“A música já não é só um hobby. Já sinto que é uma responsabilidade”
De forma lenta e delicada, João Valido — que é mais conhecido no mundo do rap por Valas — vai dando a conhecer-se a um público maior. No ano passado editou o seu mais recente disco, Raízes de Pedra — uma homenagem ao seu Alentejo. Pelo meio foi aparecendo em algumas colaborações, como “Não era assim”, no projeto Vivificat, de Sensei D. Mas sempre com um novo trabalho em mente. É um novo disco que vai sendo construído e desvendado aos poucos: já conhecemos três singles e três vídeos, dois deles bem recentes, e que, diz-nos o rapper, fazem parte do mesmo universo que está a preparar para o álbum que, espera, terá edição no início do próximo ano.
Valas fala-nos destas novas músicas, do trabalho com o produtor e amigo Lhast, da sua ligação ao Alentejo e desse tão desejado disco.
Lançaste recentemente dois temas novos: “Acordar Assim” e “Alma Velha”. Juntam-se a um outro single que editaste no fim do ano passado: “As Coisas”. Isto é um claro sinal de que estás a trabalhar num novo disco, certo?
É isso mesmo: representam o trabalho de me estar a envolver num disco novo, a tentar encontrar temas que se possam juntar todos num coletivo de músicas. O “Acordar Assim” é um tema que eu já estava a querer lançar há algum tempo e representa aquela ideia de um gajo sentir-se realizado ou acordar de repente a fazer aquilo de que gosta. Passa por todos os anos em que estive a tentar vingar, digamos assim, e de repente consigo aproximar-me bastante daquilo que sonhei. O “Alma Velha” é um tema que já estava no baú há alguns anos, que tinha sido deixado de lado num projeto antigo chamado Nebula, com o Lhast. Passado algum tempo decidimos ir voltar a buscá-lo. Sempre nos agradou bastante a ideia, o tema, a letra, o próprio instrumental, mas nunca tínhamos terminado… entretanto chegou o Slow J, que gostou bastante do tema — que acho que ouviu na casa do Lhast — e quis dar o verso na música. Fez-nos todo o sentido.
O teu último disco chama-se Raízes de Pedra, que foi uma espécie de homenagem ao teu Alentejo. Esse momento foi o fechar de um capítulo, ao escrever sobre uma série de coisas que eram obrigatórias escrever?
Foi com essa intenção: o Raízes de Pedra vem numa altura em que assinei com a [editora] Universal e foi um pedido que fiz: terminar esse capítulo e tudo aquilo que tinha guardado, para poder dar esse passo em frente e poder começar a assumir as coisas com outro profissionalismo e outra responsabilidade — que foi sempre muito em modo independente. Não é um disco restrito ao Alentejo, mas fala sobre várias coisas que por lá se passam: desde os copos à noite até ao antigo Alentejo e ao trabalho no campo. Fala sobre aquilo que é crescer por no Alentejo e sobre o carinho que tenho pelas minhas raízes. Tudo o que vem a seguir é com uma outra intenção — e acho que se nota essa evolução.
“O ‘Acordar Assim’ é um tema que eu já estava a querer lançar há algum tempo e representa aquela ideia de um gajo sentir-se realizado ou acordar de repente a fazer aquilo de que gosta. Passa por todos os anos em que estive a tentar vingar”
Onde é que achas que se sente mais essa evolução?
Creio que é mais na estrutura e na escrita e não naquilo que estou a fazer em estúdio, porque o método de trabalho sempre foi muito parecido, mesmo antes de estar a trabalhar com a Universal. Onde estou a tentar equilibrar mais é a fazer temas fortes, com letras bem estruturadas e bem escritas. É mais profissionalismo porque sinto que estou a trabalhar nesse sentido: já não é só um hobby ou um passatempo. Já sinto que é uma responsabilidade ter de fazer as coisas bem feitas, não pensar só em mim.
Sentes que há uma urgência em lançar o disco?
Não. Estou mais preocupado em dar continuidade a um trabalho coerente, com bons temas e que tenha uma saída com sucesso. Não me importo, de todo, de ir trabalhando single a single, tentando encontrar novos ouvintes, tentando encontrar novas datas de trabalho, estar ocupado a fazer o que gosto. Se for assim, não vejo problema nenhum em aguentar o trabalho desta forma até janeiro de 2018…
É essa a data que tens no calendário para lançar o teu disco?
É essa a ideia.
O disco vai contar com estes temas já editados ou são apenas experiências?
Vai fazer tudo parte do disco, até porque vou tentar enquadrar todas faixas não só na temática, mas também na musicalidade.
E isso já se sente nestas músicas: no “Alma Velha” tens uma presença marcada de uma guitarra acústica — que já tinhas no “As Coisas”. Em “Acordar Assim” tens uma outra guitarra tocada com os dedos… acho que marca a ligação ao lado orgânico dos beats.
Os temas foram todos produzidos pelo Lhast, por isso também é mais fácil encontrar as tais parecenças. Mas mesmo noutros temas que estou a trabalhar com outros produtores as coisas não vão mudar muito — mesmo que haja algumas coisas fora da caixa. É tudo com a mesma intenção e essência.
Tens trabalhado muito com o Lhast: já tinhas feito outros discos com ele. O que é que ele tem de especial?
Eu tenho uma boa relação de amizade com ele: conhecemo-nos há uns anos e foi muito decisivo na minha carreira. Tanto eu para ele como ele para mim: viemos de uma fase em que não levávamos nada a sério até hoje em dia em que estamos a fazer exatamente o que gostamos: ele é produtor e eu sou rapper. É o produtor com quem mais gosto de me juntar em estúdio, com quem obtenho os melhores resultados. Não quero dizer que com outros não é assim, mas este é o meu preferido e aquele com quem, sempre que posso, trabalho.
“‘Alma Velha’ é um tema que já estava no baú há alguns anos, que tinha sido deixado de lado num projeto antigo chamado Nebula, com o Lhast. Sempre nos agradou bastante a ideia, mas nunca tínhamos terminado… entretanto chegou o Slow J, que gostou bastante do tema e quis dar o verso na música”
Sentes que também tens de ir conhecer outros produtores?
Sim, sem dúvida. Estou a dizer que ele é a pessoa com quem mais gosto de trabalhar, mas não é a única com quem o faço. Não há exclusividade nenhuma e não tenho problemas em trabalhar com outros, porque a minha intenção é sempre a mesma: fazer bons temas com uma sonoridade que me identifique.
Com quem é que estás a trabalhar além o Lhast?
Estou a trabalhar já num tema que penso que poderá vir a ser o próximo com o J-Cool — ele fez algumas coisas com o Jimmy P. Ele é muito talentoso e gostei muito de estar com ele em estúdio e penso que poderão vir alguns temas trabalhados com ele. A partir da Internet é muito fácil hoje em dia encontrar produtores ao teu gosto.
Tem-se falado muito desta tua ligação à Universal Music — porque não é um processo assim tão comum quanto isso no universo do hip hop. Mesmo com contrato com a editora, pareces continuar a ter uma independência quase total.
Sem dúvida. Eu tenho sempre a porta aberta para ouvir a minha equipa. Gosto de ouvir a opinião deles, porque são alguém que já andam neste meio há muitos anos. Se me fizer sentido aquilo que estão a dizer, não tenho problema nenhum em alterar, não vou bater o pé só porque sim. Claro que tenho as minhas ideias e as minhas intenções… mas estamos a remar para o mesmo lado.
O facto de teres acesso a uma equipa maior também te permite outras condições técnicas para fazer a tua música?
As condições de trabalho são muito superiores: o estúdio, o tempo de estúdio, o trabalho com produtores… eles tratam. Foram uma mudança incrível.
“Não me importo, de todo, de ir trabalhando single a single, tentando encontrar novos ouvintes, tentando encontrar novas datas de trabalho, estar ocupado a fazer o que gosto. Se for assim, não vejo problema nenhum em aguentar o trabalho desta forma até janeiro de 2018”
É como um jogador de futebol que ao ir trabalhar para um centro de treino vai ter mais rendimento?
É um bocado isso! Dá estaleca e muita vontade de dar continuidade ao trabalho, evoluir e aprender. Há uma entreajuda gigante, que dão confiança, sem perder os pés no chão.
Ainda moras em Évora, não é? Estares fora de uma capital tão influente como é Lisboa continua dar-te o conforto e uma mente mais clara para aquilo que fase?
Acho que sim, porque a qualidade de vida em Évora é completamente diferente. Para ter a mesma qualidade de vida que tenho em Évora em Lisboa, teria que ter bem mais dinheiro! A não mudança de casa passa por continuar no meu habitat, com a minha família, no meu sítio calmo… em Évora consigo encontrar aquela calma em que é difícil encontrar em Lisboa. Venho quando a obrigação chama.
Entrevista: Bruno Martins