“A ideia continua a ser ter uma banda de rock rural”
Foi com a maior das naturalidades que se partiu o ovo que fez nascer os Ganso, a banda de Luís Salamandro, Miguel Barreira, João Sala, Thomas Oulman e Gonçalo Bicudo. Há um par de semanas editaram o primeiro longa-duração, Pá Pá Pá, sucessor do EP Costela Ofendida.
Thomas Oulman, o baterista, e João Sala, vocalista e teclista, explicam agora como nasceram os Ganso, o porquê de serem uma banda de rock rural que cruzam referências lo-fi com algum psicadelismo, e a ligação que têm à banda desenhada e a José Cid.
Contem-nos como nasceu este Ganso?
João Sala [JS] — Quando começou mesmo? Se calhar o Oulman é mais indicado para contar… porque começou com ele.
Thomas Oulman [TO] — Resumidamente: eu comprei uma bateria em 2014 e comecei a explorar a bateria e meti na cabeça que queria levar aquilo a sério. “Recrutei” uma malta e apercebi-me que tinha já amigos de infância a tocar entre eles há algum tempo e “afiambrei-me” — literalmente — à cena deles…
Mas já tocavas bateria?
TO — Não, não! Comprei uma bateria e foi assim… já toquei piano e tive aulas em criança. Tinha algumas noções, mas bateria foi literalmente à toa, digamos assim. Depois comecei a tocar com eles e encontrei este meu camarada João Sala e recrutei-o também. E pronto, muito naturalmente a coisa surgiu.
João, quando o Thomas te convidou para te juntares à banda, o que é que ele te propôs?
JS — Eu lembro-me que ele achava que eu tocava guitarra e que iam precisar de um guitarrista. Mas eu não era grande guitarrista e também andava a explorar o piano… ofereci-me para ser teclista.
TO — Ganso ainda nem sequer era banda sequer, nem tínhamos músicas. Éramos só um embrião… Nem havia músicas.
JS — Nem nos conhecíamos bem… só de vista, porque andámos todos na mesma escola, no Liceu Francês.
TO — Eu não fui com ideias pré-feitas, mas inconscientemente aquilo que procurava era a estrutura clássica do rock: duas guitarras, um baixo, teclas e bateria.
“O estúdio de Alvalade é um sítio inspirador… aquilo está cheio de instrumentos e saímos de lá sempre a tocar melhor. E muito facilmente fazemos lá uma jam… podem acontecer muitas coisas por lá”
O que é que foi saindo dos primeiros ensaios?
TO — Massa! Massa daquelas que vão para a canja.
JS — Lembro-me que as primeiras músicas que tocámos ainda existem: é a “Idalina” e a “Pistoleira”, mas sem voz e sem letra. São temas que apareceram no nosso primeiro EP, o Costela Ofendida.
TO — Éramos só amigos que estavam a tocar juntos e depois refugiámo-nos em Mogofores — que é o refúgio aqui da família do João e também do José Cid, com quem entretanto fizemos uma música! A Idalina é, precisamente, uma das personagens, dos habitantes de Mogofores. Mas não partimos de grandes pressupostos nem pensámos demasiado: fomos para lá e fizemos umas malhas. Depois regressámos para Alvalade para gravar: eu já era amigo da malta da Cuca Monga [editora de BISPO, Modernos e Luís Severo].
A malta da Cuca Monga ajudou-vos a encontrar a direção para Ganso?
JS — O Diogo [Rodrigues], que é o nosso produtor, ajudou-nos bastante. Quando chegámos lá tínhamos poucas ideias do que fazer, ele é que nos encaminhou porque nenhum de nós tinha experiência de gravar o que quer que seja e por isso ajudou-nos muito.
O estúdio de Alvalade e a companhia das outras bandas que por lá andam tem-vos ajudado a espevitar as ideias?
JS — Sem dúvida! O estúdio de Alvalade é um sítio inspirador… aquilo está cheio de instrumentos e saímos de lá sempre a tocar melhor. E muito facilmente fazemos lá uma jam… podem acontecer muitas coisas por lá.
Cruzam-se com outras bandas por lá?
TO — Sim, e já tocámos juntos na Tour Cuca, em que a banda a tocar era o Conjunto Cuca Monga — os cinco [Capitão] Fausto, nós os cinco, o Luís Severo e o Diogo — e o objetivo era tocar músicas dos Modernos, dos El Salvador, BISPO e nossas. Compactámos isso tudo num concerto e percorremos o país a tocar nesse formato. E havemos de ir tocar ao Milhões de Festa!
Querem falar-nos um pouco das vossas influências e inspirações? Como é que caracterizam a sonoridade dos Ganso?
TO — Temos sempre dificuldade em responder a essa pergunta…
JS — A ideia continua a ser a de ter uma banda de rock.
TO — Rock rural (risos). Tem tudo a ver com gambas, massa com gambas, animais… e referências inevitáveis e incontornáveis daquilo que ouvimos e sempre ouvimos e que vamos continuar a ouvir. Mas é uma pergunta tramada, que é preferível deixar os outros responder!
A capa do vosso novo disco, Pá Pá Pá, vem com uma espécie de desenho animado. E a própria sonoridade dos Ganso faz-me lembrar para um universo próximo dos cartoons: eu penso nos Ganso como um conjunto de histórias de bandas desenhadas.
JS — Ainda bem que essas ideias te vêm à cabeça, porque é mais ou menos suposto ir acontecer. Está tudo associado à risota, ainda que com alguma seriedade: tanto nas letras como na tal capa do disco…
TO — Sem nunca roçar o absurdo, mas sem dúvida que a risota é uma maneira de estar na nossa vida e naquilo que criamos.
E isso facilita ou complica o trabalho?
JS — Às vezes facilita, porque é óbvio que tem de ir por esse caminho, outras vezes complica porque podemos exagerar… felizmente apercebemo-nos, algumas vezes.
“É importante não parar de trabalhar para não nos habituarmos à inércia. Mas infelizmente não podemos trabalhar todos os dias nisto a tempo inteiro porque todos temos outros ofícios”
Do vosso catálogo fazem parte já algumas faixas em que parecem existir personagens: “Idalina”, por exemplo; “Grilo do Nilo”, “Brad Pintas”…
JS — Sim, gostamos de falar de personagens. Somos colecionadores de animação, de personagens e de histórias de contar e para ouvir.
TO — Todo o nosso mundo e tudo aquilo que nos rodeia — e ao [Francisco] Ferreira, que fez a capa — é um mundo muito animado, no sentido lato do termo. Ainda ontem fomos beber um copo ao Bairro e estávamos a dizer que um dos objetivos é ter histórias para contar aos netos!
E as personagens ajudam a construir os enredos das canções, não é?
TO — No caso do “Brad Pintas” sim.
O Brad Pintas é de Mogofores?
JS — Não, é muito alfacinha. É um amigo nosso: eu tinha-o conhecido naquele dia e se olharmos para ele vemos um beto e se o ouvirmos a falar ouvimos um pintas. E eu disse-lhe: “És um Brad Pintas!” e ele respondeu-me: “Brad Pitt? Obrigado” (risos).
TO — O Brad Pintas é aquele gajo que encontras num café, ao balcão, a mandar umas larachas.
JS — É um “balcoeiro”!
O EP ajudou-vos a perceber o que queriam fazer neste disco?
TO — É um bocado como qualquer conquistador que vai à conquista do mundo: não vamos parar de trabalhar e de fazer aquilo que nos dá mais prazer. Acabar o EP, atacar o disco e já a pensar em gravar um novo disco. Para a semana… (risos) Não, a sério: é importante não parar de trabalhar para não nos habituarmos à inércia. Mas infelizmente não podemos trabalhar todos os dias nisto a tempo inteiro porque todos temos outros ofícios.
Mas sentem que existe da vossa parte uma grande facilidade em criar canções?
JS — Acho que por ser início ainda temos muita coisa para fazer…
TO — E acho que não vamos deixar de ter ideias a fervilhar, até porque à medida que o tempo passa e descobrimos outras coisas, as ideias alteram-se no melhor dos sentidos. Não é como se fossemos ficar bloqueados ou sem ideias eventualmente: há sempre soluções.
“Éramos só amigos que estavam a tocar juntos e depois refugiámo-nos em Mogofores — que é o refúgio aqui da família do João e também do José Cid, com quem entretanto fizemos uma música!”
Querem explicar-nos o título do disco? Tem que ver com a segunda canção, “Grilo do Nilo”?
JS — Também. É um bocado a gozar com aquela coisa de ter um pedaço de uma letra de uma música e usá-lo para dar nome ao disco. Nós pegámos num pedaço de letra que não quer dizer nada — são só interjeições. E porque “pá” é uma expressão muito corriqueira entre nós — sobretudo em Lisboa, que se usa tanto. “Pá pá pá”, “blá blá blá”, “sururu”… é essa a temática.
Há pouco falaram de, numa das visitas a Mogofores, terem gravado uma música com o José Cid. Que canção é essa?
TO — Chama-se “Portuguese Boys” e, na verdade, é uma versão — um remake de uma música dele. Uma das vezes que fomos tocar ao Porto, estávamos a voltar e já tínhamos o contacto dele, que até nos tinha convidado para ir lá comer uma massa com gambas lá em Mogofores.
Ele costuma ser fã de leitão…
JS — Também comemos leitão, por acaso! Um arroz de leitão.
TO — Pois foi! E então lá passámos por casa dele e o que supostamente seria só um jantar transformou-se em 48 horas na casa dele a gravar uma música que tinha feito nos anos 1980, chamada “Portuguese Boys”.
JS — Diz que foi dos primeiros raps em Portugal… e decidimos que era aquilo que íamos tocar. Ele foi o nosso produtor.
TO — E é impressionante, tão prestável. Apesar de tudo tem 76 anos e esteve ali a bombar até às seis da manhã, cheio de ideias e criativo.
Depois do José Cid, em Mogofores, agora também temos os Ganso, é isso?
JS — Mais ou menos. Mas foi em Mogofores que decidimos que íamos chamar-nos Ganso.
TO — Fomos perseguidos por um Ganso num supermercado… estava vivo e meteu-se atrás de nós na fila… com um ar desconfiado e ameaçador. No fundo só quis dar uma volta no supermercado.
Entrevista: Bruno Martins