Os anos passam, e vamos conhecendo muito mais música, o que é inevitável quando, saudavelmente, se mantém a curiosidade perante as coisas novas. Acontece, também naturalmente, que o novo que vai surgindo vai sendo menos novo, vai parecendo já ouvido e vem já associado à ideia feita que fizemos antecipadamente (porque já lemos algures qualquer coisa sobre o músico, a banda, o disco novo que se apresenta). Ainda assim, continua a haver espaço para o espanto, para encarar um disco sem fazer a mínima ideia do que esperar — ah, coisa boa é a surpresa. Fazer O Disco Disse vai-nos permitindo reencontrar essa sensação, e foi ela que me ofereceste, Quim, quando sugeriste um tal Jerry Paper para ouvirmos no programa desta semana.
Jerry Paper, californiano nascido Lucas Nathan em 1990, colaborador desses canadianos geniais chamados BadBadNotGood, nova aquisição da distinta editora Stones Throw, a de Madlib, Aloe Blacc, Mayer Hawthorne ou Washed Out, com quem editou agora Like a Baby, o seu sexto álbum. Jerry Paper, criador de microssinfonias pop, orgânico-digitais, onde cabe soul solar, yacht rock, pitadas de Beach Boys e doses recomendadas de doçura easy listening. Like a Baby, produzido a meias com Matty Tavares (BadBadNotGood), conta com a participação de Weyes Blood ou Alex Brettin, dos Mild High Club, e é obra de um geek adorável cheio de ideias na cabeça, mas com a sabedoria suficiente para não se deixar dispersar. Jerry Paper sabe muito bem o que faz e como fazê-lo. Claro que eu não sabia nada disto quando me disseste o nome, Jerry Paper, e o título, Like a Baby. Foi muito melhor assim. Surpresa total. Ou seja, uma raridade a prezar.
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.