“Gostava de ser responsável por fazer as remisturas oficiais de musicais! Imagina o Fantasma da Ópera remisturado por mim!”
Superamos as dificuldades de uma ligação telefónica entre Lisboa e Londres — julgávamos que eram problemas do passado, na verdade — com muito bom humor. Klein, de 19 anos, é uma jovem produtora britânica que tem dado que falar no universo da eletrónica mais experimental e difusa, psicótica e inexplicável, próxima dos universos já explorados por nomes como Dean Blunt ou os seus Hype Williams, Micachu.
O ano passado editou dois trabalhos: ONLY, o seu primeiro longa-duração, e o EP Lagata. Mesmo assim, a londrina — filha de pais nigerianos — diz que gosta de trabalhar com calma. Não quer (para já) trabalhar com programas que lhe facilitem a vida. “Experimentei o Ableton há duas semanas mas aquilo é muito rápido!”
Já passou por Portugal, também o ano passado, no festival OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro, e regressa agora a Lisboa, à ZDB (hoje, sexta-feira, 31 de março) a propósito da primeira edição da bienal de artes contemporâneas — BoCA.
Tens 19 anos, dois trabalhos no Bandcamp para irmos descobrir. Conta-nos como é que começou a tua carreira na produção?
É uma pergunta interessante (risos) porque não tenho certeza! Eu em casa sempre tive interesse por, apenas, fazer e descobrir coisas por mim própria. SEmpre me questionei como é que as pessoas faziam certos sons. Para mim foi sempre divertido andar a brincar com coisas. Nos últimos anos é que fui explorando algumas ideias daquilo que é e não é música pop e misturá-la com aquelas coisas de que gosto mesmo — coisas clássicas, elementos e sensibilidades. Por isso é que digo: não sei bem quando é que comecei…
Que influências tinhas em casa?
Diria que era uma mistura de coisas que a minha mãe ouvia: gospel, por exemplo. Mas também muita música pop. Só aos 14 é que conheci o grunge e isso, sem dúvida, que teve um impacto em mim, em eu ter sido também emo (risos). Mesmo quando hoje toco guitarra, o meu estilo tende a ser muito com essas influências! E ainda hoje gosto de pôr alguns desses elementos na minha música…
Klein toca hoje, dia 31 de março, na galeria Zé dos Bois, em Lisboa, a propósito da primeira edição da bienal de artes contemporâneas — BoCA
É um desafio: ouvir os teus discos e ir encontrá-los! Mas conta-nos como é que começaste a fazer as tuas produções lá em casa. Como é que começaste a produzir num computador em vez das guitarras?
É curioso: A primeira vez que fiz uma produção no computador foi há duas semanas! (risos) Prefiro gravar samples, gravação de exteriores, sons de instrumentos tocados por mim ou por amigos meus — até porque eu não tinha espaço nem dinheiro para ter instrumentos. E depois transformo, lentamente, em samples em qualquer software barato. Há duas semanas é que apanhei um Ableton: é fixe, gosto, mas é muito rápido! Eu prefiro fazer coisas que demorem muito tempo a ser feitas em vez de fazer cinco músicas em uma hora.
És muito picuinhas com as tuas produções?
(risos) Diria que não! Porém, nas últimas duas semanas, estou a tornar-me! Gostava de tornar-me um bocadinho mais.
“Em casa tinha uma mistura de coisas que a minha mãe ouvia: gospel, por exemplo. Mas também muita música pop. Só aos 14 é que conheci o grunge e isso, sem dúvida, que teve um impacto em mim, em eu ter sido também emo”
Dizes que produzes de forma lenta, porém, em 2016, editaste um longa-duração — Only — e um EP — Lagata.
Antes de Only ainda editei mais alguns EPs. Sinto é que nos últimos anos comecei a editar coisas em que não penso muito. Comecei a fazer, simplesmente. Nem sinto que tenha sido trabalho pesado, sobretudo o Lagata: foi mesmo divertido e fácil de fazer.
Parece que ainda te estás a descobrir enquanto produtora. Concordas?
Acho que sim, mas faço questão de não me perder muito. Por isso é que digo que, mesmo que use Ableton quero continuar a usar os meus samples, não quero usar presets. Mas às vezes também fico entediada de mim própria. Ainda no outro dia estava a fazer música e a pensar: “Meu deus, isto está terrível!” Só que depois também mudo de ideias relativamente àquilo que gosto ou não do que faço. Olha, é um conflito enorme (risos).
Como é que descreves a tua música? É difícil dizer qual o género em que te encaixas.
Se tudo correr bem eu vou lançar um disco novo em setembro e já aconteceu eu estar a produzir e a pensar: “Ah, meu deus, isto é tão dramático! Podia ser tocado num musical, num teatro!” O que eu sei é que não penso em fazer músicas para tocar na rádio. Ou sequer em discotecas! Por exemplo, quando estava a fazer o Lagata percebi que algumas malhas estavam a vir com batidas e pensei logo: “Naaaaa! Quero fazer algo que possa aparecer num musical!” O meu próximo EP vai ser terrível (risos). Já estou a abanar a cabeça de tão embaraçoso que vai soar.
Num musical? Explica lá isso melhor? Em que musical gostavas de ouvir as tuas músicas?
Gostava de ser responsável por fazer as remisturas oficiais de musicais! Imagina a banda sonora do Fantasma da Ópera, do Andrew Lloyd Weber, remisturada por mim!
Nasceste em Londres, mas os teus pais são nigerianos. Já viveste em Lagos, depois mudaste-te para Los Angeles e agora moras outra vez em Londres. Tens 19 anos: como é que todas essas mudanças te marcaram?
Não sei se marcaram… eu vou ter sempre o elemento de nigeriana porque os meus pais são de lá. Só que eu sou britânica e acho que a única influência que os miúdos ingleses hoje têm é o trap. Cada vez que saio o que ouço é trap ou então uma nova música do Drake! Há sempre uma música nova do Drake! E é isso que tenho na cabeça, constantemente: melodias do Drake e trap.
“Sei é que não penso em fazer músicas para tocar na rádio. Ou sequer em discotecas! Por exemplo, quando estava a fazer o Lagata percebi que algumas malhas estavam a vir com batidas e pensei logo: “Naaaaa! Quero fazer algo que possa aparecer num musical!” O meu próximo EP vai ser terrível (risos)”
E ao vivo? Como é que descreves o teu espetáculo? Só para sabermos com o que contar na ZDB.
Não sei, na verdade! Muitos dos vídeos que se vêem meus online não são uma grande representação do que eu faço. Pelo menos eu não gosto muito. Acho que é mais intenso, na verdade. E é o que os meus amigos me pedem: mais intensidade, mais beats e mais baterias. Acho que é isso!
No outro dia comprei o teu primeiro disco, Only, no teu Bandcamp. E na pasta que descarreguei vinha um ficheiro com um pdf que me fez rir muito: agradecias a compra e dizias que esperavas dar muitos concertos e usar o dinheiro para mudares-te para Paris, começares a sair com o Kanye West e passarem o dia a falar de moda. Isso é que é sonhar!
(gargalhadas) Mas já mudei de ideias! Acho que íamos discutir muito.
Entrevista: Bruno Martins