“Um trabalho que se mistura com a amizade e com um certo carinho”
Começa amanhã a terceira edição do Festival Internacional de Música no Cinema. O evento que junta a música e cinema acontece até ao próximo dia 5 de dezembro no Cinema São Jorge, em Lisboa – são mais de 100 filmes em sete dias de evento com competição de longas e curtas-metragens, bem como de videoclipes. A edição deste ano, que tem sido um ano especialmente difícil para os fãs da música – com o desaparecimento de alguns heróis – haverá lugar a algumas homenagens. Na sessão de abertura, amanhã às 21h, será exibido Labirinto – Edição comemorativa dos 30 anos, de Jim Henson, e que conta com a participação de David Bowie, que compôs e interpretou, em 1986, várias canções para o filme.
Mas haverá muito mais ao longo dos próximos dias, como a exibição de Auto-Rádio, o filme que conta a digressão portuguesa de um mês de Benjamin no seu carro; ou Pontas Soltas, que mostra os bastidores das gravações do mais recente Capitão Fausto Têm os Dias Contados, dos Capitão Fausto. Haverá ainda exposições, debates e conversas, além de concertos. Filipe Pedro, um dos programadores do Muvi, conta-nos o que vamos poder ver – e ouvir, pois claro – no cinema São Jorge. O programa completo pode ser encontrado aqui.
Num ano tão fatídico para o mundo da música, o MUVI acaba por sublinhar os desaparecimentos através da programação?
Se não prestássemos atenção a isso, estaríamos a falhar com o nosso público, porque quem desapareceu foram artistas muito queridos da generalidade das pessoas. Eram pessoas muito transversais que deixaram muitas saudades – no caso do Prince, do David Bowie, do Leonard Cohen ou da Sharon Jones. Ainda tentámos fazer algo de homenagem ao Cohen, mas a editora tem os materiais todos congelados. Talvez para o ano! No caso do David Bowie e do Lemmy, vamos dedicar-lhes os filmes de abertura e de encerramento: Labirinto, no caso do Bowie, com a edição comemorativa dos 30 anos do filme, e Lemmy, respetivamente. Também teremos uma homenagem ao Pedro Cláudio: um realizador que trabalhou muito com várias bandas, como Orelha Negra, Buraka Som Sistema, Belle Chase Hotel ou David Fonseca, e que desapareceu no mesmo dia do Prince.
Quais os grandes desafios desta terceira edição?
O principal é sempre a falta de apoio. Mas o público está a crescer e há outra coisa muito curiosa: os realizadores enviam-nos cada vez mais filmes, tanto que este ano nem tivemos a preocupação de andar à caça de muitas coisas – claro que há sempre as referências do Sundance ou do South By Southwest. Mesmo explicando que não havia verbas, os realizadores querem vir na mesma de países como Alemanha, Israel, Brasil, Itália… fazem questão de vir, pagando a deslocação e estadia do seu bolso. É sinal de que o festival está a atingir uma proporção interessante.
Nas duas primeiras edições puxaram sempre muito pelo lado da música ao vivo, para lá da apresentação de filmes e videoclipes. Este ano voltam a apostar nos concertos?
Vamos sim. Temos concertos na sexta-feira e no sábado, com três concertos em cada dia: teremos os Malaise, Bicho e Montalvor, e depois Viper (que fez a música que está no nosso trailer), Vircator e Urso Brado. Mas as bandas, quando vão ao MUVI, também trazem os seus vídeos e há uma conversa com o público: é importante essa componente de fazer perguntas e falar com os artistas. São momentos em que podem originar ideias ou propostas muito
interessantes. Há muitos mais caminhos que são importantes explorar, como a literatura – este ano vamos conversar sobre a biografia do Bruce Springsteen, Born to Run, por exemplo.
Rendufe, o filme de Miguel Felgueiras sobre as sessões de gravação do Mergulho de Filho da Mãe; Pontas Soltas, de Ricardo Oliveira sobre os Capitão Fausto ou Auto-Rádio, de Gonçalo Pôla, sobre a digressão de Benjamim, são três destaques na programação deste ano.
Em relação à competição, como é que se vai processar? São três prémios em disputa, certo?
Temos a competição de curtas, longas e de vídeos musicais, tanto no prémio do público como no prémio do júri. Temos as Audições Musicais, que são as longas-metragens nacionais e internacionais; temos os Sonetos Cantados, que são as curtas nacionais e internacionais; e temos ainda as Canções com Gente Dentro, que são os vídeos.
Este ano foi mais difícil chegar às obras que vão até à competição?
Sabemos que temos de deixar alguma coisa de fora, claro. Mas já trabalhamos de forma a poder antecipar mais as coisas. E já estamos a delinear coisas para o próximo ano para que corra ainda melhor. Claro que há uma tendência evolutiva que se nota em tudo: o catálogo este ano tem 52 páginas, o do ano passado tinha 36. Acho que damos mais destaque a mais filmes portugueses, às bandas nacionais, tudo o que tenha a ver com bastidores… tudo nos interessa!
Há uma secção muito interessante, que eu acho particularmente interessante, que são os filmes que documentam as gravações de um disco.
Sim, este ano teremos o Filho da Mãe a apresentar Rendufe, o filme de Miguel Felgueiras sobre as sessões de gravação do Mergulho; também os Capitão Fausto a apresentar o Pontas Soltas, do Ricardo Oliveira. Temos uma série de filmes muito interessantes, com novas linguagens. O filme do Benjamim, do Gonçalo Pôla, sobre a digressão de Auto-Rádio, que é uma desconstrução do documentário musical. O objetivo é mesmo pôr as pessoas em diálogo.
“O público está a crescer e há outra coisa muito curiosa: os realizadores enviam-nos cada vez mais filmes, tanto que este ano nem tivemos a preocupação de andar à caça de muitas coisas”
É um festival com muito para ouvir e para ver. Também há uma secção de exposições, não é?
Sim, e este ano com um leque mais alargado de coisas mais interessantes. Teremos o Hugo Lucas e o Nikolai Negura – que é o autor da boneca do MUVI – que vão fazer na escadaria do São Jorge uma exposição sobre Música, Cinema e Arte Urbana. Vamos ter uma coisa muito curiosa, que é Cinema Português em Vinil, do João Carlos Calisto, que é um arquivista na RTP e faz rádio na Antena 1, tem uma coleção invejável de vinil e vai trazer-nos alguns discos muito peculiares de diversos artistas da música dos anos 1960 e 1970 que fizeram trabalhos para cinema. Vamos ter ainda o The Road, da Graziela Costa, com polaroids que tem com músicos desde há dez anos; With the Absolute Heart of the Poem of Life, da Mar – Margarida Rodrigues – com muitos artistas, músicos e atores, sobre a beat generation que nunca tinha sido convidada a expor.
Conta-nos lá porque é que decidiste embarcar nesta aventura, há três anos?
É um desejo antigo. As várias pessoas que compõem a cooperativa cultura têm interesse em cinema e em música. É uma ponte que já vem de trás, desde 2000, quando fiz uma mostra na Aula Magna com dez bandas nacionais; ou quando viajei por vários festivais em Portugal e lá fora, também – o Imago, no Fundão, era um festival incrível. Mas no nosso caso, estamos muito focados no lado português e apoiar as novas bandas. Acho que isso acaba por ser um trabalho que se mistura com a amizade e com um certo carinho: vamos a concertos, falamos com as bandas e é um carinho que se prolonga ao longo dos anos, como é, por exemplo, o caso de PZ, NBC ou Noiserv que foram tocar ao primeiro MUVI. No caso do David [Santos, Noiserv], que este ano vem mostrar “Everything Should Be Perfect Even If No One’s There”, um filme que fez para o Canal 180, é sempre de uma grande generosidade porque nos continua a fazer chegar gratuitamente esses materiais e sempre com uma preocupação enorme.
Entrevista: Bruno Martins