Foto: Anna Viotti
“Os concertos fazem-nos ser mais criativos”
Estão todos magrinhos, todos em forma. Os Galgo, banda formada por Alexandre Moniz (Alex), Joana Baptista, João Figueiras e Miguel Figueiredo editaram, no mês passado, o primeiro LP com o incrível nome Pensar Faz Emagrecer. Apesar de não quererem restringir a sua música ao universo do pós-rock, é nesse universo que hoje em dia viajam. E “viajar” é mesmo isso que os Galgo fazem. Às vezes desatam a correr atrás da lebre, com a bateria de Joana, as guitarras de Alexandre e Miguel mais o baixo e os sintetizadores de Figueiras (como lhe chamam); outras vezes abrandam e ali estão eles a navegar nas distorções.
Estivemos no estúdio do quarteto para ficar a conhecer a origem dos Galgo. Além de quatro músicos cheios de vontade de continuar a criar de forma livre e descomprometida e a crescer pelas jam sessions que acontecem num acolhedor contentor ali para os lados de Barcarena, encontrámos também quatro amigos com uma amizade que já vem desde os tempos da escola secundária, que nasceram longe do “mercado da música” – como dizem – mas que souberam conquistar o seu espaço tanto no roteiro dos festivais e Verão como das escuras salas mais underground, com baratas à mistura e tudo.
Como é que nasceram os Galgo? A Escola Secundária de Miraflores teve um papel muito importante nesta união.
Miguel – Sim, teve. Além de ter ajudado a formar o grupo, foi lá que começou a nossa amizade. É uma parte muito importante daquilo que fomos, somos e, provavelmente, seremos.
Eram todos da mesma turma?
Alex – Eu e o Figueiras [João] estávamos na mesma turma e a Joana e o Miguel noutra.
Como é que perceberam que podiam ser uma banda?
Miguel – Eu já conhecia o Alex desde o 5º ano e só entrei na Secundária de Miraflores no 12º ano, para a turma da Joana. Eu, a Joana e outra rapariga começámos a tocar umas músicas, mas, entretanto, vi o Alex, que já conhecia, nos intervalos com uma guitarra e acabei por juntar-me a ele – é aquele clássico nas escolas que há-de continuar em 2050! Eu e a Joana acabámos por convidar o Alex e o Figueiras para se juntarem a nós.
Na altura gostavam todos dos mesmos discos ou dos mesmos links do YouTube?
Joana – Para mim, o Figueiras e o Alex tinham mais cultura musical do que nós. Mais abrangente. Acho que o estilo daquilo que ouvíamos foi sempre muito diferente, mas ao mesmo tempo muito convergente. Sempre a gostar de géneros variados, mas a tocar em pontos comuns. Por exemplo, o Figueiras é bué do punk rock.
Figueiras – Isso era na altura!
Joana – Ainda assim o Figueiras é o que tem um gosto mais específico, com certas coisas que não nos identificamos – e isso é uma divergência. O Alex é o que gosta de tudo – mas muito de Arctic Monkeys. Eu ouvia muito Rage Against The Machine e Queens Of The Stone Age.
Alex – Os gostos em comum passaram ser coisas que fomos explorando uns com os outros. A certa altura começámos a entrar na mesma onda, a crescer a ouvir música.
“Acho que o estilo Galgo é mais definido por pormenores, como as progressões que o Figueiras faz, ou pelos pedais que eles vão buscar, do que pela forma de compor” – Joana Batista
[A certa altura, vêm à baila os Mumfords & Sons. Aparentemente, há um elemento da banda que, de acordo com os colegas, gosta das melodias do grupo de Marcus Mumford. No entanto, esse elemento, que prefere ser mantido no anonimato, nega veementemente que assim seja, afirmando tratar-se de uma invenção dos colegas]
Quando é que a banda passou a chamar-se Galgo?
Miguel – Foi no ano passado, em fevereiro ou março. Foi quando começámos a querer levar isto para a frente, a participar em concursos que dão sempre uma visibilidade que não se tem quando se tenta arranjar um concerto. Nós não tínhamos conhecimentos nenhuns! Vínhamos da minha garagem e nem conhecíamos outras bandas ou pessoal da música que nos dissesse onde ir tocar. Não havia conhecimento nenhum do mercado musical e assim decidimos ir arriscar nos concursos.
Foi com o primeiro EP, chamado EP5, que começaram a descobrir a essência dos Galgo?
Joana – Acho que ainda não percebemos! E nessa altura estávamos muito confusos. Já tínhamos algumas músicas que estão neste álbum e que já tocávamos na altura do EP. Mas esse trabalho foi uma escolha consciente e premeditada de um estilo. Encaminhámos aquelas músicas para aquele EP porque fazia sentido agrupá-las. Acho que o estilo Galgo é mais definido por pormenores, como as progressões que o Figueiras faz, ou pelos pedais que eles vão buscar, do que pela forma de compor. Porque as secções rítmicas até são bastante diferentes do EP para o disco.
Mas há algo que solidifica o vosso som. Estamos a falar de um disco que é inserido na categoria do pós-rock.
Miguel – Pode ser, sim. Mas acho que depois depende da interpretação da pessoa que ouve. Eu, por exemplo, não considero o nosso estilo completamente definido, nem temos essa pretensão.
Figueiras – Mas para explicar a alguém, acho que pós-rock é uma boa definição. Até porque é um estilo tão abrangente.
Miguel – Sim. E eu não considero o EP pós-rock, mas o álbum se calhar já é. E o próximo LP ou EP pode voltar a não ter essa característica.
Joana – Eu já nem sei o que é que é o pós-rock.
Figueiras – Paus é pós-rock, mas Godspeed You! Black Emperor também e são bué diferentes.
Há um outro aspeto que também ajuda a colar-vos a esse género: serem uma banda instrumental, aparentemente sem letras. Digo aparentemente porque há lá umas linhas de voz no meio como palavras em temas “Skela”. Vêm a voz como mais um instrumento?
Miguel – Acho que sim. Nós não queremos passar uma mensagem verbal. É mais musical.
Joana – É uma “layer” [camada].
Figueiras – Como se fosse mais um sintetizador.
“Não queremos passar uma mensagem verbal. É mais musical” – Miguel Figueiredo
Gravaram o disco ao HAUS, com o Makoto, com o Fábio Jevelim (dos Paus) e com o Miguel Abelaira (dos Quelle Dead Gazelle). Por eles serem de bandas que também vivem neste universo do pós-rock tornaram-se uma ajuda importante?
Miguel – Eles foram impecáveis, ficámos mesmo amigos deles. E depois, no processo de gravação e masterização foram muito profissionais. E até na criação, a ajudar nas progressões das músicas.
Alex – E até mesmo na criação de uma música completa.
Joana – Foi uma dica que nos deram: “façam mais uma música”, e num fim de semana criámos uma música!
Alex – Nós estivemos lá duas semanas e houve um intervalo no fim de semana. Eles propuseram que nós gravássemos mais uma canção, só que já não tínhamos mais nada então o Fábio sugeriu compormos mais uma música no fim de semana. E pronto, fizemos: nasceu a “Lugia”.
Isso quer dizer que vocês têm uma grande facilidade de criar.
Alex – Não, não quer! (risos)
Joana – Às vezes estamos aí meses e meses.
Figueiras – A “Lugia” foi escrita com a predisposição de fazer uma coisa um bocado diferente: mais pequena, mais relaxada. Se calhar foi mais fácil por causa disso. Se estivermos nas nossas sessões de jam, enquanto estamos a explorar, as coisas demoram muito mais tempo.
Contem-nos como é que funciona: Vêm aqui para o estúdio, ligam os instrumentos e começam a tentar encontrar uma boa comunhão entre todos?
Miguel –É mesmo isso. Juntamos jams antigas com jams novas. E acho que é por isso que as nossas músicas também são um bocadinho compartimentadas. Seguem uma linha constante, mas não voltam atrás. Não há uma inversão de marcha: ou as músicas ficam numa parte em loop ou avançam. E tentamos ter também esse seguimento. Como colamos várias coisas de diferentes sessões, acabamos por criar algo diferente, com uma linha de seguimento constante.
Os concertos são uma ajuda à criação? Tocam as músicas como foram gravadas ou há espaço para o improviso?
Miguel – Costumamos fazer coisas diferentes do disco. E pensar nessa dessa forma é importante: os concertos e, sobretudo, as preparações para os espetáculos fazem-nos ser mais criativos. Tentamos fazer, logo aí, coisas novas, como passagens e transições.
Têm servido como um bom barómetro do público às vossas canções?
Alex – Acho que sim. Ainda não fizemos muitos concertos depois do disco sair, mas já tínhamos tocado algumas faixas noutros espetáculos. A recetividade da parte do público tem sido muito boa. As pessoas ficam histéricas (ri-se) – não, estou a brincar! Mas há crowd surfing, há um bom ambiente.
“A recetividade do público tem sido muito boa. As pessoas ficam histéricas (ri-se) – não, estou a brincar! Mas há crowd surfing e há um bom ambiente” – Alexandre Moniz
Os galgos costumam ser cães muito magrinhos, mas vocês deram um grande cabedal a este Galgo com as vossas canções. Também têm vindo a tocar com muita regularidade, entre concertos em salas fechadas e mais pequenas, como em grandes recintos de festivais.
Miguel – Eu acho que sim. Fazia-nos falta saber o que era estar em palco e estar com pessoas diferentes em sítios diferentes, com gostos variados consoante as zonas do país, fez-nos perceber como é que nós funcionamos ao vivo. Então foi bom poder atuar em sítios grandes, pequenos, sujos, limpos, com muita gente ou sem muita gente.
Figueiras – Há concertos mais limpos do que outros.
Joana – O de Portalegre foi muito limpinho.
Alex – Eu não vou dizer o nome do sítio, mas houve um em que vi uma barata. Estávamos a fazer o soundcheck, eu pus-me à procura já não sei do quê, e aparece-me uma barata.
Joana – Eu avisei o dono que estava ali a barata a resposta foi: “O que é que queres? Estamos aqui em baixo!”
Miguel – As pessoas falam e dizem que sente-se uma evolução, mas eu não sinto essa maturidade. Talvez transpareça e talvez se note de concerto para concerto. Gostaria de poder estar de fora para poder ver isso.
O título do disco é brilhante: Pensar Faz Emagrecer. Mas dei por mim a pensar se não terá sido daqueles nomes que aparecem naquelas fugas para a frente. “Não temos nome para o disco, pessoal!” e outro responde: “Deixa lá isso que pensar faz emagrecer!”
Miguel – Tem que pensar-se sempre para o nome do disco! Essa é uma frase que faz parte do tema “Pivot”. Estávamos a pensar… e ficou!
Alex – Tínhamos pensado noutras coisas, mas do nada fez-nos sentido.
Joana – Na verdade foi o Fábio [Jevelim] que nos chamou a atenção para isso. Acabou por ficar na cabeça não sei bem como.
Miguel – As coisas vão aparecendo! O caso da “Skela”: de repente apareceu-nos uma frase estranha, que diz algo que nós não sabemos o que quer dizer, mas que deixa o pessoal a pensar nisso. Normalmente acontece por parvoíce, mas ganha um sentido externo.
Joana – O nosso convívio é muito próprio. Os nossos amigos, fora da banda, acabam por juntar-se à nossa parvoíce e acham muita graça. Se calhar acontece o mesmo com a letra: são parvoíces momentâneas a que as pessoas se juntam.
Entrevista: Bruno Martins