
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso