Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
The Clash – “Guns of Brixton”
Eram como uns Sex Pistols com planos detalhados para o pós-apocalipse. Eles, os Clash. Tinham a liderá-los Joe Strummer, o filho de diplomata que andava a passear o cabelo comprido em casas ocupadas e a tocar pub-rock nos palcos rock’n’roll em que o punk fermentava. Tinham como guitarrista Mick Jones, músico dotado com passado em bandas garage, e como baterista o muito virtuoso Topper Headon, que aterrou na banda depois de, diz-se, centenas de audições (depois de toda essa procura, foi tiro mais que certeiro). Como baixista, surgia Paul Simonon, o esteta e homem das artes que queria fazer qualquer coisa com toda aquela energia que fervilhava mas não sabia exactamente o quê – acabou por pegar no baixo e acabou, mais tarde, a espatifá-lo em palco, oferecendo ao punk, na capa de “London Calling”, uma das suas imagens mais fortes e icónicas.
Editado em 1979, “London Calling” é o terceiro álbum dos The Clash. Os Sex Pistols já não existiam e os Clash já tinham sido acusados de se venderem ao inimigo, por terem assinado por uma multinacional, a CBS, antes da estreia discográfica.
Em “White riot”, o primeiro single da história da banda, editado em 1977 e que era 1 minuto e 58 segundos de activismo cavalgando no ritmo acelerado e na batida crua, pediam levantamentos, pediam que quem não tivesse causas para lutar que as procurasse, que causas não faltavam. Eles sabiam que não: Strummer e Simonon tinham participado nos motins durante o Carnaval de Notting Hill de 1976, quando a violência policial caiu sobre a população londrina de origem caribenha daquele bairro. Os Clash, repetimos, tinham um plano. O punk deveria ser agregador, devia expandir-se e acolher outras linguagens. O rockabilly e o dub, o garage e o reggae, os Ramones e Woody Guthrie.
Quando chegou “London Calling”, tornaram-se aquela que foi, provavelmente, a banda mais importante do seu tempo. “Guns of Brixton”, na forma como transforma o abandono do dub em tensão marcial e na forma como é canção e relato social – o da violência a larvar nos bairros londrinos assolados pela polícia, pela crise, pela retórica racista em crescendo -, mostra-nos os Clash a prosseguiram, até ali infalíveis, no cumprimento do seu plano. Paul Simonon cantou e criou a inconfundível linha de baixo de uma canção para a história, incluído num álbum histórico. Duplo, porque havia muito a dizer. “Guns of Brixton” então: “When they kick at yout front door / How you gonna come? / With your hands on your head / Or on the trigger of your gun”. Os The Clash sabiam muito bem o que viam. Também sabiam o que queriam.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso