“Este é um disco que fala mais do dia-a-dia, dos problemas sociais que temos… até de problemas que não existem, mas a que nós damos importância”
Em três anos, três trabalhos de estúdio. Os vimaranenses Paraguaii — de Giliano Boucinha, Igor Gonçalves e Zé Pedro Correia — formaram-se em 2014 e desde então já editaram um EP homónimo (2015); o longa-duração Scope; e agora o mais recente Dream About the Things You Never Do.
É Giliano Boucinha que nos fala das mudanças sonoras que se vão sentido na sonoridade da banda de trabalho em trabalho: a forma como o rock dos Paraguaii se vai transmutando em algo mais híbrido. “Enquanto guitarrista, noto que este disco tem muito menos teclados. Passo muito mais para os teclados e sintetizadores, mas mesmo assim tem algumas guitarras que têm aquela sonoridade rock que nós tínhamos e continuamos a ter.” Isso torna este disco num trabalho mais dançante e atrevido. É algo para comprovar nos concertos de apresentação deste Dream About the Things You Never Do. Depois da Casa Independente, em Lisboa, os vimaranenses vão atuar em Freamunde no dia 13 de abril no Festival Walk & Dance.
Dream About the Things You Never Do é o segundo trabalho dos Paraguaii. Como é que o disco começa a ser feito?
Em 2016 lançámos o Scope, o nosso primeiro álbum, mas rapidamente esgotámos a rodagem dos singles — que foram três. E mais ou menos a meio, em agosto desse ano, começámos a pensar em lançar um trabalho diferente, até porque desde o início dos Paraguaii que queríamos fazer algo mais dançável e eletrónico. Esse gostinho estava um bocado de parte e o Scope, na realidade, já tinha algumas músicas dentro desse género. Mas achámos mesmo que era altura de fazer algo diferente — até porque o nosso baixista, o Zé, tem estúdio que está à nossa disposição, e por isso era fácil criar músicas novas. E 2017 pareceu-nos ano ideal!
Este desejo de trabalhar com sonoridades mais eletrónicas e dançáveis vem de onde?
Nós os três já tivemos projetos anteriores e fizemos coisas diferentes, mas havia algo em comum que ainda não tínhamos feitos: era o gosto pela eletrónica mais dançante. Gostamos muito de Hot Chip, Metronomy, Caribou… nos últimos dois anos ouvimos muito esse tipo de sonoridade e acho que isso refletiu-se no trabalho que acabámos de fazer. Não são influências diretas, e únicas, mas quando começámos a entrar nesse mundo houve ali o nosso subconsciente a trabalhar — nascemos todos nos anos 1980 — e parece que de repente as sonoridades, as harmonias, encaminhavam-se todas por aí. E nós gostamos muito. Quando tocávamos até sentíamos uma certa nostalgia, que era estranha de sentir, mas era boa. De repente as sonoridades, as harmonias, estavam a ir todas por aí. E nós gostamos muito.
“Desde o início dos Paraguaii que queríamos fazer algo mais dançável e eletrónico”
O que fizeram neste Dream About the Things You Never Do foi cruzar a vossa raiz enquanto banda com essa vontade.
Exatamente, não foi deixar o rock de parte, na sua totalidade, mas criar uma certa fusão num ou noutro tema. Enquanto guitarrista, noto que este disco tem muito menos teclados. Passo muito mais para os teclados e sintetizadores, mas mesmo assim tem algumas guitarras que têm aquela sonoridade rock que nós tínhamos… e continuamos a ter.
Como é que as dinâmicas da banda se alteraram para este disco?
Nós tivemos um processo de composição um pouco diferente em relação ao último disco, em que as músicas foram todas compostas em sala de ensaio — ou se havia uma malha sacada por um de nós inicialmente, depois era construída em comum. Neste álbum foi então diferente: como queríamos fazer algo mais eletrónico, eu e o Zé [Pedro Correia], principalmente, fomos para o estúdio e trabalhámos diretamente com os programas de gravação e com todo o tipo de plug-ins que possamos imaginar. Hoje em dia é fácil fazer música como se fosse na tela, a expor as ideias: as músicas foram todas compostas ali e observadas, a criar juízos sobre as melodias, e assim nasceu a parte rítmica. Só depois de termos os instrumentais completamente prontos é que fui para casa tentar escrever algo (risos)… porque realmente não sabia o que haveria de fazer.
“O que fizemos não foi deixar o rock de parte, na sua totalidade, mas criar uma certa fusão num ou noutro tema. Enquanto guitarrista, noto que este disco tem muito menos teclados. Passo muito mais para os teclados e sintetizadores, mas mesmo assim tem algumas guitarras que têm aquela sonoridade rock que nós tínhamos e continuamos a ter”
Foi a sonoridade que acabou por encaminhar a temática lírica do disco?
Eu divido um bocado aquilo que se diz, a parte mais poética, daquilo que são as melodias da voz. A melodia sim, foi atrás da música e tentando complementar aquilo que a música pedia, mas em termos de letras foi um bocado aleatório. Se fizermos uma comparação com o disco anterior, o Scope fala sobre o universo, sobre aquilo que o Ser Humano é, de onde viemos e para onde vamos… as questões mais existenciais por que todos passamos numa fase mais juvenil. Este Dream About the Things You Never Do é mais concentrado aqui (risos) no abstrato do que o universo pode ser. Este é um disco que fala mais do dia-a-dia das pessoas, dos problemas sociais que temos… até de problemas que não existem, mas a que nós damos importância — são aqueles caprichos, problemas diários, comuns a todas as pessoas.
Mas mesmo assim não lhes conseguimos fugir porque também não nos saem da cabeça! Como as relações falhadas, os medos e as angústias…
Exatamente. E os problemas do dia-a-dia, das contas por pagar que criam uma certa inquiteção nas pessoas e às vezes até doenças, como stress e depressão… mas no fundo, se pensarmos bem, nós não temos problemas nenhuns, não é? (risos)
Queres explicar-nos o título do disco: “sonhar com aquilo que nunca fazemos”, traduzindo para português…
Há uma música com o título do disco. Creio que é um nome que acaba por abranger as músicas todas e a também parte escrita, o sentido que elas tinham. Mas também foi a pensar precisamente naquelas coisas com que sempre sonhámos fazer, mas nunca fazemos: é para amanhã, depois é na próxima semana e quando damos por ela passaram dez anos e nunca chegámos a fazer aquilo com que sonhámos.
Para quem ainda não conhece os Paraguaii: formaram-se em 2014 e em três anos já fizeram três trabalhos de estúdio. Um EP, um disco de estreia e agora um segundo disco. Mostra que existe uma grande simbiose e vontade na banda de criar música?
Exato. Há uma certa predisposição nossa para essa criatividade. Todos trabalhamos um bocado dentro da música, de maneiras diferentes, mas a música está sempre presente nas nossas vidas. E logo daí também há mais facilidade de criar e tentar perceber o que se pode fazer melhor para Paraguaii. E achamos que hoje em dia, com esta tecnologia toda, as coisas passam muito rápido. Antigamente, lançava-se um single que era capaz de durar um ano ou mais. Hoje em dia sentimos que lança-se um single e ao fim de três meses parece que a informação se começa a perder… há logo a necessidade de criar algo novo! É em resposta a isso que trabalhámos com essa intensidade: achamos que é preciso estar sempre a alimentar o nome Paraguaii — ainda que não seja forçado e seja algo que gostamos de fazer.
“Há uma certa predisposição nossa para essa criatividade. Todos trabalhamos um bocado dentro da música, de maneiras diferentes, mas a música está sempre presente nas nossas vidas. Hoje em dia sentimos que lança-se um single e ao fim de três meses parece que a informação se começa a perder… há logo a necessidade de criar algo novo!”
O primeiro concerto deste novo disco aconteceu na Casa Independente, em Lisboa. No dia 13 de abril vão estar no Festival Walk & Dance, em Freamunde. O facto de terem agora um disco mais dançante também faz com que estejam à espera de ver as plateias reagir de uma outra forma nos concertos?
Exatamente. Isso é o reflexo que já tínhamos tido em alguns temas de Scope. Nos concertos acabámos por tentar ir perceber quais eram as músicas que funcionavam melhor, o que é que realmente faz mexer as pessoas… agora ao vivo estamos a tocar algumas músicas do disco anterior, que se enquadram neste novo disco. É um concerto, mais ou menos todo ele dançável e mexido.
Entrevista: Bruno Martins