“O produtor quer deixar-nos mesmo desconfortáveis a tocar”
Os barcelenses Black Bombaim estão de volta ao trabalho. Depois do disco cósmico-psicadélico feito a meias com Peter Brötzman, o trio formado por Tojó Rodrigues, Paulo “Senra” Gonçalves e Ricardo Miranda volta a meter a carne no assador para cozinharem um novo álbum que, como tem sido apanágio, promete vir com estrondo — ainda que não se saiba bem o que daí virá.
Sabe-se apenas que os Black Bombaim estão confortáveis no desconforto e não viram a cara a um bom desafio que os faça cavalgar para o desconhecido. “Claro que podíamos estar a fazer um disco só com as nossas ideias, mas isso era fazer só mais um disco de Black Bombaim e isso, agora, não nos faz muito sentido”, diz Tojó Rodrigues em vésperas de se juntarem a Pedro Augusto — Ghuna X e mentor de Live Low — na primeira de três resistências artísticas com três produtores diferentes. Além de Augusto, estão já acertados momentos criativos com Luís Fernandes (Peixe:Avião) e com Jonathan Saldanha (HHY & The Macumbas). Cada uma dessas residências artísticas vai culminar sempre num ensaio aberto ao público. Os Black Bombaim desafiam o provérbio “quem está fora não racha lenha” e convidam os interessados em conhecer o processo criativo no Círculo Católico e Operário do Porto — o CCOP — sábado, dia 16 de dezembro. O que dali virá ainda não se sabe bem e Tojó ainda não consegue adiantar muito. Tem um ou dois feelings, contudo: “Não sei se se vai poder esperar muito rock psicadélico… Vamos ver! Ou então sim! Vai ser mesmo uma surpresa. Espero que os ensaios também sejam uma surpresa para as pessoas.”
Tojó, o que é que já existe de novo disco de Black Bombaim para mostrar já ao vivo, em concerto?
Nós não lhe chamamos bem “concerto”: é mais um ensaio aberto. O disco vai ser constituído por três colaborações com três produtores diferentes. A diferença desta colaboração, para as outras que temos feito noutros discos — La La Ressonance ou Peter Brötzman — é que desta vez parte tudo do produtor. Seja a ideia da música, a construção… claro que damos o nosso input, mas queremos canalizar as ideias que eles têm sobre aquilo que nós, Black Bombaim, podemos fazer. Temos vindo a ensaiar, e temos o ensaio aberto [sábado no Círculo Católico e Operário do Porto] com o Pedro Augusto, com quem temos vindo a conversar nos últimos tempos e a explorar já alguns sons. Desde quarta-feira que estamos em residencia no CCOP. No sábado queremos mostrar aquilo que já temos feito.
Confesso que quando descreveste este trabalho de criação com os produtores, de serem uma espécie de veículo para as ideias dos produtores, imaginei os Black Bombaim como uma orquestra.
Sei que pode parecer assim, mas não há muito essa aproximação. Até porque o produtor não é tanto o maestro nem só compositor. Nós também não estamos só a ler pautas ou a executar. Também fazemos parte da composição, é um trabalho conjunto. Uma ideia que está na cabeça do produtor pode não vir a ser executada da forma que ele tinha pensado. Vai ser a nossa forma de ver e de tocar que vai influenciar o resultado final.
“O disco vai ser constituído por três colaborações com três produtores diferentes. A diferença desta colaboração, para as outras que temos feito noutros discos é que desta vez parte tudo do produtor”
É interessante a ideia de abrirem a porta às pessoas, de deixá-las entrar para um espaço que costuma ser tão íntimo e pessoal, que é o da criação. Nunca tinham feito isto, pois não?
Não, deixar entrar o público não. Nós vamos estar já mesmo a gravar e aquilo que sair poderão, ou não, serem takes a usar no disco.
E que ideias é que já discutiram com o Pedro Augusto nesta primeira abordagem criativa? Do que é que falaram?
(risos) Deixa ver se me lembro, porque já começámos a falar há algum tempo… foram muitas trocas de músicas para emparelhar gostos. Falámos muito sobre sons diferentes, de ideias que ele tinha para o som de Black Bombaim — que ele conhece. Ele conhece o som dos nossos instrumentos, mas ele quer deixar-nos mesmo desconfortáveis a tocar.
“Uma ideia que está na cabeça do produtor pode não vir a ser executada da forma que ele tinha pensado. Vai ser a nossa forma de ver e de tocar que vai influenciar o resultado final”
Já tocaram, entretanto? Como é que se sentiram a tocar
Fizemos alguns ensaios — poucos. Como é que nos sentimos? Desconfortáveis! (risos) No início foi diferente, mas bastou perceber o que é que ele queria e entrámos todos no mesmo comprimento de onda e começou a fluir. Agora vamos é levar isso para a residência e trabalhar ainda mais neste ponto de união entre as ideias dele e as nossas.
Vamos falar um bocadinho do Pedro Augusto, ele que teve muito tempo o projeto de Ghuna-X e agora Live Low. Porquê o convite ao Pedro? São universos estéticos que vos entusiasmam?
Sim, claro. O nosso guitarrista, o Ricardo, também tocou com Live Low. É uma relação que temos há muito tempo com o Pedro Augusto, até porque foi ele que masterizou o nosso primeiro disco, o Saturdays And Space Travels. Temos coincidido bastante nos últimos tempos e então pareceu-nos uma escolha lógica para esta altura, porque também gostamos muito do que ele faz. Tanto ele como o HHY [Jonathan Saldanha] também já tinham colaborado connosco no Titans, o nosso segundo disco…
“Como é que nos sentimos? Desconfortáveis! (risos)”
Já lá vamos aos outros dois produtores. Mas vocês conhecem bem o trabalho do Pedro Augusto, ele conhece o vosso e os vossos gostos. É interessante essa tentativa de irem à procura do desconforto através de alguém que vos é próximo.
Exato: o desafio também é esse, ele querer deixar-nos desconfortáveis porque também já nos conhece (risos). Quando falamos em desconforto não quer dizer que nos vamos andar a picar com agulhas, mas também acho que não vai soar a Black Bombaim normal…
O que é isso de “Black Bombaim normal”?
Não sei! Também não se pode dizer esse “normal” porque cada disco foi diferente. Não há uma versão standard de Black Bombaim. Mas não sei se se vai poder esperar muito rock psicadélico… Vamos ver! Ou então sim! Vai ser mesmo uma surpresa. Espero que os ensaios também sejam uma surpresa para as pessoas.
“Quando falamos em desconforto não quer dizer que nos vamos andar a picar com agulhas, mas também acho que não vai soar a Black Bombaim normal…”
Deixa-me então perguntar sobre os outros dois produtores com quem vão trabalhar, e que já estão definidos, não é?
O próximo, cuja residência deverá ser em fevereiro, será o Luís Fernandes dos Peixe:Avião — ele foi convidado do nosso disco no Far Out — e em abril será o HHY, Jonathan Saldanha, também dos Macumba, que admiramos muito e que já trabalhou connosco algumas vezes. Tem uma cabeça com ideias interessantes.
O disco deverá chegar no primeiro semestre de 2018?
Essa é a ideia da editora… acho que sim. Vamos trabalhar agora com calma. Serão três momentos muito diferentes que podem nem vir a ter momentos parecidos uns com os outros e montar um disco vai exigir algum pensamento.
Os Black Bombaim fazem um ensaio aberto este sábado, 16 de dezembro, no Centro Católico e Operário do Porto a partir das 22h. Entrada livre.
É muito interessante esta forma de trabalhar com parecerias e fazerem discos partilhados: com os La La Ressonance e depois com o saxofonista Peter Brötzman. Gostam de adicionar novos elementos para o meio das vossas ideias?
Claro que sim, porque só assim, a trocar ideias com outras pessoas, a colaborar, é que se aprende. Claro que podíamos estar a fazer um disco só com as nossas ideias, mas isso era fazer só mais um disco de Black Bombaim e isso, agora, não nos faz muito sentido.
Encontras alguma caracteristica comum entre cada um dos produtores ou achas que têm estilos diametralmente opostos?
Eles são diferentes. Não digo que são demasiado opostos, até porque alguns deles já trabalharam juntos e conhecem-se. Acho que o maior ponto de ligação entre toda a gente aqui foi mesmo todos nos conhecermos e estarmos todos com vontade de levar isto para a frente e não ser uma coisa… “encomendada”.
O novo disco será produzido por Pedro Augusto (Live Low e Ghuna X), Luís Fernandes (Peixe:Avião) e Jonathan Saldanha (HHY & The Macumbas)
Então em fevereiro e abril vão haver mais residências e ensaios abertos para os outros momentos do disco, é isso? Já sabem onde vai ser?
Ainda não, ainda vamos ver. Mas faz parte do projeto ser sempre através de residências e de espaços abertos. Mas está a ser um processo novo para nós, difícil explicar. Estamos a aprender enquanto fazemos.
Entrevista: Bruno Martins