Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
The Vibrators – “Stiff Little Fingers”
É possível ser absurdamente clássico e moderno ao mesmo tempo? Elementar, meu caro Watson. Claro que sim. Nos gloriosos tempos do punk original, não faltam disso exemplos. Ponhamos os olhos nos Vibrators. Cantavam “sweet, sweet heart” com ligeireza pop e sussurravam “you’re so pretty” em baladas rock chamadas “Baby, Baby”. Eram fiéis ao rhythm’n’blues de olho azul dos Small Faces, seguidores do glam de Mott The Hopple e David Bowie, eram gente com refrões certinhos na ponta da língua e solos de guitarras prontos a servir – e muito bem temperados. Mas também eram banda que andou pelo Roxy e pelo 100 Club, dois epicentros do punk londrino, que partilhou palcos com os Sex Pistols e que andou a percorrer Inglaterra nas primeiras parte da digressão de 1977 de Iggy Pop. Muito bem, e isso quer dizer que os Vibrators eram então o quê exactamente?, pergunta o caro leitor.
Eram uma banda a sorver o sabor dos tempos e a escolher o lado mais excitante. Eram uma banda que conhecia bem a história do rock’n’roll, do pioneiro Chuck Berry aos Rolling Stones, dos Small Faces e dos The Who aos heróis underground Flaming Groovies, e desses a heróis do pub rock britânico como os Dr. Feelgood ou os Kilburn And The High Roads.
Neles, a vibração não era política, não era manifestação em letra gritada de uma insatisfação latente, não era simbólica de um terramoto a abanar os alicerces da sociedade. Era só rock’n’roll e as ondas sonoras do rock’n’roll a soltar-se nas colunas da rádio e a atravessar pistas de danças e as plateias dos clubes. Era só rock’n’roll e ficava-lhes tão bem assim, directo ao assunto e sem exibicionismos estéreis, como ouvimos em “Pure Mania”, álbum que os Vibrators editaram no ano certo, 1977.
Nele, deixaram uma série de clássicos “boy meets girl” devidamente vitaminados e crus como se desejava. Três acordes bem medidos, coros para dar força ao refrão e sai um “She’s bringing you down”, um “London girls”, um “I need a slave”.
Sim, eram absurdamente clássicos e totalmente modernos. Eram rock’n’rollers a mostrar que o punk, sendo um corte e a erupção de algo novo, era também a continuação de uma história rica. Só era necessário saber para onde olhar e o que escolher. E os Vibrators, que tiveram primeira vida breve – separaram-se em 1980, reuniram-se novamente anos depois e ainda por cá andam -, sabiam muito bem como fazer ambas as coisas. Não foi por acaso que uma banda lá longe na Irlanda do Norte escolheu como nome de baptismo o título de uma das suas canções. Nestas coisas, não há acasos.
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso