“Tive vontade de fazer um disco mais de rock, mais abrasivo”
Obra Camiliana é o nome do segundo disco do músico José Camilo. Depois de, em 2013, ter editado um ensaio rock ‘n’ roll em torno da vida nos subúrbios (24 Horas no Subúrbio), o músico regressa agora com uma nova ambição: se há um lado menos conceptual em torno dos temas deste novo álbum, musicalmente Camilo aparece mais arrojado, confiante, mais veloz, sujo e distorcido. Nesta conversa, além de ficarmos a conhecer as suas motivações para este novo álbum, ficamos a conhecer melhor a sua história, o seu perfil e o facto curioso de também ser uma espécie de professor… de rock ‘n’ roll. No dia 1 de fevereiro vai atuar no Tóquio, em Lisboa.
Foi em 2013 que editaste o teu primeiro disco de longa-duração, 24 Horas no Subúrbio. Qual foi a vontade que tiveste depois disso?
Quando comecei a mostrar ao vivo 24 Horas no Subúrbio comecei a sentir muita falta de tocar mais música “a abrir”. Nos ensaios começámos a experimentar, volta e meia, covers de punk rock ou versões do 24 Horas no Subúrbio com mais distorção e mais rápidas. Por isso fiquei com vontade de fazer um disco mais de rock, mais abrasivo do que o primeiro. Esse foi o ponto de partida. Depois: eu escrevo canções naturalmente, sem datas para composição de discos, mas quando comecei a pensar neste disco já ia com isso em mente, de que queria músicas mais velozes. Quando chegou uma altura em que decidi organizar-me, percebi imediatamente as que queriam que ficassem num disco. Chamar o produtor, o Fernando Matias, porque sabia que ele tinha gravado com os Linda Martini ou com os Quartet of Wah, que era alguém que conseguia perceber o que eu queria. Há quem me associe a um certo cantautorismo, mas o que eu faço é mais rock ‘n’ roll do que outra coisa.
Sempre te assumiste como um músico do rock, mas talvez não fosse tão direto como é aqui nesta Obra Camiliana. O que é que aconteceu para o exibires agora de forma tão expressiva?
Tem a ver com ter ouvido muito rock quando era mais novo, de ter tido algumas bandas na adolescência e faculdade. O rock esteve sempre muito presente, mas houve uma altura em que cortei e comecei a ouvir outras coisas, nomeadamente música cantautoral. Pode dizer-se que fiquei com uma ressaca qualquer para compor e gravar rock. Mal comecei a ensaiar para os concertos, a vontade da música mais rápida e pesada regressou quase de imediato.
“Há quem me associe a um certo cantautorismo, mas o que eu faço é mais rock ‘n’ roll do que outra coisa”
O Bob Dylan teve uma grande influência na tua vida, sobretudo quando entraste na faculdade. Isso também influenciou esse lado do cantautor de que falas?
Muito, mesmo. Ainda que o meu primeiro disco não seja de guitarra acústica. Na altura não me apercebi, mas hoje consigo ver que estava à procura de um meio termo qualquer que nem sei se existe – entre a música de cariz mais acústico e música mais pesada. E nem tem que haver: posso fazer um disco agora de rock ‘n’ roll e o próximo ser acústico. Quem controla isso sou eu. Na altura, não queria fazer um álbum sujo, mas também não queria fazer um álbum acústico.
Achas que consegues esse equilíbrio de uma forma mais visível neste novo álbum? Com canções mais vigorosas como “Sangram os Dias”, “Golpes Fundos” ou “Bate a Porta” e outras menos, como “Equilibrismo”, “Valsa dos Tristes” ou “Gisela”.
Se calhar. Não consigo ter uma perspetiva suficiente para chegar a essa conclusão, mas é possível.
E a palavra continua a ter um papel muito importante na tua obra. O 24 Horas no Subúrbio era uma faceta mais narrativa e esta Obra Camiliana é o teu lado mais poético?
Não sei se é bem assim. No primeiro disco há um lado narrativo, mas também poético. Mas neste, se ouvires a “Equilibrismo”, também se percebe que é uma obra narrativa, ou a “Bate a Porta”. É uma mistura das duas coisas. Talvez o facto de o 24 Horas no Subúrbio nascer de um assunto muito específico ajude a construir essa ideia de narrativa. Eu acho que tenho, naturalmente, apetência para escrever de uma forma narrativa e poética, sem grandes considerações de quotas e sem pensar se é um trabalho mais poético ou narrativo.
Sobre o que é que quiseste escrever nesta Obra Camiliana?
Tinha vontade de fazer um disco que não fosse fechado num assunto tão curto. Se no anterior tinha escrito sobre o subúrbio, neste queria escrever sobre Portugal, sobre o mundo ou sobre o máximo que conseguisse. Queria que fosse mais abrangente. Não é um disco com um fio condutor, propriamente, mas vem com os assuntos clássicos de um disco de rock: o amor e o desamor, talvez a crítica social, mas com um tipo de escrita que seja mais abrangente para que mais se possam identificar. As pessoas interessam-se pela música pela forma como ressoa nelas, por aquilo que o autor diz sobre elas. Eu gosto de música que, muitas vezes, me revela coisas sobre mim!
“[Obra Camiliana] Não é um disco com um fio condutor, propriamente, mas vem com os assuntos clássicos de um disco de rock: o amor e o desamor, talvez a crítica social, mas com um tipo de escrita que seja mais abrangente para que mais se possam identificar”
Estas são histórias do José Camilo ou histórias narradas pelo José Camilo?
É um misto de duas coisas, de personagens que invento com coisas que já me aconteceram ou estão a acontecer. É com aquela ideia do “Não deixes que a verdade atrapalhe uma boa história”. Nunca estudei para ser jurista, mas sei o que é o desemprego. Uma outra coisa que percebi foi que ao escrevermos de uma forma mais pessoal, mais sobre as próprias emoções, faz com que as outras pessoas encontrem mais facilmente as suas próprias emoções. No primeiro disco escrevia como se fosse eu a observar os outros, quando aqui misturo tudo, noto que a relação com as canções é muito mais próxima.
Como é que começa o teu envolvimento com a música?
O primeiro grande interesse pela música foi pelo hardcore. O filho de um vizinho meu era o vocalista dos X-Acto. Foi por causa dele é que eu pensei que gostaria de ter uma banda, até porque parecia fácil (risos). Depois queria pertencer àquele universo e achar que era aquele o lugar certo. Acabei por pedir uma guitarra aos meus pais, mas foi o meu padrinho que ma deu e foi com ela que aprendi os primeiros acordes. Mas o punk já não chegava e foi aí que entra o período mais rock, mais grunge – isto tudo em miúdo, claro. As primeiras bandas começaram a surgir, eu comecei a cantar – muito mal, porque não tinha noção nenhuma de como as coisas se faziam. Depois foi sempre seguindo, a ser só vocalista porque não conseguia juntar dinheiro para comprar uma guitarra elétrica e tinha a paixão da escrita.
Foi aí que começaste a trabalhar a solo?
Quando tinha uns 19 ou 20 é quando começo a compor canções. Comecei a ficar mais confiante e a conseguir escrever algo do início ao fim. Na altura estava na faculdade, a ouvir muito Bob Dylan e Leonard Cohen, e comecei a tocar sozinho. É verdade que, durante uns tempos, aquilo alimentou-me, a dar concertos só com a guitarra acústica. Vivi em Espanha um ano e foi a tocar que me sustentei, a tocar mais versões do que canções. Houve depois uma fase em que me perdi, porque já não me chegava só voltar a estar com guitarra, mas também não queria ter bandas. Tinha muitas ideias concretas do que queria fazer. E as condições acabaram por reunir-se para avançar para este formato.
“Além de fazer rock ‘n’ roll faço música infantil e ensino a tocar guitarra. Trabalho com crianças, numa escola, a quem dou aulas de guitarra e escrevo espetáculos infantis”
No meio disto tudo, além de fazeres canções e disco, também ensinas os mais novos a fazê-lo…
Sim. Além de fazer rock ‘n’ roll faço música infantil e ensino a tocar guitarra. Trabalho com crianças, numa escola, a quem dou aulas de guitarra e escrevo espetáculos infantis e que fazemos, ocasionalmente, nas alturas das festas. Depois do Natal, estamos agora a preparar o de Carnaval.
Aí também está presente o rock ‘n’ roll?
Está, por duas razões: eu descobri sozinho a tocar guitarra, portanto não ensino como numa escola de música. Eu ensino aquilo que sei fazer, que é rock. Ensino técnicas que têm que ver com rock, ensino canções, muito simples, dos Nirvana para eles perceberem que conseguem tocar canções e ficam entusiasmados.
És um professor de rock ‘n’ roll, portanto.
Basicamente sim! (risos) No caso das canções infantis, não têm muito rock ‘n’ roll.
É uma improbabilidade muito grande esta de encontrar um artista de rock ‘n’ roll que é ao mesmo tempo professor de música para crianças. Há um tema neste teu disco que diz: “O mundo é uma luta cósmica entre a fé e o acaso”. Neste momento da tua vida pendes mais para a fé ou para o acaso?
Eu não consigo dissociar as duas coisas. Quando falo de fé não é só uma questão religiosa, apesar de também ser. O acaso leva, muitas vezes, a que a fé se concretize, porque muitas vezes estás a ir por um caminho, a tentar ter uma coisa e ficas frustrado por não a conseguires ter, mas há um acaso que te leva lá por um caminho diferente. Sem querer soar a auto-ajuda, mas para andares para a frente vais precisar de fé, só que serão os acasos que te farão concretizar as coisas.
Não rejeitas a fé, mas abraças o acaso.
É isso mesmo.
Entrevista: Bruno Martins