“Parece que tenho uma responsabilidade, enquanto escritor de canções, de escrever sobre coisas difíceis”
Life Will See You Now podia ser a frase de uma enfermeira a entrar numa sala de espera, a pedir para entrarmos num consultório. Em vez de estar por lá um médico de estetoscópio ao pescoço estaria… a vida. É ela que, em última instância, toma conta de nós, que nos dá os remédios. É assim, pragmático e frontal, o novo disco do sueco Jens Lekman, que regressa com histórias de vida mundanas pintadas em tonalidades pop. Apesar de dores e tragédias, o que Lekman queria mesmo era fazer um disco que fosse divertido de tocar ao vivo.
Quem ouvir este disco sem prestar grande atenção às letras pode ficar surpreendido com o que escreveste: é uma belíssima coleção de histórias, algumas delas tristes, mas envolvidas em melodias aparentemente alegres e felizes, bem ao estilo pop. Como é que funcionou essa dinâmica ao criar este disco?
Parece que tenho uma responsabilidade, enquanto escritor de canções, de escrever sobre coisas difíceis, tristes, mas, ao mesmo tempo, sem deixar o ouvinte sem qualquer ponta de esperança ou direção. A forma mais fácil de o fazer é através da música: se tiveres uma canção triste e lhe puseres por baixo uma batida constante vais ficar com a sensação de que nem tudo está perdido. É uma dinâmica que tenho vindo a trabalhar desde que comecei a fazer música, creio eu.
Mas antes de gravares as canções e as ofereceres às pessoas, precisaste de perceber bem o que é que estavas a escrever? Viver o que estavas a escrever?
A música sempre foi, para mim, uma forma de perceber as coisas, de pôr em perspetiva e até de processar as coisas.
Também como um escape, uma forma de encontrares alívio para as coisas mais tristes de que falas?
Sem dúvida que a música funciona dessa forma para mim. Eu pego em algo que é difícil para mim e escrevo sobre isso até começar fazer algum sentido. É quase como na canção “Evening Prayer” a personagem Babak imprime, a três dimensões, e o seu tumor e o coloca no bolso da camisa. Isso é quase uma ilustração das minhas canções. Gosto de pensar nas minhas canções como pequenos objetos de plástico a replicar algo que é muito difícil, mas que se torna mais tangível, mais concreto na altura em que se tornam uma canção.
“Gosto de pensar nas minhas canções como pequenos objetos de plástico a replicar algo que é muito difícil, mas que se torna mais tangível, mais concreto na altura em que se tornam uma canção”
Este Life Will See You Now nasce de histórias que nasceram durante o processo de escrita do disco?
Sim. Não são todas histórias de coisas de coisas que aconteceram. Aliás, até ganhei muito o gosto de escrever ficção enquanto compunha este álbum. Quis inventar coisas, mas não deixam de ser canções emocionalmente autobiográficas: eu não conseguiria escrever sobre algo que não tenha sentido ou experienciado. Como disse: a canção “Evening Prayer” é muito sobre como nos podemos relacionar com o facto de um amigo nosso estar doente, a atravessar por tratamentos médicos. Tive muitos amigos que passaram por quimioterapia, outros que estavam ansiosos à espera dos resultados de testes — eu também fui muitas vezes examinado durante esse período. Questionei-me muito sobre esse momento, sobre como é que me deveria relacionar com os meus amigos.
Nesse sentido, sentiste uma urgência especial em editar este disco? Para poderes mostrar as canções aos teus amigos que estavam em processos de quimioterapia, por exemplo?
Eu pergunto sempre às pessoas sobre quem vou escrever se elas se importam de acabar num álbum meu… Eu comecei a escrever mais ficção precisamente para tentar proteger esses meus amigos. Por exemplo, “Evening Prayer” é sobre uma série amigos meus que acabam por ser representados por uma única personagem, o Babak. E muitas das canções do disco funcionam dessa forma.
“Não são todas histórias de coisas de coisas que aconteceram. Aliás, até ganhei muito o gosto de escrever ficção enquanto compunha este álbum”
Comparando com I Know What Love Isn’t, de 2012, parece que este Life Will See You Now parece ter uma sonoridade diferente, mais ligada à pop.
Eu queria fazer algo mais ligado a ritmos, melodias. Fazer música pop. Acho que o último disco foi uma tentativa de dar uma roupagem às canções a condizer com as histórias que estava a cantar. Elas tinham um tom mais abaixo por causa disso. Desta vez quis trabalhar mais com contrastes. Quis fazer algo que fosse divertido de tocar ao vivo, para dizer a verdade.
Tenho de te perguntar: já ouviste falar numa banda portuguesa chamada Dead Combo?
Dead Combo? Acho que não…
Desculpa-me, é que o início do tema “What’s That Perfume That You Wear” faz-me lembrar muito Dead Combo… Podia ter sido uma inspiração.
Estás a falar do início da guitarra? Aquele “pam pam pam pam”… Que giro. Interessante. A ver se vou espreitar.
Como foi o processo de composição e gravação? Sozinho ou com banda?
Comecei sozinho. A meio do processo apercebi-me que precisava de ter mais alguém a entrar no processo. Lembrei-me do produtor, o Ewan Pearson, com quem já tinha trabalhado num disco que fiz com a Tracey Thorne. Sabia que ele também sabia trabalhar com drum machines e outras máquinas de eletrónica e era isso que estava à procura. E ele é uma pessoa tão simpática que quis trabalhar com ele, alguém em quem confiava. E ajudou-me a acabar o disco.
A digressão do disco já começou, entretanto. Está previsto passares por Portugal?
Espero que sim. Ainda não tenho novidades, mas sei que o meu agente tem procurado espetáculos por aí. Espero que dê para ir tocar porque tenho ótimas memórias das duas vezes que estive em Portugal [2009 e 2013].