“Não há necessidade de estarmos presos a qualquer tipo de passado”
Bateria, baixo e guitarra: receita simples para os The Twist Connection fazerem um dos grandes discos portugueses do ano. Stranded Downtown traz de volta a velha escola do rock ‘n’ roll de Coimbra, liderado por Carlos Mendes — que todos temos a obrigação de conhecer como Kaló (Tédio Boys, Wray Gunn, Bunnyranch, Parkinsons) — que convocou para o seu lado Samuel Silva (Jack Shits e Los Saguaros) e Sérgio Cardoso (É Mas Foice,Wray Gunn).
A ligação torcida de que fala o nome da banda está na forma como se entrecruza a velocidade dos riffs, o swing e o groove. Tresanda às influências do rock dos anos 1960, ao garage e ao punk, mas os riffs que que escutamos no disco soam muito a fresco — e que grande cover que fizeram de “I’m Watching You”, de Jay Reatard. Foi sobre essa frescura e sobre o eterno desejo de fazer sempre o que a alma de rocker dita, que conversámos com Kaló — o baterista que toca de pé porque também é frontman e odeia os Eagles e o Phil Collins.
Vamos começar por conhecer as origens dos The Twist Connection. São todos de Coimbra e já se vão conhecendo de outras bandas e de outros projetos.
O Samuel [Silva] eu já conhecia de o ver tocar nos Jack Shits e nos Los Saguaros. O Nakata (Tiago Coelho), que saiu por uma questão de disponibilidades, eu já conhecia há mais tempo. Para o lugar dele entrou o Sérgio Cardoso, já depois do disco ter sido editado — que era dos É Mas Foice, foi fundador dos Tédio Boys, também, e dos Wraygunn comigo. Encontrámo-nos agora nos Twist Connection e foi uma aquisição importantíssima! Fomos fazendo demos aqui e acolá e conseguimos gravar um tema com o pessoal dos A Jigsaw, no estúdio deles, e começarmos a marcar concertos, que é algo preponderante para nós. E as coisas foram funcionando.
Mas o que é que te levou a voltar a convocar um elenco depois dos Bunnyranch?
Depois dos Bunnyranch estive a tocar nos Tiguana Bibles e nos Parkinsons — que são pessoas muito próximas. Mas as coisas acabaram por não funcionar e fiquei sozinho. Entretanto recebi um convite dos Dirty Coal Train, com quem vou trabalhando sempre que é possível, e isso deu-me vontade de ter algo novo, em que pudesse começar a fazer coisas de raiz. Mas para isso era necessário encontrar alguém com quem houvesse uma correlação estética. Cá em Coimbra não poderia ser ninguém melhor do que o Samuel — que estava também sem banda.
E o que é que queriam tocar?
Há um background musical similar: o rock ‘n’ roll dos 60s, o garage, first psychedelic era, soul, passando pelos blues, punk rock… o Samuel tem sempre qualquer coisa dos Stooges para ouvir no carro! É uma sintonia muito grande.
“Há um background musical similar: o rock ‘n’ roll dos 60s, o garage, first psychedelic era, soul, passando pelos blues, punk rock… o Samuel tem sempre qualquer coisa dos Stooges para ouvir no carro!”
Já nem é preciso conversar sobre a direção que as composições podem levar? Funciona tudo por instinto?
Por muito interessante que eu quisesse ser, e contar uma história qualquer bonita, as coisas acontecem depois de se ligarem os instrumentos ao amplificador: com os riffs do Samuel, com um bocado de letra que eu tenha, com ideias dos dois ou dos três. Foi assim que as coisas foram sendo construídas. É um clássico fulminante: muita gente funcionou assim ao longo da história do rock ‘n’ roll, que é o ir fazendo uma espécie de jam até alguém ter alguma coisa mais pertinente para encaixar aqui ou acolá. Espero que assim continue e é natural que com a entrada do Sérgio se comece a compor de outra forma, com outras ideias.
Como é que descreves este Stranded Downtown? Achas que é um trabalho que foge muito àquilo que tinhas feito em anteriores projetos?
A minha intenção nunca foi fazer, com os Twist Connection, um prolongamento dos Bunnyranch. O que acontece é que é o mesmo gajo que canta, toca bateria e faz as mesmas coisas em pé. Pode haver aqui algo de semelhante. Depois há sempre aquelas pessoas que dizem “esta merda é parecida”. Mas eu não acho parecido! São pessoas diferentes, é outra pessoa a tocar baixo e outra pessoa a tocar guitarra! Os convidados, por exemplo, como os Birds Are Indie, nunca tocaram nos Bunnyranch – vêm com um registo mais folky-acústico. Havia um fascínio com a banda relacionada com os órgãos dos anos 1960 que, neste caso, também não existem. Acredito que haja gajos que digam que é parecido com Bunnyranch: eu também não me interesso por uma série de merdas que para mim são todas iguais, apesar de eu, para parecer um gajo muito interessante, tento distingui-las. A ideia é ser mesmo uma banda nova.
Mas nós também não podemos fugir àquilo que somos.
Eu, em registo de 100 por cento brincadeira, que os The Twist Connection são muito melhores que as nossas outras bandas, Bunnyranch incluídos, por isso não há necessidade de estarmos presos a qualquer tipo de passado.
“A minha intenção nunca foi fazer, com os Twist Connection, um prolongamento dos Bunnyranch. O que acontece é que é o mesmo gajo que canta, toca bateria e faz as mesmas coisas em pé. Há sempre aquelas pessoas que dizem ‘esta merda é parecida’. Mas eu não acho parecido”
Independentemente de tudo o que estamos aqui a falar, sinto que há uma sonoridade fresca nos Twist Connection, mesmo com a natural influência do rock ‘n’ roll dos anos 1960, ao blues e à folk. Talvez seja pelos riffs que criaram, mas parece que trabalham algo que ainda não tinha sido explorado.
Nós não nos queremos repetir. Claro que as bandas que nos influenciam não são as bandas que nasceram há duas semanas! Nós não estamos interessados em ter uma banda de garage nem da 15.ª vaga psicadélica, nem do garage punk, nem do soul punk. Para ser algo relacionado com rótulos, tem que ter uma identidade muito especial. Há muitas bandas de merda, mas depois há outra que é a que interessa realmente! É a mesma coisa quando estás a fazer qualquer coisa em qualquer movimento estético antigo.
Já te devem ter perguntado isto muitas vezes, mas eu nunca te perguntei: porque é que tocas bateria de pé?
Porque detesto os Eagles e o Phil Collins [bateristas que cantavam]. Eu não consigo falar sobre os Genesis, porque não conheço bem o trabalho deles. E não me fazia qualquer sentido — para mim — estar sentado e a cantar. É uma coisa tão libertária, sinto-me tão mais à vontade ao estar em pé à frente do palco… E não me fazia sentido ser frontman e estar sentado. Claro que sentado consigo fazer outro tipo de coisas — mesmo não sendo um baterista brilhante, não sou o Buddy Rich ou o Gene Krupa, e nem tenho pretensão! E é diferente estar a tocar e cantar ao mesmo tempo. Mas não me preocupo muito com beats mais brilhantes: o que quero fazer é algo mais natural e orgânico. Não quero ser o malabarista das peles! Quando as coisas começarem a dar seca, paro!
“[Tocar bateria de pé] É uma coisa tão libertária, sinto-me tão mais à vontade ao estar em pé à frente do palco… E não me fazia sentido ser frontman e estar sentado. O que quero fazer é algo mais natural e orgânico. Não quero ser o malabarista das peles”
No vosso primeiro vídeo, “Nite Shift”, reuniram na plateia muitos amigos de Coimbra, alguns deles verdadeiros nomes históricos da cultura rock da cidade — falo do Victor Torpedo, do Pedro Chau, Miguel Padilha ou da “luso-escocesa” Tracy Vandal, entre muitos outros. Como é que nasce esse vídeo?
O vídeo foi feito no Salão Brazil que é dos meus sítios favoritos em Portugal para tocar. Se calhar é pela ligação à minha cidade: gosto do ambiente escuro, fumarento, jazzy. E aquelas pessoas de que falas: são históricos de Coimbra, mas são os meus melhores amigos. São as pessoas com quem já deixei de falar durante dois anos, já me deixaram de falar a mim, que eu já tentei agredir, mas que são pessoas de quem eu continuo a gostar profundamente. E tenho lá, pela primeira vez, a presença da minha mulher. Foi um privilégio reunir as pessoas: juntaram-se ali para beber um copo e conhecer o single! O Victor, o Pedro Chau, o Portuguese Pedro, o Pedro Serra, o Miguel Padilha… são mesmo os meus melhores amigos! Hoje vou ao cinema e vou encontrá-los; ontem fomos ver os iniciados da Académica e estava lá uma série deles (risos).
Entrevista: Bruno Martins