“É mais poderoso falar daquilo que está à volta, tentar descrever as emoções, do que estar a escrever uma espécie de mandato político”
Os ferozes de Notthingham estão de volta. Velozes, certeiros, para consumo instantâneo: são English Tapas servidas por Jason Williamson e Andrew Fearn, a dupla que forma os Sleaford Mods. O novo disco volta a trazer as histórias pontiagudas da classe operária britânica. Há quem diga que os Sleaford Mods são punk, outros dizem que são hip hop. Há quem os cole à velocidade dos clássicos da década de 1970 e 1980; e há outros dizem que eles são os Run The Jewels ingleses. A verdade é que os rapazes de Notthingham querem e podem ser tudo. “Vai fazer sempre sentido falar em punk, mas hoje já não é tão relevante da mesma forma. É preciso haver uma nova forma de comunicar neste estilo de música: não pode ser feito como era feito antigamente e não nos podemos agarrar só aos feitos do passado”, diz-nos Jason que assume este English Tapas como um disco mais maduro — ou, pelo menos, com uma visão mais clara sobre as coisas. A culpa é da paternidade, do filho que hoje tem ao colo a chorar, acabadinho de acordar, e da “sobriedade”. “Hoje sou um homem de família. Tenho outras responsabilidades”, sublinha. O difícil para este chefe de família é a altura de sair para a estrada em digressão — e vão voltar a Portugal para o NOS Primavera Sound. “Mas é a natureza do trabalho, innit [não é]?”
O que é que vos motiva na altura de começar a fazer um disco novo?
É sempre aquele sentimento de nos juntarmos e começar a fazer algo juntos. É nessa altura que começamos a sentir a curiosidade sobre aquilo que podemos vir a fazer a seguir. São sentimentos que começam a aparecer depois daquele período de acalmia que se segue à digressão de um disco.
Para este English Tapas o que é que vos motivou em particular?
O que queríamos era comunicar com verdade uma série de coisas. É uma necessidade de ter voz e opinião, mas também encontrar novas melodias. É tudo aquilo que um músico procura quando vai gravar um disco. Não se pode dizer que houve uma única coisa que nos tenha dado a vontade de ir para estúdio, mas o principal foi a necessidade de criar. E a passagem do tempo é um grande agente de mudança na forma como se faz música. Nós não mudamos muito, propriamente, de álbum para álbum.
De qualquer das formas, os Sleaford Mods têm sido sempre um retrato de uma atualidade socio-política no Reino Unido. Com todos os acontecimentos políticos dos últimos meses em Inglaterra, sentiram que era mais urgente fazer este disco?
Na verdade não. Tínhamos mesmo que fazer o disco nesta altura, porque foi isso que acordámos com a [editora] Rough Trade. O álbum devia ter sido entregue em setembro do ano passado. Não se pode dizer que tenha sido uma vontade massiva de comunicar os problemas do país. Foi uma mistura de tudo, na verdade.
“Nós só fazemos aquilo que achamos que devemos fazer. Pegamos em alguns elementos do universo punk porque gostamos muito, claro. Mas eu não acho que sejamos uma banda punk. Na verdade nem sei o que somos… Mas sinto que é algo muito individual, uma fórmula de música bastante original”
Vocês não são uma banda política, mas é sobre os contextos que vos rodeiam que gostam de falar, certo?
Sim, é mais poderoso falar daquilo que está à tua volta, tentar descrever as emoções, do que estar a escrever uma espécie de mandato político, ou a falar em linguagem política. A política é uma coisa muito profunda e complexa — e eu não sei muito sobre política, por isso a forma com que eu gosto de abordar as preocupações que as políticas provocaram neste país é a comunicar com estas canções: como observadores.
A falar dos teus amigos, da tua família, dos teus vizinhos? São as tuas observações mais locais que te servem de inspiração para as músicas?
Nem por isso. Eu não me dou assim com tanta gente nem tenho grandes amigos. Sou mais um homem de família e o meu tempo passo-o em casa.
[o telefone está em alta voz porque o bebé de Jason acordou e tem que tomar conta dele enquanto conversa connosco]
O que me inspira mais é o ambiente geral que sentimos quando saímos à rua ou viajamos entre cidades. Inspiro-me numa atmosfera geral.
“Há muito ênfase na explosão do punk na década de 1970. Ainda é muito falado e examinado. Mas eu acho que já não há muito para examinar, na verdade. Já passaram 40 anos!”
Sendo agora pai também te dá outra vontade de cantar? Também te influencia as palavras?
A escrita nem por isso, mas ser pais é mais motivante, sabes? Com mais responsabilidade, costumamos ter também a cabeça mais desperta: saio menos, não ando bêbado a toda a hora… a sobriedade trouxe-me outra concentração, um outro foco. Só sóbrio é que podia ser pai.
Mas isso não te dá uma outra perspetiva, menos nublada, das coisas?
Pois, isso sim. Ter despertado para as minhas responsabilidades, tornou tudo mais maduro. A abordagem às canções, pelas palavras, também é mais madura. Este novo disco é um álbum mais adulto — o mais possível.
O problema de ser músico e pai é a altura das digressões, não é?
Implica muito trabalho, na verdade. Muita organização. E agora quando vou para a estrada sinto muita falta da minha família, mas é a natureza do trabalho, não é? Há que aceitar e continuar.
Vocês já descreveram o vosso género como sendo uma espécie de mistura entre punk e hip hop: punk-hop. Este ano celebram-se 40 anos do punk: achas que ainda faz sentido falar na existência de hoje desse movimento?
Claro que há! O punk mudou a música e com muitos aspetos interessantes. Vai fazer sempre sentido falar em punk, mas hoje já não é tão relevante da mesma forma. É preciso haver uma nova forma de comunicar neste estilo de música: não pode ser feito como era feito antigamente e não nos podemos agarrar só aos feitos do passado, percebes?
Como assim?
Há muito ênfase na explosão do punk na década de 1970. Ainda é muito falado e examinado. Mas eu acho que já não há muito para examinar, na verdade. Já passaram 40 anos!
Vale mais fazer música em vez de se falar sobre música?
Acho que sim. Que se pegue nessa energia toda, nessas análises, e que se canalize para outra coisa qualquer. É isso que vai fazer com que apareçam novas criações e não apenas imitações de alguém a tocar uns acordes distorcidos numa [Gibson] Les Paul.
“Eu não me dou assim com tanta gente nem tenho grandes amigos. Sou mais um homem de família e o meu tempo passo-o em casa. O que me inspira mais é o ambiente geral que sentimos quando saímos à rua ou viajamos entre cidades. Inspiro-me numa atmosfera geral”
É isso que os Sleaford Mods acreditam que estão a fazer?
Nós só fazemos aquilo que achamos que devemos fazer. Pegamos em alguns elementos do universo punk porque gostamos muito, claro. Mas eu não acho que sejamos uma banda punk. Na verdade nem sei o que somos… Mas sinto que é algo muito individual, uma fórmula de música bastante original.
O que é que os fãs vos dizem? Achas que olham para vocês como sendo uma banda punk?
Eles veem-nos como uma boa banda! Há quem diga que é música mod, outros ouvem grime e hip hop, e outros veem punk. Mas não creio que digam que somos só uma banda punk. Somos muita coisa!
Sentes que os Sleaford Mods também têm hoje um importante papel de contra-cultura, de revolta?
Sinto que sim. Somos uma banda alternativa às fórmulas pop que dominam a música hoje em dia.
Entrevista: Bruno Martins