Foto: Francisco Lobo
“Não houve uma pesquisa intensa porque já conhecia a Rua Cimo de Vila de trás para a frente”
O MC Logos e o produtor dB deram uma nova vida à personagem Corona, um hustler à moda do Porto, que calcorreia a Baixa de meia branca, chinelo e fato de treino. Depois de ter passado por um difícil período de dependência de drogas e de outro de recuperação – também ela dolorosa, mas que se traduziram em dois álbuns incríveis, Lo Fi Hipster Sheat e Lo Fi Hipster Trip – o senhor Corona tornou-se num respeitável homem de negócios: inspirou-se no trabalho que Big Daddy Carlos andava a fazer em Las Vegas e decidiu abrir a Cimo de Vila Velvet Cantina, uma casa de diversão noturna para adultos na Rua Cimo de Vila, no Porto. O nome desta casa é também o título do terceiro disco do Conjunto Corona, que conta com as participações de Álvaro Costa, Kron Silva, Mike El Nite, Fred&Barra e de 4400 OG (o nome de MC do produtor dB).
O rapper Logos fala-nos do processo de criação deste novo álbum que leakou no site YouPorn. Agora já está disponível para venda e vem em mais um formato original: uma cassete de vídeo, daquelas que poderia figurar na estante para adultos do videoclube lá do bairro ou que podia também ser apresentado nas madrugadas do saudoso canal Viver Vivir. O conteúdo é para adultos – álcool, sexo e pancadaria à séria com direito a “Chino no Olho” – e os beats são peganhentos. Mas deixem-se de frescuras: quem nunca espreitou mesmo sem ter idade para isso?
Já tínhamos ouvido o Corona agarrado à droga, depois ouvimo-lo a fazer terapia. As coisas correram-lhe bem e tornou-se um empresário da noite e vem com um grande fulgor. O terceiro disco do Corona é a terceira vida desta personagem?
Pode dizer-se que sim. Basicamente, este disco é sobre a Rua Cimo De Vila, que é uma rua mítica daqui do Porto, situada na parte histórica da cidade, mais ou menos na zona de São Bento. Sempre foi conhecida pelas casas de alterne, há já muitos anos. E a verdade é que mesmo que o Porto esteja a sofrer alterações profundas, no Cimo de Vila continua tudo o mesmo. Como queríamos dar um conceito bastante sexual ao disco, essa rua acabou por se encaixar muito bem na nossa ideia. Esse novo fulgor que sentes pode estar relacionado com o facto de eu próprio [Logos é o autor das letras] ter voltado a morar ali na Baixa. Morei muitos anos ali na zona, não nessa rua, mas noutra um bocadinho mais abaixo, e com este regresso ao Porto voltei a sentir-me em casa e isso trouxe-me coisas novas. Há muito tempo que eu não escrevia um álbum mesmo no Porto.
Nem quando em 2014 fizeste o disco Passeio com o Minus e com o Spot no projeto OllGoody’s?
Esse disco foi quando saí do Porto, quando fui morar para os arredores.
O dB já tinha dito, logo depois de terem editado o Lo Fi Hipster Trip, que estava à procura de fazer um disco com beats inspirados em bandas sonoras de discos para adultos.
Exato. Quando acabámos de gravar o segundo disco já tínhamos nome para este terceiro, o Cimo De Vila Velvet Cantina. O cenário já tinha sido montado com inspiração no Big Daddy Carlos, que é um grande amigo do Álvaro Costa – outra figura presente no nosso disco [enquanto Alvy Vegas]. O Big Daddy Carlos é um homem de negócios em Las Vegas, onde abriu uma cantina chamada Margarita Velvet Cantina. Nós fomos buscar esse conceito e juntámo-lo ao Porto, ao Cimo de Vila Velvet Cantina.
“As cassetes de vídeo foram todas gravadas por nós, uma a uma. Tivemos de criar uma pequena linha de montagem, com a nossa pequena coleção de videogravadores, para gravar uma centena de cassetes”
E conta lá: foi um trabalho que implicou muita pesquisa da vossa parte? Também calcorrearam pela Rua Cimo de Vila?
Nem por isso! Como eu morei ali… Não foi pesquisa intensa porque já conheço aquilo de trás para a frente. Até posso dizer que este foi dos discos que escrevi mais rápido. Foi começar a fazer uns flashbacks, a puxar pelas memórias de quando andava ali na zona. Quando se regressa a um sítio onde se viveram tantas coisas, acaba por conseguir-se chegar a histórias de que já nem me lembrava. Foi tudo muito natural e até acho que por isso acabou por tornar-se no disco mais pessoal do Corona. Tem muitas histórias e acontecimentos criados à nossa maneira.
O facto de já conhecerem bem o universo em que o Corona vive, por ser o terceiro disco, torna este Cimo de Vila Velvet Cantina um disco menos psicadélico, mais lúcido?
O homem anda com a cabeça mais limpa (risos)! A temática talvez seja de melhor compreensão para quem ouve o disco, mas para mim é difícil de dizer. Ainda assim há temas como “Bangla”, “Andar Oh Cheiro das Minadas” ou “Trindade James” que até são das músicas mais psicadélicas do Corona. Mas se calhar quem ouve hoje acaba por estar mais preparado para o que costumamos trazer. No outro álbum o homem também estava em tratamento – estava lá no Sheraton dos Queimadinhos – é normal que nessa altura tivesse feito um disco mais psicadélico, mais denso por causa dos abusos de drogas.
“Temas como ‘Bangla’, ‘Andar Oh Cheiro das Minadas’ ou ‘Trindade James’ até são dos mais psicadélicos do Corona. Mas se calhar quem ouve hoje acaba por estar mais preparado para o que costumamos trazer”
Digo isso pelos próprios beats que usaram: as referências das bandas sonoras de filmes pornográficos antigos vêm recheadas de guitarras e sopros do funk, baixos e teclas típicos do soul, toques de jazz. E até usam o sample de “I Can’t Quit You Baby”, dos Led Zeppelin.
Aqui é uma temática sexual, por isso as pessoas também se identificam mais depressa e acabam por rir-se mais um bocado. Mas é interessante que sintas este um disco mais lúcido, porque tanto eu como o dB nunca tínhamos estado com um espírito tão psicadélico durante a criação de um disco do Corona.
O último disco vinha embalado numa caixa de comprimidos. Este novo vem numa velhinha cassete VHS, igual àquelas que víamos num canto escondido do videoclube lá do bairro. O empacotamento também é um ponto fulcral na criação de conceitos do Conjunto Corona?
Para nós até calhou bem, porque o VHS foi dado este ano como um produto descontinuado. Por um lado, é bom porque acredito que até vá dar conhecer o formato VHS a quem nunca o conheceu até hoje – os fãs mais novos. Por outro lado, dificulta-nos a vida porque as cassetes foram todas gravadas por nós, uma a uma. A última fábrica que fazia isso cá em Portugal fechou este ano e já não fomos a tempo de fazer a nossa encomenda, então tivemos de criar uma pequena linha de montagem, com a nossa pequena coleção de videogravadores, para gravar uma centena de cassetes. Dá um trabalhão imenso porque tem de ser gravado em tempo real. Mas era algo que nos fazia todo o sentido na ideia do álbum: as cassetes de vídeo estão associadas ao porno, pelo menos na nossa memória – eram aquelas cassetes que apanhávamos cá em casa dos nossos velhotes (risos).
“Foi uma escrita muito natural e até acho que, por isso, acabou por tornar-se no disco mais pessoal do Corona”
Então, para vocês, o YouPorn é coisa para meninos!
Isso é para quem tem smarthones!
E quando é que o Conjunto Corona vem para a estrada?
Vamos fazer uma apresentação oficial no dia 2 de dezembro no Maus Hábitos, do Porto. Também iremos estar em Lisboa, em data a anunciar. Mas antes disso, vamos ter no sábado, dia 19, uma apresentação privada. Vamos estrear o Cimo de Vila Velvet Cantina numa casa de alterne na própria Rua Cimo de Vila – e logo na mais antiga de todas, a casa O Portista.
Entrevista: Bruno Martins