“Já se nota que agora somos uma banda que não está só a existir no meio do caos”
Os nortenhos The Lazy Faithful estão de volta aos discos, depois de Easy Target. O novo trabalho chama-se Bringer of a Good Time e, em conversa na Antena 3, Tommy Hogg, o vocalista, e João Ramos, o guitarrista, explicam a origem deste álbum que já não foi só uma “coletânea de temas”. “Já pudemos fazer tudo mais cuidado… e acho que se percebe isso.”
Os dois músicos falam do ambiente das novas canções, que começa por ser mais negro — é nos ambientes mais depressivos que Tommy gosta de escrever — mas que acabam por ganhar novas cores graças ao trabalho da banda. Ou não fosse este disco, Bringer of Good Time, uma fonte de tempos agradáveis.
Bringer of a Good Time é o segundo disco do The Lazy Faithful. Mudou muito o processo de trabalho do primeiro disco, Easy Target, para este novo trabalho?
Tommy Hogg [T.H.] — Lembro-me que o anterior gravámos no final do verão de 2013 e depois foi lançado em janeiro. Era tudo muito novo para nós: só tínhamos gravado um EP antes, o Nothing Goes On, em 2012. Fomos sentindo mais pressão uns com os outros, mas foi aquele quebrar da primeira vez. Mas gostei mais da experiência de gravar este Bringer of a Good Time, porque tivemos mais tempo para limar as arestas todas. E é um disco mais pessoal: o Easy Target foi mais uma coletânea de temas, em que puxámos todo o repertório. Aqui já pudemos fazer tudo com mais cuidado… e acho que se percebe isso.
João Ramos [J.R.] — Aqui começámos tudo do zero e fizemos tudo com calma.
Essa calma significa menos pressão. De que forma é que isso se reflete no disco? Hoje já conseguem perceber melhor a identidade dos The Lazy Faithful?
T.H. — Nunca saberemos, e da minha parte nunca fingirei saber o que somos, porque tudo surge naturalmente. É fácil dizer que nada foi pensado e que foi muito natural e fluiu, mas claro que houve esforço, think tanks, brainstorms… tudo. Mas a naturalidade esteve sempre lá!
As conversas fazem sempre parte do processo criativo da banda?
T.H. — Conversas e discussões! Começam por ser artísticas e acabam por ser pessoais — que é quando começa a ficar feio.
J.R. — O Tommy pensa mais no que é que a música significa, o que é que ele quer expressar. Tem toda a validade para nos apresentar o conhecimento. Mas em todos os acrescentos que damos, o caminho é sempre querer fazer a música funcionar, só que o ponto de partida é sempre a cabeça do Tommy!
“Com a excepção do single “Nukin’ In The Cookin’” é tudo mais depressivo… não é que seja preguiçoso, mas achei sempre mais fácil escrever uma música triste do que uma música alegre”
Tommy, uma vez que és tu o compositor das letras: houve algum motivo especial para a escrita deste disco?
T.H. — Eu sou um gajo muito depressivo nas escrita (sorri). Com a excepção do single “Nukin’ In The Cookin’” é tudo mais depressivo… não é que seja preguiçoso, mas achei sempre mais fácil escrever uma música triste do que uma música alegre.
Mesmo quando estás alegre?
T.H. — Quando estou alegre faço brincadeiras como a “Nukin’ In The Cookin’” e que, por acaso, acabam por aparecer no disco…
É um processo solitário?
T.H. — Varia muito. Houve músicas que compus sozinho em casa, no sótão, no meu mini estúdio, a escrever em blocos de papel ou partes de trás de recibos; e houve momentos em que tínhamos a melodia de voz, o sítio onde a voz ia entrar, e era o Rafa [Silver] a mandar-me escrever, cinco minutos antes de ter de gravar.
E mesmo assim, nessas circunstâncias, vais para um lado mais depressivo…
T.H. — Regra geral sim. Mas eu aqui desafiei-me muito mais nas letras e estou muito satisfeito. Sobretudo com este segundo single, o “There Was A Light”, que não é depressiva: remete para uma viagem que nunca acaba. Gosto muito do conceito de poder viajar no tempo, mas talvez explore isso no próximo disco da banda. Como no filme “Looper”, sobre um assassino do futuro que volta atrás para se matar a ele próprio. Eu não me quero matar, mas quero voltar atrás e que o eu do futuro diga: “Está tudo bem! Não precisas de stressar!” E que outras coisas é que eu seria capaz de dizer ao mais novo? E começou tudo com a “There Was A Light”, porque é escrita do ponto de vista de uma pessoa a falar com ela mais nova.
“Gosto muito do conceito de poder viajar no tempo, mas talvez explore isso no próximo disco. Como no filme “Looper”, sobre um assassino do futuro que volta atrás para se matar a ele próprio. Eu não me quero matar, mas quero voltar atrás e que o eu do futuro diga: “Está tudo bem! Não precisas de stressar!””
Como é que a banda reage a este universo um bocadinho mais negro?
J.R. — Eu não acho que seja negro…
T.H. — O Ramos nem sabe as letras!
J.R. — (risos) O Tommy tem uma forma muito específica de escrever e de nos apresentar as letras. Ele apresenta-nos as letras já escritas e nós não opinamos. Mas na composição das músicas nem sempre vamos para esse lado e nem sempre as melodias de voz são em tons menores. E mesmo os concertos são muito mais festivos — alegres, com pessoal de sorriso na cara. É mais para cima do que para baixo.
T.H. — Ao vivo esqueço-me sempre que estou a cantar algo triste porque estou com a adrenalina toda. Talvez tenha exagerado quando disse que as músicas são todas tristes, mas era assim que eu estava quando me senti mais criativo e apto a pôr letra nas músicas.
Este é o vosso terceiro trabalho de estúdio. Como é que sentem que têm estado a crescer?
T.H. — Sentimo-nos mais profissionais. A estrada, as entrevistas… Isso acabou por entrar no diálogo que temos agora. Musicalmente acho que se nota uma grande evolução. Já se nota que agora somos uma banda que não está só a existir no meio do caos, que sabe o que está a fazer, que está mais relaxada. Menos tensa, vá.
J.R. — Concordo. Sinto que crescemos tanto musical como tecnicamente. Temos trabalhado mais para este disco e como tivemos tanto tempo parados, depois de gravarmos houve muitos ensaios, novas abordagens às músicas, aos alinhamentos. Sentimo-nos mais confortáveis a tocar um disco novo, mas que já está muito bem rotinado que ganhamos outro espaço ao vivo.
E têm um novo baterista, o Pedro Boga. O que é que ele trouxe de novo à banda?
J.R. — Ele é muito boa pessoa, toca muito bem, e deu-nos uma nova dinâmica!
T.H. — Ele era colega de trabalho do Rafa numa loja de música no Porto e eu lembro-me de entrar lá uma vez para comprar cordas e lembro-me de ver o Pedro tocar numa bateria eletrónica e não sabia que ele tocava alguma coisa de jeito. Quando foi a necessidade de arranjar substitutos — e os bateristas no Porto são escassos e problemáticos — e nós arranjámos o único que não é! (risos) É um santo, pá. Ele veio a um ensaio e ficou logo. Eu estou sempre a dizer para ele não se colar à maneira como o Gil tocou as músicas — ele agora tem que interpretar à maneira dele, mas entrou com o disco já praticamente gravado.
“Estávamos a discutir a capa do disco e eu tinha posto no Facebook esta foto que a minha mãe encontrou numas arrumações. E numa piada, o Rafa sugeriu: “Pomos a foto do Tommy!” E nunca mais se discutiu a capa, pronto”
Tommy, és tu que apareces na fotografia de capa do disco. Vemos-te com um sorriso rasgadíssimo, em criança, longe de todas aquelas nuvens negras de que falávamos há pouco. Porquê a escolha desta foto tua?
T.H. — As nuvens negras estão lá… o problema são os olhos tristes (risos). Em primeiro lugar: é incrível! Segundo, é a minha cara e posso ficar contente porque quem ouvir no Spotify e que desligam o telemóvel durante uma música dos The Lazy Faithful, quando o ativam vai aparecer a minha fronha nos telemóveis das pessoas! E para quem comprou o disco, pode pousar na mesinha de cabeceira e é o filho que nunca teve (risos). Mas a razão principal: estávamos a discutir a capa do disco e eu tinha posto no Facebook esta foto que a minha mãe encontrou numas arrumações. E numa piada, o Rafa sugeriu: “Pomos a foto do Tommy!” E nunca mais se discutiu a capa, pronto.
Eu fiquei com a sensação de que este é um disco que acaba por cruzar a complexidade daquilo que era o vosso primeiro EP e o vosso lado mais direto e cru do segundo disco. O que vos parece?
T.H. — É um ponto de vista válido. No Easy Target, grande parte do disco já estava escrita antes de decidirmos que íamos fazê-lo. Este, 100 por cento, foi escrito já a pensar que íamos fazer um segundo álbum. E fomos dando às canções alguma coesão ou coerência.
Deram um maior sentido a este disco, mesmo não sendo um disco conceptual?
T.H. — Eu tento desviar-me do conceptual. O rock pode exprimir certas coisas, mas quando é mais do que aquilo que é, torna-se apenas masturbação dos músicos e eu tento sempre fugir a isso. Temos uma música de quase seis minutos, uma de sete minutos e outra de nove minutos… já estou a ver muitas acusações de ser muito prog e menos rock ‘n’ roll. E não concordo que sejam músicas prog!
Entrevista: Bruno Martins