Uma das coisas boas disto que partilhamos semanalmente, Quim, é, passado este tempo de O Disco Disse, já termos companhia muito cá de casa, pessoal que vamos acompanhando à medida que os anos vão passando. Sinkane, nascido Ahmed Abdullahi Gallab em Londres em 1983, é um desses companheiros. Filho de professores universitários sudaneses, nasceu em Inglaterra e cresceu nos Estados Unidos. Como qualquer filho de emigrantes, passava as longas férias de Verão na terrinha — a dele, como se percebe, é no Sudão.
A música de Sinkane, como ouvimos no Life & Livin’ It, de 2017, como ouvimos nos cinco álbuns anteriores — o primeiro, Sinisterals, foi editado em 2007 —, era reflexo dessa experiência de vida. Tinha funk, soul, rock’n’roll, a tradição da música copta e do jazz etíope, os sons da tradição sudanesa — que também “funka” mesmo a sério, e basta ouvir Mohammed Wardi, um dos heróis musicais do Sudão, para perceber o quanto “funka”.
Em Dépaysé, porém, todo esse rico caldo cultural e musical se tornou mais exposto e apurado. Há coisas a acontecer no mundo e, em particular, no país adotivo de Sinkane, os Estados Unidos, que o fizeram sentir a necessidade urgente de dar conta da sua riqueza.
Em tempos de muros e de puritanismos empobrecedores, ele inventou este Dépaysé, que é palavra que exprime o sentido de desorientação de perdermos o pé, de ficarmos sem referência, de nos descobrirmos em terra estranha. A música que ele nos dá é o contrário. Carregou no psicadelismo movido a wah wah, lança odes ao Sudão e mistura todas as porções daquilo que é para que Dépaysé seja palavra morta, para que nunca nos sintamos estranhos em terra alguma. É uma ambição muito nobre, muito bonita. Para cumprir a dançar. Vamos a isto, Quim?
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.