Ao longo do ano, a Antena 3 vai revisitar o punk, canção por canção. Revisitar não só o punk, que eclodiu em Inglaterra há quatro décadas, mas também descobrir, lá atrás no tempo, aqueles que o prenunciaram quando punk não era ainda género musical e, um pouco depois desse tempo, aqueles que dele frutificaram.
T.Rex – «I Love to Boogie»
Lá estava Marc Bolan, antigo mod com rosto em capa de revista, ex-hippie de perna cruzada no palco a cantar paisagens da Terra Média de Tolkien, antigo herói do glam rock que David Bowie tão bem aproveitou. Depois de parecer ter perdido o pé com o avanço do mundo, ali estava ele naquele que seria o momento do renascimento, a elogiar os The Damned, a mostrar para a fotografia, orgulhoso, álbuns dos Buzzcocks autografados pela banda, a partilhar copos com os Ramones ou a receber o abraço de Siouxsie Sioux.
Marc Bolan fora ídolo da contracultura hippie inglesa com os Tyranossaurus Rex, no final dos anos 1960, e fora o responsável pela “T. Rexsatsy” que varreu a Inglaterra na início dos anos 1970. Purpurinas no rosto, olhos pintados e colar de penas à volta do pescoço, foi a figura extravagante e absurdamente inspirada (por favor, ouçamos outra vez “Eletric Warrior” e “The Slider”) que anunciou as “Children of the Revolution” depois de se ter auto-intitulado, com propriedade, um “XXIst Century Boy”. Todo aquele excesso na apresentação e o gosto pela extravagância fariam de Marc Bolan um anátema para o punk. Mas isso seria ver sem ver realmente. Seria olhar para as coisas superficialmente, sem perceber nada. Marc Bolan e os seus T. Rex inventaram um mundo que não existia, feito de sonhos cósmicos exagerados, com ligação directa ao rock’n’roll dos primórdios – era a manifestação de uma fuga ao insuportável e monocromático correr dos dias uns a seguir aos outros.
Quando o punk se anunciou de cabelo espetado, t-shirts rasgadas e perdigotos disparados a cada verso, Marc Bolan percebeu instantaneamente. Aquela era a sua gente. A novíssima gente do punk sentiu o mesmo e abraçou afectuosamente aquele tio tão cool de tão extravagante. No ano punk, 1977, Marc Bolan planeou o seu regresso à grandeza de outrora. “Dandy in the Underworld” era o título do álbum e poderia muito bem ser o seu cognome entre a geração punk. Para apresentá-lo, “I love to boogie”, single que acentuava a sua filiação na simplicidade transformadora dos pioneiros do rock’n’roll. Estava planeada uma grande digressão, com os The Damned como banda suporte, mas o grande regresso não chegaria a acontecer.
A 16 de Setembro de 1977, o Mini conduzido pela sua namorada, Gloria Jones, embateu violentamente numa árvore à beira da estrada. Marc Bolan não regressou. Tornou-se mito mas ainda teve tempo para, de acordo com a sua natureza e visão, abraçar o novo que surgia. O punk, agradecido, também teve tempo para devolver o abraço.
Ficha Técnica:
Texto – Mário Lopes
Voz – Daniel Belo
Sonoplastia – Luís Franjoso