Já tivemos esta conversa algumas vezes. Sabes qual é, não sabes, Quim? Aquela conversa sobre onde começam e acabam as fronteiras na música. Aquela conversa sobre se essas fronteiras existem realmente e se não perdemos tempo e esforço inútil a tentar delimitá-las com uma precisão sempre impossível de atingir. Porque, felizmente, a música corre de mão em mão e de ouvido em ouvido, mistura-se e transforma-se, ora em benigna colisão frontal, ora em ciciar discreto mas de efeitos duradouros. E, depois, do velho nasce o novo, o velho descobre-se rejuvenescido e o novo descobre-se um outro, diferente do que julgava ser. É assim desde sempre e quem disser o contrário anda a inventar patranhas para enganar incautos. É isto que concluímos sempre quando nos metemos a discutir o tema.
Ora, é sempre bom ouvir quem nos confirma aquilo tudo de que falamos sem precisarmos de falar. Basta ouvir. O Sinkane, nascido Ahmed Gallab, londrino filho de pais sudaneses, hoje habitante dos Estados Unidos, anda a ter esta conversa consigo próprio há muito tempo. Colaborou com a DFA, foi músico das bandas de Eleanor Friedberger, Caribou, Of Montreal ou Yeasayer. Algures no caminho, descobriu a lenda nigeriana William Onyeabor, do genial “Atomic Bomb” e de outras matérias sónicas explosivas (paz à sua alma), e acabaria por tornar-se director musical da banda que mostra a música dele mundo fora. Pelo meio, Sinkane tem tempo de criar música sem fronteiras, a que assina em nome próprio e que é confluência de afro-beat, rock, um pozinho de kraut germânico, um aroma ao Sudão natal, e olha aqui um pé no Brasil, e topa-me este groove “mêmo” à Funkadelic. Nunca a mensagem passou de forma tão feliz como em Life & Livin’ It, o seu álbum mais recente. Música sem fronteiras, claro. Bora ouvir para não termos que explicar?
Mário Lopes é jornalista e crítico musical no Público e fala com Quim Albergaria todas as semanas na Antena 3, em O Disco Disse.