Foto: Carolina Sepúlveda
“Odiava música de sintetizadores quando era puto. Hoje sou maluco por sintetizadores”
Cresceram na mesma cidade, Coimbra, andaram na mesma escola e foram, praticamente, da mesma turma. Mas nunca pertenceram à mesma “tribo”: Pedro Chau, dos The Parkinsons, sempre esteve mais ligado ao punk; e Pedro Oliveira, ex-membro do Monomoy, andou sempre mais perto do universo indie. Hoje, já mais velhos, formam a dupla eletrónica Ghost Hunt. A idade é mesmo assim: desperta-nos os ouvidos e a mente para outras influências que, afinal, sempre estiveram ali ao nosso alcance, mas que nem sabíamos que as tínhamos.
Foi um EP – composto por três temas em jeito de demos – que os ajudou a andar em digressão pelo País, mas só agora chega o primeiro álbum mais a sério da dupla: são seis faixas num disco homónimo que põe sangue quente e batimentos cardíacos no trabalho das maquinas. Os Ghost Hunt não andam à caça de fantasmas nem quererem assustar ninguém, mas a música de Pedro Oliveira e Pedro Chau podia ser a banda sonora de uma rave numa casa assombrada.
Foi em Coimbra que se conheceram, há muitos anos, mas nunca tiveram uma banda juntos. Contem-nos como é que ao fim destes anos todos nasceram os Ghost Hunt.
Pedro Oliveira (P.O.) – Nós conhecemo-nos há muito tempo. Desde os tempos em que eu vivia em Coimbra, na altura do liceu. Não eramos amigos íntimos, mas bebíamos uns copos quando a coisa se proporcionava.
Pedro Chau (P.C.) – E encontrávamo-nos em concertos. Eu estava mais ligado ao punk rock – onde tu também estiveste.
P.O. – Sim, foi por aí que comecei, mas comecei a fazer coisas diferentes. Foi aí que nos separámos um bocado.
P.C. – Se bem que tínhamos amigos em comum: o Mota, o Bazófia. Nós andávamos no mesmo liceu, lá em Coimbra. Chegámos a ser da mesma turma, mas, entretanto, mudei-me para outra.
P.O. – O pessoal conhecia-se todo. Depois disso o Chau foi para Londres e eu voltei para Lisboa – que sou natural de cá. O meu pai é que tinha ido trabalhar para Coimbra.
P.C. – Acho que tive uns oito anos sem ver o Pedro! Só que ele foi sempre uma pessoa por quem eu tinha um enorme respeito, apesar de estarmos em pontos musicais diferentes, porque sabia que tinha muito talento.
P.O. – Ao fim destes anos todos reencontrámo-nos. Até foi uma amiga em comum que sugeriu que devíamos trabalhar juntos. Tanto eu como ele estávamos numa de começar qualquer coisa, a coisa avançou e foi fazendo sentido. Começou a soar bem.
Como é que se deu o primeiro contacto?
P.C. – Foi depois de um concerto dos Parkinsons. Nós falámos nisso, mas eu não sabia muito de ti, porque não te via há muito tempo. Foi aí que me mandaste uma mensagem a perguntar se eu curtia dar uns toques. Eu fiquei supersatisfeito porque também andava à procura de uma banda para tocar. Tinha tentado tocar com o Bruno Simões, que entretanto tinha vindo morar para Almada, e por isso as coisas não tinham ido para a frente. Andava um pouco sozinho, com poucos concertos de Parkinsons. Em casa já tinha uma drum machine e a ouvir música eletrónica. Foi no momento certo.
“As pessoas associam-me muito ao punk, mas ultimamente ouço muito mais música eletrónica! E o Pedro até ouve mais punk e até heavy metal. No outro dia mostrou-me o primeiro álbum dos Metallica!” – Pedro Chau
Estavam os dois no mesmo comprimento de onda?
P.O. – Talvez, com algumas diferenças.
P.C. – Coincidiu bem, porque aquilo que o Pedro estava a fazer é algo com que me identifico muito.
P.O. – Os nossos gostos acabaram por se cruzar no krautrock, na cena psicadélica, das bandas dos 60’s. Tínhamos isso em comum e no início passávamos tanto tempo a tocar aqui em casa como a ouvir música, ainda sem pensar em projeto.
Qual foi a primeira intuição? Agarrar em que instrumentos?
P.O. – Sinceramente foi agarrar em tudo ao mesmo tempo. Ligámos o baixo, a guitarra, as máquinas – que, na altura, eram diferentes – e começámos a fazer sessões a tocar. Tocávamos muito tempo a mesma coisa, fazíamos músicas muito extensas. Aos poucos fomos encontrando. O que pensámos desde o início foi pôr as músicas a funcionar ao vivo.
Como é que os Ghost Hunt funcionavam ao vivo?
P.C. – Lembro-me que o primeiro concerto… quer dizer, eu nem sequer pude estar presente no primeiro concerto! Foi só o Pedro, mas nem sei se foi como Ghost Hunt!
P.O. – Já existíamos, mas isso foi um convite para perder o medo! Uma amiga tinha uma apresentação e perguntou-me se queria ir lá tocar. Eu levei aquilo em que estávamos a trabalhar. Funcionou e eu tive a prova de que aquilo era possível. O pessoal dizia-me para eu não me meter nisto, que eu era maluco por andar com tanta coisa atrás, mas eu não desisti.
Contem-nos lá que máquinas e que equipamentos é que carregam para os concertos.
P.O. – As coisas vão mudando, porque gosto de ir trocando. Não sou colecionador de synths, porque não tenho dinheiro nem vontade, mas gosto de ter coisas para ir experimentando. Mas da minha parte levo sempre uns sintetizadores, uma caixa de ritmo e uma guitarra.
P.C. – Eu faço aquilo que sempre soube fazer melhor, que é tocar baixo. Tento meter um baixo a soar no meio disto tudo. Mas também já tenho uma máquina, para continuarmos a tentar fazer coisas diferentes. Quem sabe se não começamos também a pôr voz: já temos uma cover. Talvez no futuro, em novas músicas, podemos tentar fazer algo mais vocal.
Por trabalharem com os irresistíveis sintetizadores, estão a conseguir resistir à tentação de preencher as músicas de várias camadas sónicas?
P.O. – As músicas têm um bocado isso, mas em comparação com o início está menos pronunciado. Acho que perdemos um bocado o lado mais espacial e psicadélico, com músicas mais longas, e começámos a fazer temas mais concentrados, em várias partes.
P.C. – Apesar de ser música instrumental, podem encontrar-se uma espécie de refrães.
P.O. – Não são todos os temas, mas é como se tivessem uma estrutura pop de verso e refrão.
“Acho que perdemos um bocado o lado mais espacial e psicadélico, com músicas mais longas, e começámos a fazer temas mais concentrados, em várias partes” – Pedro Oliveira
Começaram por disponibilizar, em janeiro do ano passado, uma espécie de EP, ou um disco de demos.
P.C. – A ideia não era um EP. Eram temas que gravámos porque nos queríamos apresentar e tínhamos um concerto para dar. O primeiro concerto surgiu porque o [realizador] Eduardo Morais, que é amigo nosso, nos convidou para participar nas noites W.A.S.T.E. Club, em fevereiro de 2015, no Sabotage, onde fomos abrir para os Cave Story. Mas queríamos ter alguma coisa editada: Eu vim aqui a casa do Pedro e gravámos o “Shallow End”, o “Port Cities”. Foi tudo gravado ao vivo em casa.
É fácil fazer este trabalho? Não só por esta facilidade de gravar num estúdio doméstico, mas porque sentem que as próprias faixas vão saindo com facilidade?
P.O. – Sem dúvida. Temos muitas ideias e outros temas que ainda não usámos. Felizmente tem corrido bem. É sinal de uma boa química.
Mesmo vindo de universos diferentes: o Chau do lado do punk rock e o Pedro de um universo mais indie.
P.C. – Se bem que ele também fez parte de bandas punk! E gosta de hardcore. Há pontos em que nos cruzamos. As pessoas associam-me muito ao punk, mas ultimamente ouço muito mais música eletrónica! E o Pedro até ouve mais punk e até heavy metal. No outro dia mostrou-me o primeiro álbum dos Metallica!
P.O. – Só ouço de vez em quando! (sorri)
O passar dos anos costuma trazer uma outra abertura de mente e de ouvido.
P.C. – E a capacidade de apreciar o que é bom dentro de um estilo. Por exemplo, o hip hop – somos os dois grandes fãs.
P.O. – Posso dizer que odiava música de sintetizadores quando era puto. Hoje sou maluco por sintetizadores, adoro.
P.C. – E eu odiava música eletrónica!
“Eu toco baixo, mas também já tenho uma máquina, para continuarmos a tentar fazer coisas diferentes. Quem sabe se não começamos também a pôr voz: já temos uma cover. Talvez no futuro, em novas músicas, podemos tentar fazer algo mais vocal” – Pedro Chau
Conseguem perceber, nos dois casos, o que é que mudou?
P.O. – Deve ter que ver com a idade, mas eu sempre fui muito aberto musicalmente. Ouvi música desde cedo, sempre foi uma paixão. Comecei a ouvir metal nos anos 1980, mas logo a seguir descobri outras coisas: Joy Division, The Cure – mais góticas. Logo a seguir a isso descobri as bandas de Manchester: Stone Roses, Happy Mondays… fui sempre tendo um percurso de curiosidade. Para quem cresceu nos anos 1990, como eu, os anos 1980 eram um bocado odiosos. Era como as pessoas que cresceram nos anos 1980 em relação ao disco.
P.C. – A minha evolução foi um bocadinho mais lenta do que a do Pedro. Mas desde miúdo que tive bastante contacto com música: o meu cunhado era gerente de uma discoteca de Coimbra, de música alternativa, a minha irmã, mais velha, tinha muitas cassetes. Ela ouvia Suicide e Kraftwerk, que ao início não me entravam muito, mas deixaram marca: hoje Kraftwerk é das minhas bandas favoritas. [o pin na lapela denuncia-o] Nós somos sempre condicionados pelo grupo de amigos e influenciado por mitos do rock ‘n’ roll: eu era muito dedicado ao mito do rock e do punk, da cena de Nova Iorque e das histórias dos CBGB’s. O que me fez ir procurar mais música foi o facto de, à medida de uma se ir esgotando, ter de ir procurar outras. E ter estado em Londres também foi muito importante para mim, o sair à noite, ir à cena mais club onde convivi com a soul, com o funk…
Mesmo fazendo música eletrónica, com sintetizadores e drum machines, os Ghost Hunt vão buscar uma série de referências mais vintage, onde a eletrónica orgânica se misturava com um espírito mais vanguardista do rock.
P.C. – É verdade.
P.O. – A inspiração é um cruzamento de muitas coisas que ouvimos. E muito do que ouvimos é rock. Mas sou grande fã de techno!
Acho que se nota isso no espírito dançante que se sente no disco.
P.O. – Nota-se, sim. Sobretudo ao nível das batidas. Quando investi numa drum machine melhor comprei uma que tem, única e exclusivamente, aquele som clássico do techno, da [Roland TR] 909 e [Roland TR] 808. E eu uso, principalmente, o da 909 porque acho piada àquele som do techno. Acho piada aos sons daqueles pratos. É curioso ter aquele som, que identifico muito o techno com o que estamos a fazer.
O facto de se estarem a divertir tanto com o lado maquinal da criação é o que faz com que os Ghost Hunt sejam, nesta altura, apenas instrumentais?
P.O. – Talvez. Nunca tinha pensado nisso dessa maneira, mas faz algum sentido. Essa questão do instrumental foi um bocado por acidente.
P.C. – Como nenhum de nós era vocalista, às vezes é mais arriscado dar a voz, que é uma coisa muito pessoa. Já há tantos vocalistas maus! Mais vale ser instrumental. Mas claro que pode acontecer.
Têm trabalhado bem à distância – o Chau em Coimbra e o Pedro em Lisboa?
P.O. – Preferíamos não trabalhar à distância, mas a maior parte das vezes tem de ser. Vamos trocando ficheiros.
P.C. – Se eu pudesse estar aqui era mais fácil. O Pedro envia-me linhas para ir trabalhando. É o bom do digital. Mas também estou a duas horas de Lisboa, não é difícil vir cá.
Qual é a origem do nome da banda? Que fantasmas anda a ser caçados?
P.O. – Nenhuns, mesmo. O nome veio de uma lista de vários nomes. Eram palavras aleatórias que eu andava a tomar nota. O Chau também tinha, mas Ghost Hunt estava na minha lista. Eu enviei-lhe a lista e pedi para ele escolher. Ambos gostámos muito e não encontrámos mais nenhuma banda com esse nome.
P.C. – Havia uma banda chamada Ghost Hunter! Depois há o anime chamado “Ghost Hunt”, mas não tem nada a ver.
A vossa música até pode ser a banda sonora para uma festa numa casa assombrada.
P.O. – Pois pode! Tem esse lado e o nome até vem desse lado que eu tenho de fã de cinema de terror. Estou sempre a ver filmes de terror.
Entrevista: Bruno Martins