por Paula Guerra
Os Ramones fazem parte de um reduzido conjunto de bandas que marcaram não só o punk, mas toda a história musical. A questão que se coloca aqui é: como é que isto aconteceu? Como é que uma banda de músicas de dois minutos, bastante semelhantes entre si, com três acordes, conseguiu atingir tamanha posição? Como é que o seu apelo conseguiu ultrapassar as fronteiras do punk? E no que nos concerne mais particularmente, como é que os Ramones foram recebidos em Portugal e que influências provocaram, ao nível da formação de bandas e do desenvolvimento de um ethos de do-it-yourself?
Excerto da canção “Blitzkrieg Bop” (1976), dos Ramones
Hey ho, let's go! hey ho, let's go! Hey ho, let's go! hey ho, let's go! They're forming in straight line They're going through a tight wind The kids are losing their minds The blitzkrieg bop They're piling in the back seat They're generating steam heat Pulsating to the back beat The blitzkrieg bop Ramones - Blitzkrieg Bop
Ramones: a banda que criou o punk sem saber.
Os primórdios da banda podem ser traçados em 16 de agosto de 1974, quando deu o seu primeiro concerto no mítico CBGB (Country Bluegrass and Blues). Depois deste concerto seguiram-se mais de 200 no mesmo local. E o choque que os Ramones provocaram não podia ser maior. Como Legs McNeil, um dos fundadores da revista Punk, descreveu: “Eles vestiam casacos de couro pretos. (…) Eles eram impressionantes. Estes tipos não eram hippies. Aquilo era algo completamente novo” (In Rojas & Michie, 2014: 284). Estamos perante o regresso às origens do rock’n’roll, uma recusa do virtuosismo e da complexidade musical do rock progressivo e de todos os maneirismos a ele associados.
Surgia, então, uma atitude musical e visual que desembocaria naquilo que agora denominamos punk. No seu livro, Dee Dee Ramone e Veronica Kofman (2002) defendem que existem duas teorias sobre o nascimento do punk. Uma delas perspetiva a emergência do punk de algo intelectual e teórico, com inspiração em movimentos radicais como o anarquismo. A outra considera que o punk surgiu da revolta de um grupo de adolescentes face às regras impostas pelos pais e pela sociedade e face ao rock sem graça dos anos 1970, com recurso a guitarras. Para Dee Dee, as bandas que surgiram sob a influência dos Ramones eram compostas por pessoas que viviam em meios conflituosos e instáveis, o que explica a escolha daquela forma de expressão artística envolta em revolta: “o punk rock é coisa de miúdos enraivecidos que sentem que podem criar qualquer coisa” (Ramone & Kofman, 2002: 56).
Imagens 1 e 2
Dee Dee Ramone
Fonte: Dee Dee Ramone (Facebook group)
Certo é que, em 1976, decorrente das suas atuações no CBGB, onde começaram a ganhar fãs, obtiveram a possibilidade de assinar por uma editora, a Sire Records, e gravar o seu primeiro álbum, Ramones. Apesar de não ter sido o sucesso comercial que a editora esperava, tornou-se, porém, num marco na história punk: é o álbum que inaugura toda a história punk, que viria a influenciar todo um movimento punk inglês, com bandas como os Sex Pistols ou The Clash. Uma petit histoire serve para demonstrar este papel formador dos Ramones: Joe Strummer, vocalista dos The Clash, revela que Sid Vicious, baixista e vocalista dos Sex Pistols, e Paul Simonon, baixista dos The Clash, aprenderam a tocar com o primeiro álbum dos Ramones.
Apesar de algumas mudanças na composição da banda, na memória coletiva ficaram quatro Ramones (a história da opção do sobrenome Ramone é alvo de inúmeras teorias e especulações ainda hoje): Joey Ramone na voz, Dee Dee Ramone no baixo, Johnny Ramone na guitarra e Tommy Ramone na bateria. Estiveram juntos 21 anos e deram mais de dois mil concertos, o último dos quais a 6 de agosto de 1995, dando por terminada a carreira da banda cuja música, e recorrendo novamente à opinião de Legs McNeil no documentário End of the Century: The Story of the Ramones (2003), “salvou o rock’n’roll e influenciou milhões de miúdos em todo o mundo”. Mark Prindle, por seu lado, num artigo na revista Spin, adiantou uma contagem interessante: uma banda cuja carreira durou 21 anos e 14 álbuns, somando, até 2009, 48 álbuns de tributo (e a contar!). Tão simples quanto isto que diz Joey Ramone: “Elvis Presley era punk, Jim Morrison era punk. Houve muita gente que foi punk e não tinha nada a ver com o estilo do cabelo ou coisa assim. Tem mais a ver com a rebeldia” (In McNeil & McCain, 2006: 380).
Nada mau para uma banda que, para muitos, inicialmente mal sabia tocar, cujas músicas eram de uma extrema simplicidade musical e lírica. Mas estas características, que em outras bandas podiam ser vistas como negativas, acabam por ser, no caso em concreto, um ponto-forte. Umberto Eco, em Travels in Hyperreality, ao falar do filme Casablanca, referia que um ou dois clichés fazem-nos rir, mas se juntarmos os clichés todos, eles têm o efeito de nos surpreender e mobilizar emocionalmente. O mesmo pode ser dito sobre os Ramones. Eram sinónimo de um regresso à simplicidade da música e do estilo, à possibilidade de que todos, mas mesmo todos, podiam pegar num instrumento e formar uma banda; eram também o epíteto da urgência, ou não tivesse a banda editado três álbuns em 18 meses e álbuns em que a totalidade das músicas perfaziam pouco mais de trinta minutos. A este propósito tomemos em consideração a descrição que Savage faz da música dos Ramones: “A mistura era simples mas artística: uma rítmica muito simples (sobre os dois canais) fornecia uma estrutura de base para as vozes registadas à parte (no centro); o baixo assegurava a melodia e as variações rítmicas minimais (à esquerda) e o som da guitarra (à direita) era sobretudo uma textura rítmica dissonante. Os Ramones parecem atualmente de uma simplicidade risível; na época isto foi brutal e dividiu as pessoas. Após ouvi-los, tudo o resto parecia incrivelmente lento” (2002: 188).
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Artigo semi-biográfico dando conta do falecimento de Joey Ramone, (1952-2001), um dos fundadores da banda Ramones, da autoria de Gein e publicado na revista Mondo Bizarre, em Maio 2001
Fonte: Arquivo KISMIF, através de Hemeroteca Municipal de Lisboa.
A história “oficial” da banda em Portugal é bastante mais reduzida, com apenas três concertos, em 1980, em três dias seguidos, com os bilhetes a custarem 400 escudos (2 euros a preços atuais): 22 de setembro, no Pavilhão Infante Sagres, no Porto, e a 23 e a 24 de setembro, no Pavilhão Dramático, em Cascais. Uma curiosidade: os UHF foram a banda de abertura nos três concertos, ainda que estivesse previsto que fossem os Aqui D’El Rock a abrirem o concerto no Porto. As fotografias e vídeos destes concertos são escassas, mas numa reportagem sobre a banda, a Lusitania TV mostra imagens dos bastidores e do concerto num destes dias. O primeiro álbum da banda, editado em abril de 1976 nos Estados Unidos, demorou dois anos a ser editado no nosso país, o que veio a acontecer em 1978, sob a chancela da NOVA.
The Ramones live in Portugal 1980 (Reportagem Lusitania TV)
Álbuns, singles e compilações dos Ramones editados em Portugal
Álbuns dos Ramones editados em Portugal: Ramones, em 1978 (NOVA); Leave Home, em 1977 (NOVA); Rocket to Russia, em 1977 (NOVA); Road to Ruin, em 1978 (NOVA); It’s Alive, em 1979 (NOVA); End of the Century, em 1980 (NOVA); Pleasant Dreams, em 1981 (NOVA); Brain Drain, em 1989 (Chrysalis Records). Singles editados em Portugal: Baby I Love You, em 1980 (NOVA); Rock N’ Roll Radio, em 1980 (NOVA). Compilações editadas em Portugal Ramones Mania, em 1988 (EMI-Valentim de Carvalho).
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Bilhete para o concerto dos Ramones em Cascais, no dia 24 de Setembro de 1980
Fonte: Rock no Sotão (blog)
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Publicidade aos concertos dos Ramones em Portugal, em 1980
Fonte: O outro lugar (blog)
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Reportagem sobre o concerto dos Ramones em Cascais, em 1980, da autoria de Nuno Infante do Carmo e publicado na revista Música&Som
Fonte: Arquivo KISMIF, através de Hemeroteca Municipal de Lisboa.
I Wanna Be a Ramone.
Apoiando-nos num conjunto de entrevistas (vide nota), adiantam-se algumas considerações relativas à forma como esta banda foi recebida em Portugal, numa época de um significativo fechamento face ao que de novo se fazia além-fronteiras. Em evidência estarão as razões que apontam para processos de identificação e desidentificação com a banda. Uma das primeiras características de identificação detetadas, de certa forma expectável, consiste numa perceção dos Ramones enquanto “criadores do punk”, colocados no mesmo pedestal de bandas como os Sex Pistols e The Clash. A banda transfigura-se no próprio punk (um dos entrevistados chega ao ponto de possuir a alcunha musical Ramone, atribuída por colegas de banda devido à sua paixão pela banda, exemplo máximo de uma metonímia). No fundo, uma vez mais, a história “oficial” do movimento punk é partilhada e interiorizada pelos intervenientes da cena musical portuguesa.
Mais relevante, e em linha com a questão anterior, é que os Ramones funcionaram como uma porta de entrada para o mundo punk e para uma relação privilegiada com a música, geralmente através de programas radiofónicos ou de amigos/irmãos, realçando aqui o papel preponderante das dinâmicas de consumo informais promovidas quer pela rádio quer por um passa-a-palavra como divulgadores deste género musical em Portugal. De igual modo, o gosto pelos Ramones (e não só) servia para aproximar jovens com gostos musicais semelhantes, muitas vezes recorrendo a estratégias pouco convencionais, mas que servia para criar um sentimento de pertença que, acima de tudo, reiterava que não se estava sozinho nas escolhas musicais e estéticas tal como podemos ver abaixo.
Havia aquela coisa de se escrever nas carteiras do Liceu e eu começo a escrever nas carteiras Ramones, Buzzcocks e não sei o quê – e começo a ver a resposta no outro dia de outra pessoa na carteira com outras bandas.
Quando conheci esse meu amigo com quem comecei a trocar cassetes – aliás os Ramones estavam nessa primeira compilação que comprei – foi logo das primeiras bandas que eu conheci, através dos amigos que gravavam cassetes. Lembro-me de um dos álbuns era o It’s Alive, dos Ramones. O It’s Alive era aquela cena que eu adormecia a ouvir aquilo, acordava, punha outra vez no play. Foi até gastar a fita.
Imagens 7, 8 e 9
The Traumatics, em meados dos anos 2000, banda de Hugo Ramone, grande admirador da banda Ramones
Fonte: Arquivo KISMIF, através de Hugo Ramone.
Por seu turno, será interessante distinguir dois aspetos discursivos acerca dos Ramones. Por um lado, as perspetivas dos entrevistados sobre os Ramones enquanto banda, ou seja, a sua ligação com a indústria, a estética que transmitiram, e a mensagem punk que veicularam enquanto arautos do jovem género musical. Relativamente ao primeiro ponto, nomeadamente a relação com a indústria musical, seguindo a visão tradicional do punk, os Ramones, tendo assinado por uma editora major, ter-se-iam “vendido” e renunciado ao ethos punk. Os excertos seguintes, enunciados pelos nossos entrevistados, por exemplo, seguem esse diapasão e consideram que a subsequente comercialização dos Ramones, especialmente do seu estilo, tratou-se de uma traição:
Acho que atualmente está a surgir a moda dos casacos de cabedal com picos, com os remendos, pronto, aquela aparência mais punk que havia antigamente que era totalmente reprimida pela sociedade e acho um bocado hipocrisia da sociedade estar a ir por um caminho que antes considerava completamente hediondo e falando um pouco das bandas mais conhecidas tipo Sex Pistols ou Exploited ou Ramones, isso tudo.
Acho que o punk em si perdeu um bocado aquela imagem do underground, do DIY, porque as bandas acabam por recorrer todas já a empresas de grande sucesso, a grandes editoras, a empresas de distribuição de merchandise muito maiores, em vez de serem eles a fazer as coisas por eles próprios. Antigamente significava rebeldia; hoje em dia é uma marca de roupa, os putos usam a t-shirt e pensam que Ramones é uma marca de roupa.
Esta é o que podemos apelidar de visão tradicional punk, plenamente utilizada para descrever as opções editoriais de bandas como os Sex Pistols. Porém, e isto é particularmente visível nas entrevistas, os Ramones passam praticamente incólumes a estas acusações. Estamos perante duas linhas de argumentação: a primeira vê a comercialização como natural, um passo normal na carreira de toda e qualquer banda que tenha alcançado sucesso comercial e que pode ser desvalorizado desde que a banda mantenha a sua autenticidade; a segunda – não desculpabilizando a comercialização – com posições muito críticas face à proliferação de t-shirts dos Ramones, paradoxalmente desculpabiliza a banda. A banda teria tido uma posição passiva no processo de comercialização (ao contrário dos Sex Pistols, por exemplo, que teriam tido uma posição ativa), recaindo o ónus de tal decisão nos mercados editoriais e fonográficos e no seu aproveitamento de bandas como os Ramones para maximizarem os seus lucros. Argumentando-se em um dos casos, que a comercialização apenas se iniciou após os membros da banda terem morrido. É importante aqui transcrever as palavras de Marky Ramone “Cada música que fazíamos, esperávamos que fosse um sucesso, mas não tínhamos consciência disso. Não achávamos que fosse necessário. Tínhamos a nossa base de fãs.” (In True, 2011: 293).
E isto é interessante de analisar quando percebemos que outras bandas, especialmente os Sex Pistols, não conseguiram obter este “tratamento especial”, por assim dizer, que permite praticamente aos Ramones andarem à chuva sem se molhar. E qual o motivo disto? Em parte, deve-se à perceção por parte dos entrevistados de que os Ramones mantiveram durante os seus 21 anos de carreira uma resistência que permitiu que mantivessem a sua essência. Assim, a relação entre assinar com uma editora major e as acusações de “vendidos” não é determinista.
Os Ramones tocaram durante 20 anos ou 30 e, com mais apropriação da indústria ou menos, com mais banalização ou menos, eles conseguiram sempre captar essa energia e esse espírito (…) e a reação da malta, 20 anos mais nova do que eu, é a mesma da minha quando eu tinha a idade deles. Por isso, alguma coisa está certa ali no meio. Por isso… pode ter sido captado pela indústria mas acho que não sujou o espírito da coisa.
A reação e interpretação face a esta suposta “venda” dos Ramones depende da forma como detetam a “autenticidade” que, neste caso, se centra primeiro no look autêntico da banda, nas suas roupas extremamente apelativas e fáceis de adquirir, despidas dos maneirismos e artificialismos usuais no glam e rock progressivo, e que levou vários jovens portugueses a querer imitá-los:
Os Ramones, ouvi uns meses depois, como te contei, achava que era um bando de bikers barbudos e quando vejo o disco…e aí sim, acho que, talvez, foi a primeira vez que o lado estético bateu, a sério. Quando esse meu amigo comprou o It’s Alive, aquele duplo, ao vivo. Tinha umas fotografias fantásticas e aí sim, eu fiquei banzado com aquilo. Queria ser igual a eles, tocar como eles…
O aspeto visual, na altura, também contava um bocadinho e eles eram quatro personagens que pareciam saídas de uma banda desenhada.
Sabes que os Ramones eram logo apelativos pela indumentária deles – blusão de cabedal, t-shirt, jeans e ténis. Tu agarravas no glam rock, ou agarravas no progressive rock, e eles andavam todos maquilhados, cheios de fatos assim muito pomposos, com cenários, era completamente diferente…Era o superficial, o artificial, em relação ao autêntico. E portanto, há um apelo imediato: as canções são simples…
Imagens 10 e 11
Kamones, banda portuguesa de homenagem a Ramones
Fonte: Facebook de Kamones
A autenticidade e a atratividade da banda relaciona-se com a sua simplicidade. Uma fórmula simples e eficaz de fazer música, em que o virtuosismo deixou de ser uma característica chave, nem que fosse pela simples razão que não havia mais espaço para solos de guitarra de cinco minutos. Procurava-se uma música rápida e instintiva em que todos pudessem participar e formar a sua própria banda, que assentasse numa filosofia de do-it-yourself. Como famosamente escrevia a fanzine Sniffin’ Glue “This is a chord. This is another. This is a third. Now form a band”. Apesar de estarmos a falar de uma banda que sempre editou por uma editora major, devido à sua pré-história como banda de círculos underground nova-iorquinos, os Ramones conseguiam a proeza de ocupar os dois campos, o mainstream e underground, e, aparentemente, de retirar vantagens de ambos.
Os Ramones são um reciclar do rock’n’roll, têm coisas que têm a ver com girls bands, até com os Beatles e é até a rapidez dos temas; uma coisa é o disco dos Ramones ao vivo, o It’s Alive, que nem há pausas entre as músicas, é só 1,2,3,4 e sempre. E é mais diversão.
Ramones influenciou todos os punks, acho eu. Gajos que se juntaram, faziam três acordes e conseguiam fazer música acho que toda a gente pensou… ok, também consigo, se eles conseguem também consigo.
Lembro-me de ouvir Ramones tinha 11 anos. Hoje tenho uma banda tributo aos Ramones. É mesmo a banda da minha vida. Toda a gente diz que tem uma banda que o pôs a tocar música ou a tocar um instrumento. Os Ramones para mim foi: ‘eu hei de ter uma banda!’.
Porém, se a opção por uma música simples e despretensiosa era um motivo de identificação, não deixava de possuir as suas limitações. Entramos aqui no campo das duas razões de desidentificação com a banda: um esgotamento musical e um apolitismo. Relativamente ao esgotamento musical, certos entrevistados referem que Ramones não eram verdadeiramente punk, mas sim bubblegum punk que rapidamente se esgotava e aborrecia devido à sua repetição. Tornava-se uma música que após o primeiro impacto, após os primeiros álbuns, perdia a sua capacidade de surpreender. Um dos nossos interlocutores, por exemplo, refere que era um género de música que “gostava quando tinha 15 anos”. A segunda causa de desidentificação estendia-se às letras musicais da banda, marcadas por um nonsense. Os Sex Pistols gritavam que “não havia futuro”, os Clash que “o futuro não está escrito”, os Ramones, por seu lado, não possuíam uma clara mensagem política ou contestatária, que supostamente levaria a uma desmobilização e despreocupação. Iria, desta forma, contra o ethos punk, de uma mensagem fortemente politizada e revolucionária (o que remeteria para um outro debate, o da existência ou não de uma mensagem coesa e coerente defendida pelo punk).
Podemos falar dos Ramones que não tinham propriamente uma intervenção, não tinham propriamente uma mensagem de revolta. É o género punk para mim são os três acordes e a bateria sempre a bombar – é essa a diferença face ao rock normal.
Os Ramones gosto até ao minuto 2, a partir daí aquilo é tudo igual. A gente ouve uma música e já sabe o que vem a seguir nas próximas dez músicas. Portanto, acho engraçado, mas depois aquilo cansa-me um bocado.
Letra da canção “Judy Is A Punk” (1976), dos Ramones
Jackie is a punk Judy is a runt They both went down to Berlin, joined the Ice Capades And oh, I don't know why Oh, I don't know why Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Second verse, same as the first Jackie is a punk Judy is a runt They both went down to Berlin, joined the Ice Capades And oh, I don't know why Oh, I don't know why Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Third verse, different from the first Jackie is a punk Judy is a runt They both went down to San Frisco, joined the SLA And oh, I don't know why Oh, I don't know why Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Perhaps they'll die, oh yeah Ramones - Judy Is A Punk
Excerto da canção “Somebody put something in my drink” (1986), dos Ramones
Somebody, somebody put something in my drink, somebody Another night out on the street Stopping for my usual seat Oh, bartender, please Tanqueray and tonic's my favorite drink I don't like anything colored pink That just stinks, it's not for me It feels like somebody put something Somebody put something in my drink Somebody put something Somebody put something Blurred vision and dirty thoughts Feel out of place, very distraught Feel something coming on Yeah, kick the jukebox, slam the floor Drink, drink, drink, drink some more I can't think Hey, what's in this drink? It feels like somebody put something Somebody put something in my drink Somebody put something Somebody put something in my drink Somebody put something Somebody put something in my drink Somebody put something In my drink In my drink In my drink In my drink So you think it's funny, a college prank Goin' insane for something to drink Feel a little dry Oh, I couldn't care what you think of me 'Cause somebody put something in my drink I can't think Hey, give me a drink Ramones - Somebody Put Something In My Drink
Em jeito de conclusão, numa carreira de 21 anos, com altos e baixos (especialmente nos seus últimos anos), coroada com um reconhecimento público e oficial, os Ramones tornaram-se, de facto, uma história mítica do punk. Os punks portugueses, com a sua sede de cosmopolitismo e de “novos ares” musicais, abraçaram a banda como um dos representantes desse novo género musical. A banda assinou por uma editora major, a sua estética foi fortemente comercializada, as suas letras eram desprovidas de toda e qualquer posição política. Características que em qualquer outra banda punk seriam fatais, mas não para os Ramones, que conseguiram passar incólumes num campo muitas vezes implacável, como é o punk. Com a sua simplicidade e o seu desprendimento conseguiram captar a imaginação dos jovens punks portugueses. Levou-os a imaginar uma carreira musical, já que todos, apesar de estarem limitados a três acordes, tinham a sua oportunidade. Só por isto os Ramones mereciam uma posição de relevo no punk.
Mas talvez o mais importante é avaliá-los segundo os seus próprios objetivos: Joey Ramone refere em Please Kill Me, livro de Gillian Mccain e Legs Mcneil, que os Ramones desejavam era “salvar” o rock’n’roll; queriam mantê-lo divertido e engraçado. E contra factos não há argumentos. Ou então como faz Ed Stasium “os Ramones queriam um disco de sucesso, queriam o sucesso. Queriam ser estrelas de rock. Não sei se conseguiram, mas, com certeza, tornaram-se lendas. Nunca se venderam, os legendários Ramones. Todos os amam” (In True, 2011: 292).
Os dados aqui apresentados baseiam-se na análise de 100 entrevistas semi-diretivas a atores-chave da cena punk portuguesa, seguindo as diretrizes do projeto de investigação KISMIF. Deste total de entrevistas, consideramos apenas os 38 indivíduos que ao longo da entrevista se pronunciaram sobre os Ramones.
Keep it Simple, Make it Fast! (KISMIF) é um projeto de investigação, de cariz sociológico, que tem por objetivo analisar as manifestações punk em Portugal desde o seu surgimento até à atualidade (1977-2012). O KISMIF é financiado pela Fundação para a Ciência Tecnologia (FCT) e está a ser desenvolvido no Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (IS|UP), em parceria com o Griffith Centre for Cultural Research (GCCR), a Universitat de Lleida (UdL), a Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), a Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto (FPCE), as Bibliotecas Municipais de Lisboa (BLX), a Raging Planet e a Anoise Records. A abordagem do KISMIF é transdisciplinar (Antropologia, História, Psicologia, Comunicação, Jornalismo e Sociologia) e articula tempos e espaços diversos, de forma sincrónica e diacrónica, de modo a levantar o véu que oculta um objeto de estudo manifestamente complexo e socialmente pouco visível.
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Dee Dee Ramone em concerto
Fonte: Amazon images
Referências || Para Saber Mais
COLEGRAVE, Stephen; SULLIVAN, Chris (2002) – Punk. Hors Limites. Paris: Éditions du Seuil.
ECO, Umberto (1986) – Travels in Hyper Reality: Essays. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich. ISBN: 9780156913218.
GUERRA, Paula (ed.) (2015) – On the road to the American underground. Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras. ISBN: 978-989-8648-50-1.
MARCUS, Greil (2000) – Marcas de Báton. Uma história secreta do século vinte. Lisboa: Frenesi.
MCNEIL, Legs; MCCAIN, Gillian (2006) – Please Kill Me. L’histoire non censure du punk racontée par ses acteurs. Paris: Éditions Allia. ISBN: 2-84485-208-4.
RAMONE, Dee Dee; KOFMAN, Veronica (2002) – Mort aux Ramones! Vauvert: Éditions Au Diable Vauvert. ISBN: 2846260443.
ROJAS, Eunice; MICHIE, Lindsay (2014) – Sounds of resistance: The role of music in multicultural activism. Nova Iorque: ABC-CLIO. ISBN: 9780313398063.
SAVAGE, Jon (2002) – England’s dreaming: Les Sex Pistols et le punk. Paris: Éditions Allia. ISBN: 2844851029.
TRUE, Everett (2011) – Hey Ho Let’s Go. A história dos Ramones. S. Paulo: Madras Editora.