Para quem se anunciou, com estrondo, a gritar “no future” aos quatro ventos, a longevidade não deixa de impressionar. Quatro décadas passadas do momento em que esse grito, o do punk, se amplificou e começou correr mundo sem olhar a fronteiras e línguas; quatro décadas passadas desde esse 1977 que marca o ano 1, aquele em que os Sex Pistols editaram Nevermind the Bollocks, ainda se sentem os ecos dessa revolução que devolveu as ruas ao centro da cultura popular, que obrigou a repensar a forma de criar música e que contaminou todas as outras artes – porque se o punk era atitude, prova de insatisfação e manifesto anti-conformista, todos tinham algo a retirar dele.
Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram. Revisitar desviando também o olhar para outras áreas do globo. Para sítios como Portugal? Que pergunta. Claro que sim. “Há que violentar o sistema”, não é?”
Ramones – “Blitzkrieg Bop”
Lá estavam os quatro encostados à parede mais pichada que grafitada, uma parede velha das ruas certamente não nobres da cidade. Quatro rufiões do rock enfiados em casacos de cabedal e calças de ganga rotas. Mãos nos bolsos e aquela pose que não é pose. São eles, Johnny, Tommy, Joey e Dee Dee.
Ramones na rua, Ramones no estúdio, Ramones onde quer que estivessem. O álbum de estreia, homónimo, chegou em 1976 e, depois dele, tudo mudou. Os Ramones eram um durão como Johnny, um ex-geek desengonçado como Joey, um manager, Tommy, transformado em baterista, e um baixista, Dee Dee, que na postura e no estilo de vida boémio e decadente encarnava a mitologia punk.
Cantavam a crua realidade das ruas e as suas personagens. Cantavam anti-heróis juvenis, cantavam cenários cartoonescos e até tinham jeito canções pop de amor. Faziam-no com ouvidos postos nos fundadores rock’n’roll dos anos 1950, nos Beatles iniciais ou nas produções girl group de Phil Spector- e as melodias não enganavam. Mas era como se todo esse legado tivesse sido atirado para uma dimensão paralela onde tudo acontecia muito rápido, onde o artíficio não tinha lugar e onde não havia tempo a perder com pormenores desnecessários – 20 minutos demoravam os históricos primeiros concertos.
Guitarra, baixo, bateria e voz. Um minuto e meio, dois minutos. Uma canção de três minutos já seria um épico imperdoável. Tudo bem apresentado em “Blitzkrieg Bop”, um dos muitos clássicos do primeiro álbum. A canção é todo um programa. Com que então a guerra relâmpago como nova dança? – humor provocador, o dos Ramones, “and the kids are losing it”. A formulação dos versos parecia saída das velhas canções rock’n’roll, mas as velhas canções rock’n’roll não soavam a um rolo compressor, sólido como rocha, a acelerar alegremente na nossa direcção. “Hey ho, let’s go”. Estava dado o tiro de partida. Era tempo de tomar as ruas. Ou melhor, de devolver as ruas ao rock’n’roll.
Foi o que fizeram, como nenhuns outros, os Ramones. O epicentro do punk tem o seu nome, como poderão confirmar todos os que vieram depois.
Ficha Técnica:
Textos – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso